Nossa geração falhou

Para os que estão em posições de controle simbólico ou real, aqueles como eu na casa dos cinqüenta ou sessenta anos, os eventos de hoje nos mostram claramente que colectivamente não aproveitamos o que herdámos, ou seja, um sistema de assistência social que presta serviços públicos, e que aquilo que nós deixamos aos nossos filhos é uma espiral descendente de deterioração, de miséria abjeta para @ filh@ “médi@” de 21 anos de idade, sem perspectivas de emprego, sem hipótese de comprar sua casa, sem futuro e quase sem vida. Criámos a geração dos 500 dólares.

Eu uso a expressão "500 dólares" tentando cobrir todos os continentes, ciente do fato de que, embora esta quantia possa ser considerada uma fortuna em alguns países, é uma ninharia nos E.U.A. e na maioria da UE, (e é também um realidade crescente em todos os países onde anteriormente 500 USD seria uma fortuna), enquanto o castelo de cartas do sistema monetarista capitalista baseado no Paraíso econômico do mercado virtual, desaba à nossa volta, levando consigo os serviços públicos com que crescemos e nos quais viemos a confiar e depender.


Junto com esta Nirvana alimentada por Milton Friedman, Margaret Thatcher et alia, vieram clichés de gestão como terceirização, downsizing, investimento através das dispensas (Lay-off), privatizações. A questão de fundo que soletram é “miséria”.


O sistema socialista criado e exportado pela União Soviética de 1920 a 1990 viu gerações de africanos, latino-americanos, europeus e asiáticos desfrutarem de excelentes serviços de educação pública, gratuita e universal e de elevada qualidade, tecnologia de ponta, desenvolvimento industrial, mobilidade social, o direito ao trabalho e ao pleno emprego, o direito a uma casa e serviços públicos de graça ou por uma taxa nominal fixa, o transporte público, as pensões indexadas, os preços baixos, custos de energia subsidiados, atividades culturais, acesso ao esporte e amenidades, a partilha dos recursos entre os beneficiários do experimento internacionalizado.


Os a ngolanos gozaram de padrões educacionais iguais ou superiores aos seus homólogos portugueses, os nigerianos tinham a cobertura da assistência odontológica, Cuba estabeleceu seus sistemas de saúde e ensino excelentes, e enquanto Fidel Castro sobreviveu a quase 700 tentativas de assassinato pela CIA e seus amigos, estudantes de todo o mundo estudaram em Moscovo , de forma gratuita, incluindo muitos do espaço CPLP.


Mesmo do outro lado da Cortina de Ferro, onde as pessoas estavam dizendo que esse sistema era tão ruim, havia também um sistema de previdência razoável, garantindo a prestação de serviços públicos: educação universal, livre; sistema de saúde com acesso universal, gratuito, incluindo assistência odontológica; decentes subvenções sociais, habitação municipal.

Então veio um belo dia na década de 1980, quando uma onda de loucura colectiva varreu o planeta do Ocidente para o Oriente, contrariando todo e qualquer fluxo cultural que havia precedido, viajando na direção oposta. Esta onda foi a primeira da tempestade que estava a desenvolver-se na União Europeia, culminando na panelinha anti-democrática multi-nacional de eurocratas, que serve para criar empregos para os políticos falhados e que serve para destruir as vidas dos cidadãos do Velho Continente. Bruxelas decide agora se você recebe a sua pensão, e é em Bruxelas, em termos práticos, onde se determina quanto o seu Governo vai gastar em saúde. E deixaram que as agências de “ratings” fizessem o resto.

Sim, o modelo socialista estava aberto a ataque depois de décadas de constante ataque da mídia, (tentativas de) assassinato, subversão, pirataria, sabotagem, terrorismo e triliões de dólares gastos por um modelo capitalista controlado por facções de invisíveis por trás das cenas, para quem o modelo socialista era uma ameaça. Suponha, por exemplo, que os recursos de energia universais se tornassem disponíveis, gratuitamente, para os cidadãos do mundo.

Quanto gasta uma família norte-americana ou europeia em energia hoje? Quanto uma família Soviética gastava naquela época? Façam as contas e já tem resposta. Então, acho que sabemos quem sai perdendo. Analisem o acesso aos cuidados de saúde nos E.U.A. hoje e comparem-no com o sistema da Cuba. E façam a sua análise. Na área de educação também.

O sistema socialista também não tinha introduzido medidas suficientemente rigorosas de controle de qualidade como tinham implementado as unidades de produção nos regimes capitalistas, também não tinha introduzido vetores de recompensação pelo esforço humano em escala suficiente para criar uma vontade coletiva para a criação de mobilidade pessoal, porque o Estado servia de mãe, pai e Salvador. Para muitos, bastava fazer o mínimo e gozar as necessidades básicas pessoais, tais como moradia, alimentação, e os itens acima mencionados, providenciados pelo Estado.

Agora vem a pergunta: o que fez a nossa geração? Em ambos os lados da Cortina de Ferro, herdámos sistemas de previdência social que nasceram das cinzas da Grande Guerra Patriótica / Segunda Guerra Mundial. Gostámos muito deles. Tivemos o direito de os gozar. Nós tínhamos tratamento odontológico gratuito, recebemos bolsas de estudo de fundo perdido, recebemos subsídio de desemprego quando não estávamos a trabalhar, mesmo que fosse nas férias universitárias.

E o quê é que atrevemos a entregar aos nossos filhos? Um mundo no qual se pretender receber cuidados de saúde, você tem de pagar, e se quiser ser tratado atempadamente, então é melhor ir ao sistema particular porque as listas de espera no serviço público são sentença para a morgue; entregamos um sistema de ensino público que entrou em colapso, vomitando gerações de imbecis semi-analfabetos para o mercado de trabalho a cada ano; entregamos uma sociedade em que cada vez mais pessoas morrem de intoxicação por terem dentes podres; entregamos um sistema de educação superior que se tornou num negócio e, finalmente, em que o desemprego juvenil é endêmico em quase todas as sociedades ocidentais.

O maravilhoso experimento monetarista viu a terceirização, downsizing, o investimento através de demissões e privatizações destruir os nossos serviços públicos, substituindo-os com cada vez menos em troca enquanto os cidadãos pagam cada vez mais em impostos directos e indirectos.
Enquanto nós crescíamos em ruas onde se podia andar livremente a qualquer hora do dia ou da noite, nossas mães já não ousam aventurar-se por medo de serem atacadas e pontapeadas até a morte por grupos de jovens bêbados e/ou drogados.

Então, como podemos dizer que nossa geração tem feito outra coisa senão falhar? Os motivos e as soluções serão objecto de outros artigos. Por agora, o que podemos fazer é reflectir e tentar passar para as gerações que seguem, algum senso comum e a história daquilo que nós herdámos, pois já não existe por si.

E se alguém começar a dizer "Sim, mas como você vai pagar por ele?" dizemo-lhe "OK, vamos fazer um joguinho…vamos fingir que se trata de um banco ou um bancário em dificuldades" e, de repente triliões ficarão disponíveis. Para isso, há dinheiro. Para a pensão da sua mãe, para a segurança da sua família, não há nada.

Já que nós colectivamente deixámos que nos tirassem nosso sistema de previdência, vamos exigir que os que elegemos o reconstruam para os nossos filhos e netos.

Timothy BANCROFT-HINCHEY
PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey