Guerra Fria 2.0, parte I. Psaki tenta defender o indefensável

No Anti-Empire Report do mês passado, falei a vocês sobre a mais recente aventura da porta-voz do Departamento de Estado Jen Psaki em que ela tentou defender o indefensável. Naquela ocasião ela disse que "Por questões de política adotada há muito tempo, os EUA não apoiam transições políticas por vias e meios não constitucionais", o que me levou a informar imediatamente aos meus leitores: "Se vocês sabem como entrar em contato com a Srta. Psaki, mandem que ela examine a lista que publiquei, dos mais de 50 governos que os EUA tentaram derrubar desde o final da 2ª Guerra Mundial, e por meios nada constitucionais."

Dia 13/3, o ataque regular que Psaki move contra tudo que tenha a ver com a Rússia incluía o seguinte diálogo com Matthew Lee, da Associated Press:

Lee: Sobre isso, a senhora tem mais alguma coisa sobre vocês estarem pedindo aos vietnamitas na Baía Cam Ranh, e não permitirem que os russos - e também conseguir que eles não permitam - que aviões russos reabasteçam lá?

Psaki: Bem, só para sermos claros - e talvez ontem eu não tenha sido bem clara, então tento fazer novamente - é que... Nossa preocupação são atividades que eles possam conduzir na região, e a questão é: Por que estão na região? Não se trata especificamentede não reabastecer ou dizer aos vietnamitas que não os autorizem a abastecer [negritos nossos].

Lee: Então não houve pedido para pararem de reabastecer, ou houve?

Psaki: É mais sobre preocupações. Não é tanto sobre o Vietnã, é mais sobre preocupações sobre que atividades estarão ali para cumprir.

Lee: OK, mas... É que há aviões dos EUA sobrevoando aquela região todo o tempo.

Psaki: Claro que sim.

Lee: Então vocês não querem aviões russos sobrevoando por ali, mas tudo bem se os aviões forem norte-americanos? Parece que... O que se vê é que tudo que os russos façam, a qualquer momento, é sempre, de algum modo, ação nefanda, que visa a provocar. Mas a senhora não pode, ou não parece ser capaz de compreender ou aceitar que aviões norte-americanos voando por toda parte, inclusive naquela área, não agradem aos chineses, é claro, mas tampouco agradem aos russos. A sugestão parece ser que voos norte-americanos são bons e benéficos e jamais causarão tensão, e voos de outros povos, eles sim, são ruins e causam tensão. A senhora pode, por favor, explicar que bases há para suas preocupações com os voos russos lá no Sudeste Asiático? Por que eles criam tensões? 

Psaki: Não posso entrar em mais detalhes.

Guerra Fria 2.0, parte II

No sábado, o governo Obama distribuiu séries de imagens de satélites que, dizem eles, mostrariam que o exército russo uniu-se aos rebeldes em assalto de grande escala para cercar soldados na área em torno da cidade. A Rússia negou que esteja envolvida no conflito, e declarou que absolutamente ninguém pode identificar coisa alguma nas três fotos branco&preto e sem definição, colhidas por satélites e postadas no Twitter pelo embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt.

Segundo os EUA, as imagens solicitadas à empresa privada de satélites de comunicação Digital Globe, mostrariam sistemas de artilharia e lançadores de foguetes múltiplos, na 5ª-feira, na área próxima a Debaltseve. "Temos certeza de que aí se veem sistemas militares dos russos, não de separatistas" - Pyatt tuitou (Washington Post, 15/2/2015).

Quando vier o dia de listar os modos como os EUA gradualmente afundaram na areia movediça, convertendo-se lentamente em republiqueta do 3º Mundo, a campanha de Washington de 2014-15 para convencer o mundo de que a Rússia invadiu repetidas vezes a Ucrânia merece aparecer no topo da lista. E há numerosos exemplos como esse. Se eu ainda fosse o nacionalista norte-americano fanatizado que fui criado para ser, acho que me sentiria muito embaraçado ante a obviedade dessas violências 'propagandísticas'.

Para conhecer uma história visual curta do declínio e queda do Império Norte-americano, assistam ao vídeo "Imperial Decay" by Class War Films (8:50 minutos).

Durante a Guerra Fria 1.0, a mídia-empresa norte-americana adorava zombar da imprensa soviética, porque não seguia os lídimos, gloriosos padrões da 'imprensa' ocidental. Um dos motes mais repetidos tinha a ver com dois dos principais jornais russos, Pravda (que significa "verdade" em russo) e Izvestia (que significa "notícia"). Os norte-americanos fomos adestrados, à custa de infindável repetição, para acreditar que "não há verdade no Pravda nem notícia no Izvestia."

Por menos ilusões que eu tenha hoje, depois de tantos anos, quanto ao modo como as grandes mídia-empresas norte-americanas tratam os IOD (Inimigos Oficialmente Designados), a atual cobertura que jornais e jornalistas têm dado à Rússia excede as minhas piores expectativas. É espantoso, é inacreditável, o desinteresse, em jornais, redes de notícias e jornalistas em geral, por manter algum tipo de objetividade ou de equilíbrio em tudo que tenha a ver com a Rússia. Talvez o exemplo mais importante desse viés seja a absoluta ausência de qualquer notícia ou comentário que ajude o público a recordar que os EUA e a OTAN cercaram a Rússia - o golpe de Washington na Ucrânia é o mais recente movimento desse cerco -, e que Moscou, como é óbvio e normal, sentiu-se ameaçada por esse movimento. (Procure na Internet o mapa online das bases da OTAN em torno da Rússia, com a seguinte legenda: "Por que vocês meteram o país de vocês bem no meio das nossas bases?")

Guerra Fria 2.0, parte III

Depois do assassinato de um membro da oposição russa e ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov em Moscou, dia 27 de fevereiro, o ocidente viveu tempos de excitação máxima. Com acusações que iam de cumplicidade no assassinato, até autoria pessoal do crime, a mídia-empresa e políticos norte-americanos não perderam nenhuma ocasião de tratar Vladimir Putin como se fosse saco de pancadas.

O Parlamento Europeu aprovou resolução exigindo investigação por comissão internacional, da morte de Nemtsov, e sugeriu que a Organização para Segurança e Cooperação da Europa (OSCE), o Conselho Europeu e a ONU participassem da investigação.

Senadores dos EUA John McCain e Lindsey Graham apresentaram projeto de resolução do Senado para condenar o assassinato de Nemtsov. A Resolução exigia também que o presidente Obama e a 'comunidade internacional'  conduzissem investigação independente do assassinato e redobrassem os esforços para promover a liberdade de expressão, os direitos humanos e o estado de direito na Rússia. Além disso, conclamava Obama a manter as sanções contra violadores de direitos humanos na Federação Russa e aumentar o apoio dos EUA a ativistas de direitos humanos na Rússia.

E por aí foi, por todo o ocidente.

O problema é que, no mesmo período, na Ucrânia governada pelo oligarca Poroshenko, vassalo dos EUA e fora da região de influência dos combatentes anti-Kiev no sudeste do país, morreram as seguintes pessoas, todas em condições muito suspeitas:[1]

  • 29/1/2015:Ex-governador da região da Carcóvia, Alexey Kolesnik, por suicídio (enforcou-se).
  • 24/2/2015:Stanislav Melnik, membro do partido da oposição, à bala (suicidou-se).
  • 25/2/2015:O prefeito de Melitopol, Sergey Valter, suicidou-se horas antes do início de seu julgamento (enforcou-se).
  • 26/2/2015:Alexander Bordiuga, vice-diretor da Polícia de Melitopol, encontrado morto na garagem de sua casa.
  • 26/2/2015:Alexander Peklushenko, ex-deputado do Parlamento ucraniano e ex-prefeito de Zaporizhi, encontrado morto (a tiros).
  • 28/2/2015:Mikhail Chechetov, ex-deputado do Parlamento ucraniano, membro do partido de oposição (Partia Regionov), "caiu" da janela de seu apartamento, no 17º andar, em Kiev.
  • 14/3/2015:Promotor de Odessa, 32 anos, Sergey Melnichuk, "caiu" de uma janela no 9º andar.


Partia Regionov acusou diretamente o governo ucraniano das mortes de seus membros, e apelou ao ocidente para que reagisse contra aquelas mortes. "Apelamos à União Europeia, à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [orig. PACE (Parliamentary Assembly of the Council of Europe), e a organizações europeias e internacionais de direitos humanos para que reajam contra a situação na Ucrânia e cuidem de fazer uma avaliação das ações criminosas que estão sendo cometidas pelo governo de Kiev, que está assassinando seus opositores políticos."

Não se pode, evidentemente, a partir desses dados, concluir que o governo da Ucrânia seja responsável por todas, nem por algumas, nem, sequer, por uma única dessas mortes. Mas tampouco se pode concluir que o governo russo teria sido responsável pela morte de Boris Nemtsov, por mais que senadores e jornalistas e veículos da mídia-empresa norte-americana repitam que o assassino teria sido Putin em pessoa. Busca no gigantesco banco de dados Nexus, não encontrou qualquer menção àqueles ucranianos mortos, exceto a um Sergey Melnichuk, mas bem evidentemente se trata de outra pessoa. Parece assim que nenhuma das mortes acima listadas foi atribuída ao governo ucraniano aliado de Washington.

Onde estão as 'exigências' de que se façam investigações internacionais sobre qualquer das mortes da lista acima? Os EUA não se preocupam com direitos humanos? Nem os europeus? Onde está o senador McCain?!

Sanções como instrumento de tortura 

As discussões sobre limitar o programa nuclear do Irã já se arrastaram por mais de um ano entre o Irã e o P5+1 (as cinco potências nucleares do Conselho de Segurança da ONU, plus Alemanha), lideradas pelos EUA. Ao longo desse período, obstáculo considerável na trilha de construir-se um acordo sempre foram os pronunciamentos de Yukiya Amano, diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A AIEA é o braço de inspeção nuclear da ONU, e suas inspeções são consideradas a principal salvaguarda para impedir que países que usem tecnologia nuclear para finalidades civis passem a usá-la para produzir armas. Amano nunca se cansa de repetir que o Irã não tem respondido plena e substancialmente às perguntas sobre "possíveis dimensões militares" das atividades nucleares atuais e passadas, nem tem permitido acesso considerado suficiente a instalações nucleares.

Dado que a AIEA jamais se declara satisfeita com o que o Irã diz ou faz, os esforços iranianos para levantar as terríveis sanções que pesam contra o país, que impedem empresas estrangeiras de negociar com os iranianos e negam acesso ao Irã ao sistema financeiro global. A cobertura que a mídia-empresa dá às negociações nunca se cansa de repetir o que Amano diz; e Amano sempre diz que as respostas do Irã a demandas da AIEA são insuficientes. É hora, pois, de saber um pouco mais sobre quem é esse Amano.

O diplomata japonês Yukiya Amano tornou diretor da AIEA em 2009. O que jamais se lê na mídia empresa ocidental é informação que WikiLeaks tornou pública em 2010, num telegrama da Embaixada dos EUA de outubro de 2009: ali se lia que Amano "não mediu sacrifícios para enfatizar, na presença da Agência, seu apoio aos objetivos estratégicos dos EUA. Amano recordou várias vezes aos embaixador [norte-americano] que (...)  sempre se postara ao lado dos EUA em todas as decisões estratégicas, desde a indicação de pessoal de alto nível até o tratamento dado ao suposto programa de armas atômicas do Irã."

Ainda que o Irã faça algum supremo esforço para satisfazer as demandas da AIEA e de Washington em todas os pontos, nada jamais garantirá o momento em que as sanções serão levantadas e em que proporção serão levantadas, sobretudo em momento em que o Congresso está controlado pelos Republicanos. O jornalista e autor especialista em Irã, Gareth Porter, escreveu recentemente que "os EUA e seus aliados não fazem qualquer esforço para esconder o fato de que manterão sem alteração a "arquitetura das sanções" ainda por muitos anos depois de o acordo começar a ser implantado. Em novembro passado, funcionário do governo Obama explicaram que as sanções dos EUA só serão removidas depois de a Agência Internacional de Energia Atômica ter comprovado que "Teerã está efetivamente cumprindo o acordo, considerado um período prolongado de tempo", para assim preservar para os EUA a "capacidade de alavancagem sobre o Irã, para obrigar o país a honrar o acordo."

Pressão e extorsão dos EUA

Para avaliar o grau extraordinário de pressão e extorsão que os EUA podem impor a outros países, deve-se relembrar o caso da Líbia durante a década que se seguiu à destruição do voo 103 da PanAm, em 1988, sobre a Escócia. Para obrigar a Líbia a "assumir a responsabilidade" pelo crime, Washington impôs sanções pesadas ao regime de Gaddafi, inclusive a proibição de voos internacionais para a Líbia e pagamento de bilhões de dólares às famílias das vítimas. A Líbia acabou por "assumir a responsabilidade" pelo crime, apesar de ser inocente. Por mais difícil que seja acreditar, é a única e pura verdade: escrevi detalhadamente sobre esse caso. 

Mesmo depois de a Líbia ter aceito a responsabilidade, ainda se passaram anos até que os EUA levantassem as sanções, e não se sabe até hoje se, quando Gaddafi foi assassinado em 2011, todas as sanções haviam sido realmente levantadas. Quando acontece de um país ser 'nomeado' Inimigo Oficialmente Designado (IOD) do império, os métodos de tortura podem ser terríveis e sem fim. Atualmente, Cuba está negociando o fim de sanções que os EUA impuseram a Havana. E os cubanos têm de ser extremamente cuidadosos.

"Como outros da laia dele - como David Horowitz e Christopher Hitchens - esse também aprendeu demais na Universidade, e muito pouco desde então" (Sam Smith).

Jamais me deixei impressionar muito pela universidade onde um ou outro esteve, ou se frequentaram o ginásio, ou não. Gore Vidal nunca estudou em universidade alguma, nem H. L. Mencken; nem Edward Snowden, que demonstrou ter mente altamente articulada e educada. Dentre muitos outros notáveis que passaram longe da educação acadêmica estão George Bernard Shaw, Ernest Hemingway e Johann Wolfgang von Goethe.

Por sua vez, há graduados das universidade da super elite nos EUA ("universidades da Ivy League") que atendem pelos nomes de George W. Bush, Barack Obama e Tom Cotton. Nem preciso falar do problema da mente absolutamente infraeducada de Bush; todos, nesse país conhecemos de sobra essa belezura. Quanto a Obama, já por inúmeras vezes empatou em estupidez e imbecilismo com Bush, quando não o superou. O evento de estupidez e imbecilismo de Obama que, para mim, é insuperável - e que já se repetiu pelo menos em cinco ocasiões -, é a resposta que Obama dá sempre que alguém lhe pergunta por que seu governo não processou Bush, Cheney et al. por tortura e outros crimes de guerra: "Prefiro olhar para frente, não para trás". Imaginem algum réu, diante do juiz, pedindo para não ser julgado e ser declarado inocente, porque não gosta de olhar para trás, só para a frente." Para Obama, 'especialista' em Direito Constitucional, estariam extintos todos os crimes passados e só se julgariam... crimes futuros?! Imaginem Chelsea Manning e outros cidadãos-sentinelas, que nos alertaram para tantos crimes, declarando que são inocentes porque não gostam de olhar para trás, só para a frente? Imaginem a reação que viria de Barack Obama - precisamente o homem que se converteu em maior perseguidor de cidadãos-sentinelas que divulgam fatos verdadeiros, em toda a história dos EUA! 

Ainda resta alguém que creia que Barack Obama seria alguma espécie de 'melhoria' em relação a George W. Bush? Provavelmente há dois tipos de gente que, sim, veem Obama como 'melhor' que Bush: (1) todos aqueles para quem a cor da pele faz enorme diferença para tudo: e (2) os tolos esnobes que se deixam embasbacar pela habilidade para dizer duas frases gramaticalmente corretas em sequência.

E agora apareceu o tal Mr. Cotton, senador pelo Arkansas e aluno de Harvard na pré-graduação e na Faculdade de Direito. O homem permanecerá aí, a nos entreter com pérolas como o que disse em "Face the Nation" (15/3): "Principalmente, temos de nos opor às tentativas do Irã para alcançar dominação regional. Já controlam Teerã! Logo controlarão Damasco, Beirute e Bagdá. E agora, querem também Sana." 

Santo Deus! O Irã controla Teerã! Quem diria?! Semana que vem, o homem informará que a Rússia controla Moscou. Sarah Palin, caia fora! Nosso Cotton boy está prontinho para Saturday Night Live. *************

2/4/2015, William Blum, The Anti-Empire Report #138

http://williamblum.org/aer/read/138

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey