Iraci del Nero da Costa(*)
Há, no Brasil, quem pretenda efetuar comparações entre a mobilização numericamente expressiva dos "indignados" espalhados por centenas das principais cidades do mundo e o apoucado número de pessoas que acorrem às manifestações contra a corrupção desenvolvidas em uns poucos centros urbanos brasileiros. A meu ver tais confrontos não são pertinentes, pois deixam de lado as motivações e os escopos dos movimentos em questão.
Os primeiros veem-se empolgados por uma crise de largo espectro cujas consequências atingem fundamente a produção, as finanças e particularmente o emprego. No Brasil, o móvel dos manifestantes é relativamente menos premente, pois se prende à ética na política, elemento dos mais relevantes, mas cujo poder de mobilização, com raras exceções,1 tem-se demonstrado, entre nós, menos efetivo do que as questões imediatamente vinculadas ao desempenho econômico.
Assim, os "indignados" reúnem-se, sobretudo, porque sentem a falta, em seus países, de políticos que atuem de maneira decisiva para reverter a crise econômica que se estende desde 2008; como sabido, em todas essas nações tem faltado por parte de seus dirigentes maiores - tanto do poder Executivo como do Legislativo - determinação firme no respeitante ao enfrentamento dos graves problemas com os quais se defrontam suas economias. Destarte, os movimentos em foco pretendem, em última instância, condenar a carência de iniciativa de todo o corpo político de suas nações.
Já no Brasil, as manifestações de denúncia da corrupção não colocam em xeque o poder Executivo Federal, mas, sobretudo, os parlamentares e, de modo menos explícito, atitudes de integrantes dos poderes Judiciário e Executivo. Ademais, não seria descabido afirmar-se que os manifestantes aprovam a assim chamada "faxina" atribuída à presidente da República; pretenderiam eles, portanto, pressionar o poder central a fim de fazê-lo dar continuidade e aprofundar a aludida medida saneadora.
Tal distinção básica entre as mobilizações em tela explicariam a maior radicalização por parte dos movimentos estrangeiros e a participação de um número bem mais modesto de pessoas quando contemplados os eventos promovidos no Brasil.
Trata-se, como se vê, de ações políticas diversas: uma voltada contra o mundo político em geral, o capital financeiro e a elevada concentração da riqueza, a outra dirigida, essencialmente, contra o poder Legislativo tido como relapso e indulgente com respeito à corrupção; esta última, ademais, atua, de certa maneira, em apoio à presidente da República no que tange às suas ações contrárias aos assim ditos "malfeitos"; ações estas, diga-se com ênfase, tímidas e reflexas, pois foram levadas a efeito em resposta a denúncias levantadas pela mídia.
De outra parte, enquanto no nível internacional os políticos veem-se "encurralados" pelos manifestantes, no Brasil, caso assim o queira, a presidente da República, se assumir uma atitude que a defina como coparticipante ativa da ação saneadora almejada pelos eleitores, poderá ver-se prestigiada pela mobilização em curso
Como não poderia deixar de ser, as qualificações ora explicitadas não nos impedem de augurarmos o alargamento e universalização da luta contra a corrupção da qual há tanto somos vítimas.
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(*) Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.
1 Dois desses casos excepcionais são paradigmáticos e não devem ser esquecidos, embora mereçam qualificação especial. Assim, o movimento pelas "Diretas Já" contou com amplo apoio de políticos de prestígio, da maioria esmagadora da intelectualidade, das classes médias e de um ativo movimento sindical, todos voltados contra uma ditadura fartamente desgastada tanto do ponto de vista político como econômico. Já com respeito aos "Caras Pintadas" lembre-se que o impeachment de F. Collor, ato este respaldado pela quase totalidade da população brasileira, representou, antes de tudo, "a devida resposta a ser dada ao presidente" pelos eleitores que foram traídos e pelos membros do Congresso, os quais se sentiram aviltados e desafiados por um presidente da República inebriado pela falsa impressão de que era um ser onipotente.
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