Historicamente, no Brasil, os grandes fazendeiros sempre tiveram uma noção absoluta do direito de propriedade, ao mesmo tempo em que também consideraram o Estado como instância para assegurar seus interesses e garantir seus ganhos.
Esta concepção privatista de duas faces, que abolutiza o direito de propriedade e privatiza o Estado, transparece com clareza no documento que a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), divulgou dia 25/3, com suas pretensões a serem encaminhadas aos candidatos a presidente da República, a governadores e ao Congresso Nacional.
São propostas óbvias, vindas da organização que articula os grandes latifundiários brasileiros. Em defesa do direito absoluto de propriedade, querem garantias contra ocupações de terras promovidas pelos lutadores pela reforma agrária e condenam a publicação e edição de normas que ferem o direito de propriedade, cuja garantia absoluta é seu cavalo de batalha. Outra reivindicação nessa linha é a revisão da Norma Regulamentadora (NR) 31, de 2005, que estabelece as obrigações dos fazendeiros em relação à saúde e segurança do trabalho. O descumprimento desta norma é um dos critérios que caracteriza a exploração do trabalho escravo pelos grandes proprietários rurais, tornando-a inaceitável para estes setores acostumados, desde os tempos da escravidão, a explorar livremente trabalhadores pessimamente pagos, mal alimentados e alojados e com condições de precárias, insalubres e inseguras.
Quando se trata da intervenção do Estado (dos cofres públicos, mais exatamente) em seu favor, querem uma política agrícola que assegure a renda do produtor rural e evite a oscilação de preços, além da desoneração tributária das cadeias produtivas cadeias que envolvem desde a lavoura, o processamento da produção por empresas gigantes (como o conglomerado Sadia/Perdigão, por exemplo), até as gôndolas dos supermercados. O documento da CNA não deixa claro se quer cortar impostos apenas dos plantadores ou de todos os setores que fazem os elos entre eles e os consumidores.
A CNA compõe, juntamente com as federações estaduais da indústria (como a mais poderosa delas, a FIESP), a Confederação Nacional da Indústria e a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), a cúpula que articula as classes proprietárias brasileiras. A CNA reúne os setores mais retrógrados e atrasados, com privilégios enraizados no passado colonial e escravista que atravessaram incólumes todo o período republicano. E que, mesmo tendo passado pela modernização conservadora que transformou latifúndios em grandes empresas agrícolas capitalistas, continuam se beneficiando da blindagem do monopólio da posse da terra e da exploração do trabalho que, em pleno século 21, passa frequentemente ao largo da legislação trabalhista e dos direitos dos trabalhadores. É o setor que dirige e organiza a resistência contra a reforma agrária que o país e o povo necessitam, aliados principalmente a setores financeiros com interesses na propriedade privada da terra.
Muitas das reivindicações dos produtores rurais são necessárias, principalmente para os pequenos e médios produtores e para a segurança alimentar dos brasileiros.
Mas em seu programa a CNA confunde, interessadamente, as pretensões do latifúndio com as necessidades de pequenos e médios produtores rurais, entre eles os milhões de lavradores da pequena agricultura familiar, que os grandes fazendeiros procuram transformar em base social para seu próprio programa e defesa de seus interesses.Um programa de governo avançado, no setor rural, precisa levar em conta a diversidade da realidade social no campo e, antes de tudo, promover uma ampla reforma agrária. Estender a legislação trabalhista, ambiental e fiscal aos grandes latifundiários; proteger os pequenos com uma legislação ambiental específica que leve em conta suas particularidades e com medidas fiscais para assegurar a produção e sua remuneração. Promover o caráter social da propriedade, de acordo com a Constituição de 1988, e ampliá-lo incorporando o conceito de caráter ambiental da propriedade rural.
O documento da CNA mostra que os grandes proprietários não querem isso. Mas estas são as necessidades que o Brasil, o povo brasileiro e os pequenos e médios produtores rurais podem considerar prioritárias e que, ao contrário do que aquele documento pretende, precisam ser asseguradas e aprofundadas.
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vermelho.org
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