O Autoengano e a Economia

Alguns dos títulos de livros de autoajuda disponíveis nas prateleiras das livrarias brasileiras, dentre outros, são: “Quem pensa enriquece”; “10 respostas que vão mudar sua vida”; “Mentes brilhantes, mentes treinadas”; “Como fazer os deuses trabalharem para você”.

Hugo Eduardo Meza Pinto (*)

Marcus Eduardo de Oliveira (**)

Alguns dos títulos de livros de autoajuda disponíveis nas prateleiras das livrarias brasileiras, dentre outros, são: “Quem pensa enriquece”; “10 respostas que vão mudar sua vida”; “Mentes brilhantes, mentes treinadas”; “Como fazer os deuses trabalharem para você”.

Todos esses títulos, e mais um monte deles, classificados como de autoajuda, objetivam encorajar as pessoas a acreditarem que podem cumprir seus objetivos, que são capazes e que, cedo ou tarde, vencerão num mundo cada vez mais marcado pela dinâmica da competição e do “salve-se quem puder”.

Dados da Câmara Brasileira de Livros, corroborado pelas listas de livros mais vendidos divulgados em jornais e revistas de grande circulação nacional, mostram, nos últimos anos, um crescimento exponencial desse tipo de literatura no país, o que indica, certamente, que cada vez mais, as pessoas perseguem seus objetivos coadjuvados por elementos motivacionais. A lista desses títulos, reiteramos, é extensa e seus autores estão mais populares a cada dia. Desse modo, isso nos permite fazer algumas considerações pertinentes, uma vez que a palavra-chave, neste tipo de literatura é motivação.

O termo motivação deriva do latim movere, que significa mover, perseguir objetivos. É mais ou menos isso que os livros acima citados pretendem fazer: mexer com os ânimos internos de tal forma que possam viabilizar ou, pelo menos, estimular a tentativa de levar cada um ao objetivo final, qual seja: conseguir os resultados esperados.

Ao se valer deste tipo específico de literatura, procurando ajuda externa para animar a vontade interior, reside, todavia, uma pergunta que nos leva à reflexão e que permite, por conseguinte, alguns desdobramentos: isso seria um ato de autoajuda ou de autoengano?

O biólogo Robert Trivers, considerado o principal expoente da Psicologia Evolutiva, defende que os humanos evoluíram para acreditar em mentiras que os façam se sentir melhores e que justifiquem, doravante, suas atitudes. Nessa mesma linha de raciocínio, o economista brasileiro Eduardo Giannetti da Fonseca escreveu uma obra precisamente com um título bem provocador: “Autoengano”.

Na obra, Giannetti discute a possibilidade de que nós humanos estejamos seriamente enganados sobre nós mesmos e sobre crenças, paixões e valores que nos governam. Estaríamos, na opinião desse autor, numa espécie de completo autoengano – por vezes, sem mesmo nos darmos conta disso. Este autoengano seria, portanto, mais complexo e perfeito, quanto menos for um ato planejado ou voluntário, daí a necessidade de se ter elementos internos e externos para poder contribuir para a obtenção dos resultados.

Assim sendo, a autoajuda seria o processo pelo qual os seres humanos se predispõem (na verdade, se autoenganam) a receber estímulos internos e externos para conseguir atingir objetivos pré-determinados. Aparentemente, haveria um complô estabelecido por nós mesmos que muitas vezes seria coadjuvado por elementos externos (é neste ponto que a literatura de autoajuda se encaixa e faz relativo sucesso, explorando um nicho em nosso comportamento, pois percebe a existência de certa “fraqueza” em nossas atitudes comportamentais) em procura de resultados esperados.

Conquanto, mesmo que sejam temporários (e na maioria de vezes de fato são), estes resultados causariam sensações de bem-estar compartilhado. Portanto, a motivação (o mover-se, ainda que de forma individual) seria uma atitude oportunista do ser humano cujo resultado aponta o dedo em riste para a sensação de vida melhor - uma espécie de realização hedonista preconizada pelos clássicos gregos da Filosofia.

Na esteira destes comentários, é oportuno lembrar que no século XIX, o economista e filósofo moral escocês Adam Smith (1723-1790) escreveu “Teoria dos Sentimentos Morais”, por sinal, seu primeiro livro publicado em 1759, apontando que “os seres humanos são entes racionais que sempre perseguem seu autointeresse. Porém, mesmo seguindo esse interesse próprio, a racionalidade humana, se tiver liberdade para ser expressa e praticada, levaria ao progresso da sociedade”.

Segundo Smith, o mercador ou comerciante, por exemplo, movido apenas pelo seu próprio interesse egoísta (self-interest), é levado por uma mão invisível a promover algo que nunca fez parte do interesse dele: o bem-estar da sociedade.

Interpretando o ponto de vista de Smith é perfeitamente possível ter equilíbrio econômico sendo egoísta e se autoenganando. Nisso não reside nenhum conflito, em nosso entendimento. Nessa mesma ótica, o economista canadense radicado nos EUA, John Kenneth Galbraith (1908-2006) afirma que “os seres humanos, em contraste com as máquinas, avaliam suas próprias posições em relação ao valor de outras e passam a aceitar os objetivos dos outros como os seus, ou seja, um autoengano coletivo com benefício comum”.

É mister reiterar, por outro lado, que a teoria econômica também mostra (e não mascara) as limitações do ser humano. Wiliam StanleyJevons (1835-1882), economista que se especializou em estudar filosofia e moral, menciona esta temática quando trata de dois dos sentimentos específicos: prazer e sofrimento. Estes seriam como variáveis opostas que devem ser somadas para obter uma espécie de saldo de bem-estar. Uma vez mais, temos aqui a conotação de que a teoria econômica faz uso do cabedal filosófico para expor seus argumentos. Dor e prazer seriam as duas sensações a que o Homem, do passado e dos dias hodiernos esteve, está e estará sempre exposto. Para alcançar a felicidade procura-se, grosso modo, evitar a primeira e realizar-se plenamente na segunda. Não por acaso, os escritos dos economistas utilitaristas, dentre eles Jeremy Benthan (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), afiançam esses princípios.

Voltando a Jevons, temos que, o homem nunca está feliz, mas sempre está para ser feliz, e é por esse desafio que é levado a, frequentemente, tomar uma série de decisões ou escolhas dentro de um contexto de pura racionalidade limitada (poucas informações, políticas tendenciosas, etc.).

Nesse pormenor, o processo de escolha, enaltecido por Jevons, seria o objetivo de análise mais considerável do universo da ciência econômica, ainda que paire discordância sobre isso.

No entanto, tudo depende, em termos econômicos, das boas escolhas, nos diz o economista liberal francês Guy Sorman. Essas escolhas, feitas por nós, carregam consigo o postulado defendido com unhas e dentes pela Escola Austríaca de economia, também de cunho liberal, qual seja: é a ação humana que aponta para a capacidade de fazer uma economia prosperar.

Nesse sentido, entendemos que a ação humana é movida pelas ideias que nos levam, na ponta final do processo, às escolhas. Reiteramos, todavia, o cuidado para não confundir ideias com capital humano. As ideias existem em função do capital humano. No entanto, elas somente, isoladas e não levadas a bom termo, não servem para nada. O que nos faz avançar são nossas ações. Leonardo Boff, teólogo brasileiro, a esse respeito é pontual: “Ideias boas podemos até tê-las, mas o que de fato move o mundo são nossas ações”. Reside aí, contudo, o fato de defendermos a inclusão das pessoas no conjunto de operações da economia. Se, de fato, agimos para maximizar nossas vantagens materiais, nada mais justo que inserir e combinar vontades com a participação de cada um. Edmund Phelps, outro nome consagrado da teoria econômica contemporânea reitera que “a boa economia é a que satisfaz a aspiração a uma vida boa”. Isso é, na essência, o que todos buscam ao frequentar o tipo de literatura que mencionamos no início deste artigo; ainda que seja no mais completo autoengano.

Destarte, há algo que ainda precisa ser dito: essa situação deixa o ser humano em situação vulnerável e, muitas vezes, dependente (viciado) de estímulos internos e externos. Esse contexto é aproveitado comercialmente pela prática da autoajuda que cumpre papel similar ao da religião. Neste caso, contudo, o faz fornecendo uma espécie de salvação necessária para minimizar impactos negativos de escolhas (ações) erradas ou para contribuir com a obtenção de resultados (objetivos) propostos. Neste caso, ademais, estamos convencidos que a autoajuda seria, na verdade, um completo autoengano.

Os autores: Economista peruano/brasileiro, Doutor pela Universidade de São Paulo (USP). É Diretor Geral das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba. [email protected]

(**) Economista brasileiro, especialista em Política Internacional e mestre pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de Economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, ambos em São Paulo.

Contato: [email protected]

http://twitter.com/marcuseduoliv

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey