Quando criança, me ensinaram que havia os países ricos e os países pobres. Me falaram que havia até uma classificação para isso. Assim, os países ricos seriam o Primeiro Mundo, e os pobres o Terceiro Mundo.
O planeta era mais simples desse jeito: havia os pobres e os ricos. Os países ricos eram aqueles que tinham alcançado altos níveis de desenvolvimento graças a maciços investimentos em educação, saúde e infraestrutura. Os outros países, por não terem tido condições de implementar tais políticas, acabaram pobres. Simples, não?
E eis que, dia desses, percorrendo as últimas estatísticas sobre o nosso mundo, percebi que a verdade é bem mais complexa. Comecei pelos Estados Unidos da América, pátria do capitalismo e maior potência militar do planeta. Lá, imaginem só, nada menos que 42 milhões de pessoas dependem de ajuda governamental para se alimentar decentemente e um em cada sete habitantes vive na pobreza. Tradução: o capitalismo selvagem deu errado.
Na requintada Bélgica, 350 mil crianças vivem na mais negra miséria, em meio ao 1,5 milhão de pobres que habitam as periferias de suas cidades tão elegantes. No Reino Unido, objeto de tanto fascínio pela periferia subdesenvolvida, uma em cada cinco crianças é pobre - mesma situação de 20% da população. Li que os níveis de miséria e desigualdade já se avizinham aos da Era Vitoriana!
Na Bulgária, 21% dos habitantes padecem sob inéditos níveis de pobreza. Lá, uma a cada três pessoas tem dificuldade em alimentar-se adequadamente, e uma em cada cinco não consegue adquirir medicamentos. Em Portugal, 27% da população simplesmente não têm o que comer um dia por mês, e 600 mil idosos estão sofrendo de desnutrição. Na Itália, são 3,8 milhões de semelhantes nossos vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta. Na França, 250 mil pessoas sequer lugar para morar tem.
Resumo da ópera: na rica Europa, sonho de tantos, 84 milhões de pessoas vivem na pobreza e até mesmo abaixo dela. Ou seja, o "Estado de Bem-Estar Social" também não funcionou. Deu errado. Empacou.
Fui buscar no Oriente outros sistemas. Comecei pela China - para constatar que 150 milhões de habitantes daquele país são pobres. Só na rica Hong Kong 1,26 milhão de pessoas estão abaixo dos níveis de pobreza absoluta, eufemismo para "miséria". Ali pertinho, no Japão, a pobreza afeta incríveis 15,7% da população. Na despovoada Austrália, descobri 2 milhões de miseráveis. E nem a Nova Zelândia escapou: 25% de suas crianças vivem sob o signo da pobreza.
Pesquisei outros países. Em Israel, um em cada quatro habitantes acha-se abaixo da linha da pobreza. Na Índia, são inacreditáveis 410 milhões de seres humanos nesta situação. Pelo planeta afora, 80% das pessoas não tem acesso a nenhum sistema de proteção social, e 19% da humanidade sobrevivem aos trancos e barrancos com menos de US$ 1 por dia.
Curioso, isso: diante de tanta fome e miséria, dá para perceber que todos os sistemas idealizados pela humanidade deram errado. Por que será? Eis algo que me traz à memória uma interessante frase de Millôr Fernandes: "o capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O socialismo é o contrário".
PEDRO VALLS FEU ROSA é desembargador do Poder Judiciário Brasileiro, presidente do Tribunal Eleitoral do Estado do Espírito Santo.
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