Irão: As desigualdades fragilizam a República islâmica

Thierry Coville

Trinta anos depois da Revolução islâmica, o país reduziu as disparidades entre cidades e campos. Mas as províncias habitadas por minorias étnicas continuam marginalizadas.


O Irão é hoje um país complexo que conheceu uma verdadeira revolução das mentalidades no decurso das últimas três décadas. Nasceram grandes centros urbanos. A família iraniana aproximou-se, na sua forma, das famílias dos países industrializados e o nível médio de educação progrediu fortemente.


Este movimento tem afectado todo o país e foram desenvolvidos importantes esforços para diminuir as diferenças de desenvolvimento entre as cidades e as zonas rurais. Contudo, existem ainda áreas que têm um claro atraso económico em relação ao resto do país. E isso constitui um verdadeiro problema político, porque estas regiões são povoadas por minorias étnicas e religiosas.

Ao contrário da imagem veiculada por alguns meios de comunicação e peritos, a sociedade iraniana evoluiu fortemente desde a revolução islâmica de 1979. O reflexo destas mudanças transparece na revolução demográfica que este país conheceu nos últimos trinta anos. Se é verdade que a população mais que duplicou desde a revolução - progredindo de 33,7 milhões em 1976 para 70,5 milhões em 2006 -, a taxa de crescimento anual da população, recuou de 3,9% em 1986 para 1,6% em 2006. A taxa de fecundidade, que era de 7 crianças por mulher antes da revolução, é agora de 2, um nível semelhante ao dos países ocidentais. A idade média do primeiro casamento para as mulheres passou de 19,7 anos em 1976 para 23,2 anos em 2006. O número de divórcios progride igualmente, passando a sua percentagem em relação ao números de famílias de 0,4% em 1986 para 0,5% em 2006.

Estudantes: Mais raparigas que rapazes

Esta transformação da sociedade iraniana tem diferentes causas. As autoridades, depois de inicialmente terem defendido uma política favorável ao aumento da natalidade (eram necessários mais braços para a revolução), passaram a seguir, no final dos anos 80 uma política de controlo da natalidade, perante as consequências económicas e sociais de um forte crescimento demográfico. Além disso, as dificuldades económicas depois da revolução incitaram as famílias a ter menos filhos. A criação de um sistema de segurança social e de reforma também contribuiu para isso, os pais já não contam com os filhos para os ajudar financeiramente na velhice. Por fim, a urbanização (a parte da população que vive na cidade passou de 45,7% em 1975 para 69,4% em 2007) e o desenvolvimento de um modo de vida "urbano" foram igualmente elementos importantes. Mas o maior factor explicativo foi sem dúvida a subida do nível de educação, especialmente das mulheres.

Em 2006, perto de 58% da população estudantil das universidades públicas era feminina. Elas representam mesmo 66,3% dos efectivos na faculdade de medicina. Esta modernização dos comportamentos demográficos foi uma tendência geral em todo o país. A subida da idade do primeiro casamento para as mulheres foi maior nos campos do que nas cidades, passando de 19,1 anos em 1976 para 23,4 anos em 2006. É preciso assinalar, no entanto, que certas regiões são menos avançadas do que outras. As regiões de maioria sunita do Sistan e Baluchistão, do Azerbaijão Ocidental e do Curdistão têm taxas de alfabetização das mulheres inferiores às outras províncias. A importância dos valores tradicionais nestas províncias, aliada à insuficiência dos investimentos do Estado central conduziu a esta situação. Isto não significa, no entanto, que estas regiões não são tocadas pelo movimento geral de modernização: no Curdistão, 46% da população estudantil das universidades públicas é feminina.

O Irão é hoje um país jovem, onde os menores de 24 anos, que não conheceram a revolução, representam mais de metade da população. Devido ao crescimento demográfico e à emigração rural, importantes centros urbanos emergiram desde 1979. A população de Teerão passou de 4,5 milhões em 1976 para um pouco mais de 7 milhões em 2006; Machad, a grande cidade do Leste, de 670.000 para 2,4 milhões; Ispahan, no sul, de 661 mil para 1,6 milhões; Tabriz, no Azerbaijão iraniano de 600 mil para 1,4 milhões; Chiraz, na província de Fars, de 426 mil para 1,2 milhões. Além disso, toda uma rede de cidades satélites cresceu em torno das cidades de Teerão e de Ispahan para constituir imensos aglomerados urbanos. A cidade de Karadj, nos arredores de Teerão, passou em trinta anos de 138 mil pessoas para cerca de 1,4 milhões! Calcula-se além disso que cerca de 12 milhões de pessoas vêm trabalhar diariamente para Teerão.

Esta progressão da população urbana foi naturalmente acompanhada por uma deformação da estrutura da população activa que trabalha cada vez mais no sector terciário. As mulheres melhor formadas estão sobretudo empregadas no terciário, esta evolução traduziu-se além disso por uma subida da taxa de actividade das mulheres nas cidades de 8,3% em 1986 para 12,5% em 2006 1 . Para além disso, assistiu-se a um esforço real em matéria de investimento urbano, que atenuou as diferenças de desenvolvimento observadas antes da revolução no interior das próprias cidades.

A percentagem das famílias com acesso a água potável nas cidades passou de 79% em 1976 para 100% em 2006.O acesso ao ensino superior foi facilitado na maior parte das cidades devido ao estabelecimento de uma rede de universidades privadas, as universidades Azad. No entanto, a insuficiência dos transportes colectivos assim como a falta de renovação do parque automóvel conduziram a graves problemas de poluição, sobretudo em Teerão. O nível das emissões de CO2 do Irão (433,3 mil toneladas) é muito elevada em relação aos seus 70,6 milhões de habitantes - o México tem um nível de 437,9 para uma população de 100 milhões de habitantes.

Todavia, um importante esforço de investimento foi igualmente realizado nos campos. A percentagem das famílias que dispõem de água potável passou de 10% em 1976 para 90% em 2006. A rádio e a televisão difundiram-se também no mundo rural. Do mesmo modo, a melhoria da rede rodoviária permitiu desenvolver as comunicações com os centros urbanos. Esta política de investimento em infraestruturas foi motivada por uma vontade de justiça social, muito presente na revolução, pelo objectivo de travar a emigração rural, mas também por uma vontade de controlo por parte do poder central.

Em todos os casos, isto levou a uma diminuição das diferenças em matéria de equipamentos urbanos no interior das cidades, mas também entre as cidades e os campos. É claro que esta política resultou também de um cálculo político, recorde-se o papel decisivo que desempenharam, na revolução islâmica, os rurais que tinham emigrado para a cidade no tempo do Xá e que foram lançados nos bairros de lata.

Estes esforços em matéria de equipamento dos campos parecem confirmados pela diminuição das desigualdades em matéria de gastos das famílias desde a revolução. Entretanto, constata-se que desde o fim da guerra com o Iraque (1980-1988), que corresponde verdadeiramente aos primeiros esforços de desenvolvimento económico do país desde a revolução, as despesas das famílias nos campos progrediram mais devagar que nas cidades. Esta evolução parece lógica, porque o conflito seguramente penalizou mais a actividade na indústria e nos serviços do que na agricultura.

Estas estatísticas são médias e não dão uma ideia das desigualdades reais entre zonas rurais ou mesmo entre cidades. Os limiares de pobreza no Irão são calculados separadamente em cada região e são muito diferentes de uma para outra, tendo em conta as diferenças de desenvolvimento (perto de 2.450.000 riais por mês para uma família na província de Fars contra 1.711.000 no Sistan e Baluchistão em 2005[2]. Do mesmo modo, as estatísticas indicam um crescimento das desigualdades nas zonas urbanas entre 2004 e 2006 3 . É muito provável que a aceleração da inflação nos últimos anos (a subida dos preços passou de 10,4% em 2005 para 28,1% no fim de 2008) tenha aumentado as desigualdades no mundo rural e nas zonas urbanas. De facto, foram as famílias mais ricas, que dispõem de capital (financeiro, imobiliário, etc.) que puderam proteger o seu poder de compra. Por fim, a emigração rural conduziu à subida de um desemprego urbano, que é acompanhado de numerosos problemas sociais tais como a subida da prostituição, do consumo de drogas e da pequena criminalidade.

A economia iraniana é hoje dominada pelos serviços, que contribuem com 49,5% do PIB em valor. Todavia, o sector petrolífero, responsável por 84% das exportações e por 47% das receitas orçamentais, continua a ser o motor da economia. A indústria energética iraniana está concentrada nas províncias de Bushehr e do Khuzistão, onde estão situados a maior parte dos campos de petróleo e de gás do Irão e das indústrias petroquímicas. Não foi por acaso que Saddam Hussein tentou conquistar estas regiões em 1981 quando lançou o seu ataque contra o Irão.

Em compensação, a contribuição da agricultura para a produção nacional baixou consideravelmente desde 1980. Esta evolução é sem dúvida a consequência lógica da industrialização progressiva do Irão. Ela é também o resultado de uma relativa ineficácia, o país foi incapaz de atingir a auto-suficiência alimentar e tornou-se um grande importador de produtos agrícolas.

A agricultura iraniana sofre de uma política de controlo dos preços que é pouco incentiva, assim como da sua dependência em relação ao nível de pluviosidade. Além disso, certas redes de importação, de chá ou de arroz nomeadamente, põem em risco a indústria local. A província de Gilan, tradicionalmente produtora de chá e de arroz, é afectada por esta situação. Uma outra província fortemente agrícola o Khorassan, onde a Fundação Astan-e Qods, que é dirigida pelo influente ayatollah Tabassi, é a principal proprietária fundiária e possui numerosos campos agrícolas assim como numerosas fábricas agro-alimentares. Subsistem dúvidas quanto à eficácia destas actividades. Uma outra região onde a agricultura domina é o Sistan e Baluchistão. Todavia, a agricultura nesta região é pouco intensiva, afectada por uma fraca pluviosidade e está sobretudo especializada na pecuária e na produção de arroz, trigo e cevada.

Em termos de industrialização, constata-se uma desigualdade de desenvolvimento muito grande entre os grandes centros urbanos e certas regiões periféricas. Desigualdade que é bem clara quando se toma como critério o número de habitantes por fábrica com mais de 100 pessoas. Enquanto que se conta mais de 480.000 habitantes por fábrica no Sistan e Baluchistão, 280.000 e 270.000 respectivamente nas províncias do Curdistão e do Ilam, e cerca de 160.000 na província de Kohkiluyeh e Buyer Ahmad, os rácios estão próximos de 10.000 para as províncias mais industrializadas de Qazvin, Semnan, Markazi e Yazd. O atraso em termos de desenvolvimento do sector manufactureiro privado é ainda mais importante para as províncias de Sistan e Baluchistão e Khorassan do Norte.

Em relação à distribuição geográfica das actividades de serviços, podemos basear-nos no peso das cidades em cada província para o calcular, sendo a densidade da rede urbana proporcional à importância dessas actividades. Constata-se então que certas províncias como as do Sistan e Baluchistão, do Khorassan do Norte, de Kohkiluyeh e Buyer Ahmad, de Hormozgan, que eram já atingidas por um sub-desenvolvimento industrial, também são afectadas pelas taxas de densidade urbana mais fracas e portanto os sectores de serviços são menos desenvolvidos.

Desemprego e empregos precários

Estas grandes desigualdades em termos de desenvolvimento regional traduzem-se naturalmente por situações muito contrastantes em termos de mercado de trabalho. É lógico que as províncias menos desenvolvidas, tais como as de Kohkiluyeh e Buyer Ahmad ou do Ilam, têm as taxas de desemprego mais elevadas. Os resultados das províncias do Sitan e Baluchistão, do Curdistão e de Hormozgan estão na média nacional. Todavia, é preciso notar que no Irão os números oficiais do desemprego subestimam a realidade, porque para numerosos chefes de família, é impossível alimentar a família com os baixos subsídios de desemprego. Muitos iranianos exercem empregos precários, com rendimentos muito variáveis, como por exemplo vendedor ambulante, que deveriam ser contabilizadas como desempregados. Sabe-se além disso que a taxa de desemprego subiu no conjunto do Irão devido ao impacto da crise financeira desde meados de 2008. Podemos tentar abordar a realidade do sub-emprego através do desemprego dos jovens que, se estão sem emprego, podem continuar integrados na família, como acontece frequentemente no Irão.

Reivindicações étnicas

Estes resultados confirmam os precedentes. Constata-se todavia que os resultados da província de Sistan e Baluchistão são relativamente piores que a taxa de desemprego total. Além disso, as províncias de Kermanshah e de Lorestão, que sofrem também de sub-desenvolvimento industrial, têm um real problema de emprego. O desemprego dos jovens, nomeadamente dos licenciados (51,2% dos desempregados em 2005 tinham pelo menos educação secundária) é actualmente um problema crucial para a economia iraniana.

As diferentes desigualdades entre províncias do país constituem um desafio para o poder central iraniano. A conjugação de discriminações étnicas (para os baluchis, os curdos, os árabes) e religiosas (os baluchis e os curdos são sunitas) com um subdesenvolvimento económico dão argumentos aos grupos políticos que lutam pela independência destas regiões. O governo, consciente do risco, tentou nestes últimos anos lutar contra estas desigualdades entre províncias com uma política de investimentos públicos.

[1] Devido ao radicalismo dos primeiros anos da revolução, as mulheres foram desencorajadas de ir trabalhar e a taxa baixou de 9% em 1976 para 8,3% em 1986.

[2] Etemad-e Melli, 28 de Janeiro de 2007.

[3] Banco Central do Irão

Thierry Coville: professor e investigador associado no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicos (IRIS) de França.

Artigo publicado na revista Alternatives Internationales , dossier "Os iranianos pedem a palavra".

Tradução de Carlos Santos

Fonte: Esquerda.Net

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey