Flávio Aguiar - Berlim
Carta Maior
Berlim - O pedido do primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, por "mais tempo" (dois anos), para que seu governo honre os compromissos (os de pagamento e os políticos, de mais arrocho em cima de seu povo) em torno do novo capítulo dos pacotes de ajuda, de 130 bilhões de dólares, deflagrou uma nova "dança de quadrilhas" pela Zona do Euro afora.
Samaras veio a Berlim, depois foi para Paris, e parece disposto a cotinuar seu périplo europeu por outras capitais. É difícil dizer qual a "reação verdadeira" que suas viagens e seu pedido obtiveram. Os dançarinos dessa quadrilha financeira e política executam diferentes passos conforme a seção do público para que dançam no momento, se os floreios se dão no proscênio, no canto do palco, nos bastidores, nos camarins, numa telescopagem sem fim de seu processo dançativo. Ou passivo, dependendo do caso.
Comecemos pela periferia da periferia. Ou seja, pela Grécia. A Grécia recebe ameaças? Recebe. Mas seu governo também faz. A última ameaça que Samaris carrega - falando de boca fechada como um ventríloquo - é a de que o abandono de seu país à própria sorte, provavelmente fora do Zona do Euro, provocaria uma crise interna de tal monta que o restante da Europa seria inundado por uma tsunami de e/imigrantes empobrecidos. Tal ameaça é de tirar o sono de qualquer governante europeu, em geral já às voltas com imigrantes considerados "irregulares", muçulmanos, norte-africanos, remanescentes do leste europeu, e assim por diante. Mas essa carta tem seu verso, onde se lê o pânico de Samaras diante de uma possível retirada ou expulsão do euro: perderia ele o coringa que o elegeu para o retorno à chefia de governo, a alardeada permanência na Zona do Euro. O que viria depois não se sabe, mas certamente o governo de Samaras desabaria como um castelo de cartas.
Passemos à periferia. Portugal, Espanha e Itália seguem atentamente o que vai acontecer com os pedidos, as pressões e asameaças de e sobre Samaras. Seu alvo não é tanto a questão grega em si, mas as rotas que serão abertas pelas resultantes. Essas rotas apontam para Mário Draghi, diretor presidente do Banco Central Europeu, que vem se mostrando cada vez mais disposto a intervir no mercado secundário de "bonds", comprando a juro baixo os títulos das dívidas dos países quebrados ou em vias de quebrarem. Para aqueles países, mais eventualmente a Irlanda e Chipre, essa possibilidade soa como os sinos da salvação. Não que a partir daí (pelo menos nos três primeiros) esses governos estivessem dispostos a aliviar o fardo de seus povos, mas certamente isso facilitaria a vida dos estados em obter melhores condições de superávits primários, para seus bancos igualmente, e a aparência de que sua governança permanece estável, podendo eles se concentrar mais facilmente em comprimir ou suprimir direitos e invetimentos sociais.
Entretanto, passando ao centro, essa perspectiva acalentada por Madri, Lisboa e Roma e planejada por Draghi provoca azia, indigestão e malestar em Jens Weidmann, diretor do Banco Central Alemão e representante deste no BCE, o mais ardoroso opositor de qualquer intervenção deste diretamente no mercado financeiro e o mais empedernido defensor da ortoxia neolibê deste lado do Atlântico. Em declarações no domingo à Der Spiegel, Weidmann alertou que essa possibilidade poderia se transformar numa poderosa "droga viciante" no continente. Por quê? Porque facilitaria a vida para governos encalacrados que, assim, poderiam ter de fazer as propaladas "reformas estruturais" com o vigor necessário. É claro que isso aponta para a batalha do pensamento que Weidmann representa, que é o de aproveitar essa belíssima oportunidade que a crise oferece para reformar a Europa inteira, livrando-a dos pensamentos viciososos de Keynes, por exemplo.
De quebra, Weidmann sabe que a adoção da política agora antevista por Draghi representaria o seu isolamento definitivo no Conselho do BCE, que já está em curso. Neste caso, a dança da quadrilha se transformaria numa dança das cadeiras, e ele poderia muito bem perder a sua no BCE e quiçá, no BCA porque, por mais ortodoxo que seja, o governo alemão não se pode dar ao luxo de ter uma voz no BCE que fala para as paredes.
Continuando em Berlim, a chanceler Angela Merkel teve de fazer cara feia e falar grosso com Samaras, recusando qualquer prorrogação - pelo menos de momento (fica sempre essa entrelinha) - que facilite a vida em Atenas. É claro: existem amplos setores de seu governo, dispersos pela CDU, a CSU bávara, e o sempre descrito em inglês como "business frend" FDP que precisam mostrar ao eleitorado", cujas retinas fatigadas estão sempre cobertas pela cortina de fumaça dos ortodoxos "planos de austeridade, que não vão facilitar as coisas para ninguém nesse "sul da Europa" ao mesmo tempo "perdulário e devedor".
Porém, nas entrelinhas, a dança pode ser outra: dirigentes do próprio FDP reconheceram que, no caso de Samaras expor resultados ao invés de promessas, eles poderiam muito bem pensar em facilitar-lhe a permanência no poder - porque, no fim de contas, eles sabem que um governo como o do líder direitista na Grécia ainda é a melhor - senão a única opção interessante para os conservadores alemães.
Passando a uma outra periferia, o momento mostrou novamente que a áspera liderança de Berlim na Europa também passa por estremecimentos. O governo austríaco, através de seu chanceler Werner Faymann, normalmente dançando de acordo com a música germânica, desta vez desafinou, e declarou-se favorável a um alívio nos prazos para Atenas. É claro: uma queda de Atenas para fora da Arca de Noé do Euro, seria uma pequena catástrofe para os grandes (Alemanha, Holanda, Finlândia, até, em parte, a França), mas uma grande catástrofe para os pequenos, que sabe-se lá onde iriam parar (pelo menos seus governos) na maré de descontentamento e instabilidade geral que se seguiria na Europa.
Resta a esfinge parisiense, o Monsieur Normal, François Hollande. Ele mostrou-se também algo inflexível com Samaras. Mas suas razões podem ser inteiramente outras do que as de Merkel. Hollande está sempre a beira de contenciosos com a chanceler alemã. Samaras é uma boa oportunidade para demonstrar alguma aproximação. A solidariedade de Hollande vai sobretudo com o PS grego, e Samaras é uma pedra nesse caminho.
É um jogo arriscado, porque com Samaras o PS pode cair também, em favor do Syriza, ou então de uma nova força de direita que renasça das cinzas da Nova Democracia grega. Mas Hollande sabe, como todos os outros, que tem tempo. Nada de definitivo vai se decidir antes de meados de outubro, quando se reúne a cúpula da União Européia.
Até lá, muita quadrilha vai rolar. Quem sabe algumas cabeças.
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