Literatura baiana indo em frente
Jolivaldo Freitas
Para surpresa dos seus organizadores o sucesso foi muito mais do que esperado durante a realização do Festival Literário Nacional (Flin), produzido pela Fundação Pedro Calmon (FPC/SecultBA), num dos bairros mais populares de Salvador. Os moradores, notadamente os jovens periféricos, participaram aos magotes dos diálogos sobre educação e arte, novas formas de leitura e suas transformações no mundo. O evento foi dentro de um ginásio poliesportivo, na primeira semana de junho. Vale destacar uma fala do presidente da FPC, Zulu Araújo: “Aqui tem pluralidade”.
E pluralidade é o que vejo em minhas últimas leituras e que valem destacar. Li de Antônio Francisco Costa o livro “O Casarão do sorvete”, em que mostra a saga de um empreendedor ao resgatar um dos casarões mais icônicos da Bahia que é o Solar Amado Bahia. O homem deu nome ao mais que centenário solar nasceu em família muito pobre e se transformou, com muito trabalho, num dos mais icos do país. O livro retrata não somente essa questão, mas revela o que foi feito pelo novo empreendedor, que reformou a casa abandonada e que é um verdadeiro palácio com 52 aposentos, prédio em arquitetura mourisca, coma algo indiano e coisas neoclássicas em seu interior, numa espécie de museu do sorvete. A casa em que o comendador Amado Bahia decorou em 1904, quando da sua inauguração com tapetes persas, mármore se carrara, lustres europeus e tintas especiais e que recebia convidados em seus salões para jantares com louças e talheres franceses, é hoje um acervo histórico e comércio de sorvetes especiais. O autor do livro descreve com detalhes a saga do casarão e das pessoas envolvidas em sua história, indo de Amado Bahia a Natanael da Silva Couto. Obra histórica de qualidade. Crônica linear. Gostosa como sorvete de graviola.
Essa é outra obra que desde 2007 estava em minha cabeceira esperando vez para ser lida. Foi um amigo que deu. Livro de escrita, psicologia e desenvolvimentos feitos por gente grande como é o respeitado escritor Aurélio Schommer, onde a trama envolvente tece uma teia de personagens com molduras e fenômenos entrelaçados e que mostram a realidade premente em nossa política e na sociedade como um todo. Tem corrupção. Famílias desordenadas e notadamente muita paixão. Livro narrado na difícil fórmula da primeira pessoa, mas que o autor o faz com maestria. Um sopro de inteligência. Obra cabra da peste.
Gilfrancisco sempre foi um excelente articulista e memorialista – cheguei a publicar vários dos seus escritos quando fui editor de Cultura de um jornal baiano – tanto que hoje é dos mais destacados membros da cultura baiana e da sergipana, vez que recentemente recebeu comenda de doutor da Universidade Federal de Sergipe. Pois, caiu em minhas mãos o seu livro cujo título é este que vem como subtítulo dessa resenha. Imagine que é um livro escrito como se fosse uma bela, ampla e profunda reportagem em que revela o que ocorreu ao longo dos tempos em regiões como Kosovo, Rússia, Palestina, Sérvia, Líbia e até na Ilha de Páscoa. Muita história, muita informação em rimo contagiante. E pasme, foi obra lançada antes da Guerra da Ucrânia, mas já falava, isso em 2021 de guerras na Ucrânia. O livro, com isso, está mais que atualizado. Gilfrancisco acertando na mosca seu obus bem direcionado.
Pois essas obras citadas e brevemente delineadas fazem parte de um processo de revitalização e fortalecimento da literatura baiana e eu poderia citar vários outros autores que vêm colocando suas obras no mercado, mesmo com a triste realidade de termos em Salvador uma carência inominável de livrarias e de locais para lançamento de livros e também, notadamente, a falta de editoras que levem os trabalhos literários além das fronteiras da velha capital brasileira. Trata-se até de uma questão de resistência nesta terra que deu Jorge Amado, Antônio Torres, Ruy Barbosa e tantos outros, sem esquecer, é claro, do escritor Joaci Góes. São vários. São tantos. Felizmente.
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Escritor, jornalista e publicitário. Email: [email protected]
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