Paga Zé e não bufes...

A nossa geração aprendeu a não gastar mais do que se ganha e a poupar para prevenir o futuro. Pedir dinheiro emprestado era para nós uma vergonha, pelo que estava completamente fora de cogitação. Por outro lado, nesse tempo, dificilmente um pobre entrava num banco... para quê?

E o cidadão que se atrevesse a fazê-lo, para pedir um empréstimo, desistia logo. Primeiro era necessário provar que tinha emprego estável, com salário compatível com o valor do crédito solicitado, e em segundo, era indispensável ter alguém como fiador, mas não um qualquer. Teria que ser cliente do banco e ter "bons cabedais" lá depositados... O mesmo era exigido para compras a prestações. A vida era difícil, porém não tinha os sobressaltos económicos que hoje temos, em grande parte devido à dita Divida Soberana, que compreende a dívida pública, das empresas privadas e dos particulares.

Naquela época também a banca não era como hoje. Estava mais centrada na produção do que no crédito ao consumo. Interessava-lhe sobretudo captar a poupança para o investimento reprodutivo. Os banqueiros eram aliás também patrões da Grande Indústria, daí terem interesse directo no aforro popular. Tanto que as taxas de remuneração dos depósitos a prazo eram bastante aliciantes para o pequeno e médio aforrador. Desse modo, procurava-se estimular mais a poupança que o consumo supérfluo ou o investimento de risco na Bolsa, que nessa altura ainda não se parecia com o Casino que é hoje. No caso da Bolsa de Lisboa, esta cumpria o mesmo objectivo da banca em geral: captação da poupança para o investimento nas empresas cotadas. O valor das acções não dependia da "roleta russa" do Capital Especulativo, mas da saúde económica das empresas cotadas, ainda que sujeito à lei de oferta e procura. As acções tinham valor intrínseco e não virtual, como hoje. Como também a moeda tinha de facto poder de compra e representação física, ou seja, não estava ao alcance de um simples clic e nem se podia multiplicar electronicamente... como ousam hoje fazer os "fazedores de dinheiro" nas principais praças do Sistema Financeiro Internacional.

O tempo avançou e a Globalização Económica chegou também a Portugal. Chegou como uma moda irresistível, apresentando-se como um encantamento de sereia ao navegante perdido no mar... Os malefícios foram escondidos e só se exaltaram as vantagens... Desde logo os nossos globalistas anunciaram que a adesão à CEE (Comunidade Económica Europeia) era a prioridade das prioridades, um imperativo nacional de vida ou morte, indispensável para a salvação do país. Lá entrámos na Europa dos Grandes, felizes e contentes, acríticos, sem qualquer escrutínio popular, não fosse o povo estragar o negócio, e começou o forrobodó dos Fundos ditos Estruturais, que não foram mais que instrumentos de um vasto plano para desconstruir o que restava da nossa Economia, favorecendo sobretudo os mercados externos.

É preciso no entanto que se diga que a desconstrução da Economia Nacional se tinha iniciado antes. Primeiro trataram de nos afastar dos mercados ultramarinos, por efeito de uma entrega atrabiliária das Colónias aos movimentos rebeldes e em segundo, com a fúria reivindicativa pós a "Revolução dos Cravos", que contribuiu para a fuga de capitais e de cérebros. Em ambos os casos "a mão invisível" do Capitalismo Internacional manobrou através de forças políticas que historicamente gritam contra o Capital, mas fazem-lhe a vénia por trás do pano... Depois do descalabro revolucionário, veio o dinheiro a rodos sob a batuta de Bruxelas, mas, como água, foi praticamente todo para o ralo... Perdeu-se no labirinto da corrupção tecnocrata, graças à esperteza saloia de certa elite nacional, mais dada a olhar para o seu umbigo que para o país real... Houve quem chamasse a atenção, que haveríamos de pagar tanta fartura com língua de pau... Quem se atreveu a fazê-lo foi quase incinerado na praça pública... No mínimo foi acusado de "Velho do Restelo" ou de "Profeta da Desgraça" e mandado calar.

Na esteira da desconstrução económica, que visou sobretudo criar condições de dependência financeira e económica do país em relação aos grandes Centros do Capital Internacional, surgiram dois instrumentos pretensamente estimuladores da Economia Nacional, porém nocivos aos bolsos do Zé: a abertura da Bolsa de Lisboa e o acesso fácil ao crédito para consumo. O primeiro foi lançado pelo então 1º. Ministro, Dr. Cavaco Silva, o tecnocrata económico que até hoje se reclama não ser político (!!!). O segundo, coube ao Eng.º. António Guterres, sucessor daquele, um homem com ar de aluno brilhante, mas que não tem um bom relacionamento com a matemática...

Cavaco Silva não fez por menos... Anunciou para quem quis ouvir que estava aberta a porta ao "Capitalismo Popular", uma moda redentora, implementada no Reino Unido pela sua amiga Margaret Thatcher, que por essa altura já fazia o delírio das hostes endinheiradas da City de Londres, com as suas reformas copiadas do catecismo Neoliberal. Com tal capitalismo, estava criada a ilusão de que os mercados financeiros são também acessíveis ao trabalhador... Mesmo desempregado, mas com algumas economiazitas podia também ser milionário e de um dia para o outro...

O Zé de repente viu o furo e tentou a sorte... Então foi a loucura! Houve de facto quem ficasse rico da noite para o dia, graças a um amiguinho político bem informado sobre os bastidores da Bolsa, mas muitos outros ficaram a ver navios... Pudera! Para que uns poucos ganhem, muitos têm que perder... Não é essa a regra de ouro do Capitalismo Selvagem? Muitos perderam o que tinham e o que não tinham... ou que tiveram que tomar emprestado. Os bancos nessa ocasião até se tornaram generosos... Ofereciam aos seus clientes crédito para a compra de acções. Não foi preciso muito tempo para se perceber que afinal o tal de "capitalismo dos pobres" foi um engodo bem urdido para permitir receitas em dinheiro vivo às empresas cotadas, consumindo assim muitas pequenas poupanças criadas pelo Trabalho e não pelo Capital especulativo. Entretanto, do dinheiro arrecadado não se viu investimento reprodutivo digno desse nome... 

António Guterres, por sua vez, abriu as portas ao consumo massificado e desbragado, na tentativa de fazer crescer a nossa débil economia, na época já muito dependente do humor dos nossos parceiros ricos da União Europeia. Seguiu nesta matéria outra moda importada. Desta feita, do seu amigo americano Bill Clinton, que se lembrou, nos States, de abrir o crédito imobiliário aos cidadãos de fracos recursos para aquecer a Economia. Aqueceu tanto que estamos ainda a tratar das queimaduras... A partir daí, qualquer bicho careta podia se tornar proprietário de uma mansão...e até, mediador imobiliário, se apostasse no negócio das hipotecas, deliberadamente inflacionadas pela valorização artificial do mercado imobiliário. Isto num país em que o nível de vida dos trabalhadores estagnara quase ao nível do fim da II Guerra.

O "sonho americano" foi então tentado em Portugal... De repente, o promitente consumidor português descobriu que podia ter tudo o que o rico tem, mesmo sendo pobretanas... e toca a endividar-se. Não tinha dinheiro, mas os bancos emprestavam-no sem pestanejar... ainda por cima numa moeda sobrevalorizada, o Euro, outro engano, para inglês ver... facto que agravou a nossa Balança de Pagamentos, pois houve um aumento das importações de bens de consumo, criando um défice monetário. Quem afinal Guterres serviu? Não foi certamente o país.

Claro que a febre bolsista do Cavaquismo e o consumo desbragado do Guterrismo só podia ter dado no que deu... Os outros que se seguiram, Durão Barroso, o tal da "tanga", e José Sócrates, o bom falante com nariz de Pinóquio, mais não fizeram que continuar a saga da desconstrução económica do país. Contudo não deixaram de salvaguardar os interesses da banca e das grandes empresas, onde por sinal se acantonam os "Jobs Boys" do Centrão Político, que representam... pois claro! O país no seu conjunto que se lixe e o Zé que pague a conta no fim...

Pena é que o Zé não perceba patavina de Economia, porque se percebesse iria compreender que sempre foi e será peão do jogo político dos grandes interesses internacionais. As ilusões que lhe têm sido vendidas apenas servem para adiar a sua revolta, que e é o grande receio da "nomenclatura doméstica" e da Elite Global. Julga ser jogador, no grande Casino do Capitalismo Global, mas não passa de um peão que é sacrificado sempre que a rainha está ameaçada de cheque mate... O jogo em que o meteram tem as cartas marcadas, ou seja, os ganhadores e perdedores estão antecipadamente escolhidos. O papel dele é o de inexorável perdedor... E, tanto mais o será, quanto mais se deixar iludir com as promessas da Globalização Económica, cujo objectivo final é de o reduzir à condição de escravo inútil. Até quando iremos ter tão vil engano?

Artur Teixeira

Ponta Delgada, 02 de Dezembro de 2010

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey