Solidariedade com Cesare Battisti


Nós abaixo assinados nos solidarizamos com o militante político, poeta e escritor Cesare Battisti, preso pela policia Federal em 18 de Março de 2007, no Rio de Janeiro.


Nosso país, sendo regido pela democracia, deve se ater a que a prisão de Cesare Battisti segue na contramão dos preceitos jurídicos que orientam o espírito do Estado Democrático de Direito e os ideais dos direitos fundamentais e humanos, elementos constitutivos da preservação da vida e da dignidade humana.


CESARE BATTISTI é militante de esquerda e participou ativamente dos embates políticos e ideológicos no contexto de guerra fria que permeava o mundo bipolar dos anos 70, tendo sido condenado a revelia em seu país, num procedimento jurídico questionado e rejeitado pela Corte Européia de Direitos Humanos. Ressaltamos que a suspeita que lhe é recaída é inconsistente do ponto de vista jurídico, principalmente decorrente dos anos 70, num tempo onde o mundo foi marcado pelo acirrado conflito ideológico.


Por fim, entendemos que o que requeremos é justo e encontra ressonância e total amparo político e jurídico na nossa Carta Magna que de forma imperativa, declara no inciso LII do artigo 5º da Constituição Brasileira, a não extradição de estrangeiro domiciliado em nosso território, por questão política e ideológica em seu país de origem. - as leis brasileiras não reconhecem sentenças proferidas sem a presença do réu, o que aconteceu com Battisti que se encontrava como asilado político na França à época.


Nestes termos subscrevemos este documento e exigimos sua imediata soltura e arquivamento do processo movido contra ele.

A História

Liberdade à Cesare Battisti

Comitê de Solidariedade à Cesare Battisti

Cesare Batisti e os 40 anos de 68

Fevereiro 25, 2008

Numa dessas quintas feiras. Dia de visita na Policia Federal de Brasília. O lugar não inspira muita confiança, claro. Policiais entram e saem, com as suas mais diversas caras e disfraces. Enquanto nós esperamos pela nossa hora.

15hrs. Passamos com duas sacolas cheias: 4 pacotes de biscoito, 4 pêras, 4 goiabas, 4 maçãs, algumas garrafas de suco, cigarros, 2 livros, 5 folhas de papel soltas, tudo isso até a próxima quinta. Entramos na sala onde vamos encontrar o motivo de estarmos ali. Do outro lado do vidro, do outro lado do interfone, está Cesare Batisti.

Cesare Batisti tem 53 anos e esta preso em Brasília fazem 10 meses. Passou boa parte da sua vida na clandestinidade. E isso por que, como nós agora, acreditou e acredita em um mundo novo.

Na Itália dos anos 70, Cesare integrou os PAC- Proletários Armados para o Comunismo, grupo de vertente autonomista e divergente da organização mais famosa da epoca - As Brigadas Vermelhas.

Diferentemente das Brigadas, os PAC não acreditavam no centralismo operário como o grande motor revolucionário. Vários dos seus membros já tinham participado de outras organizações armadas, mas as tinham deixado por discordarem dos princípios maoístas-leninistas, da linha divisória entre teoria e ação e da hierarquia tradicional dos partidos. Segundo Cesare, “os PAC queriam se diferenciar dos outros grupos rejeitando o nome de “organização”. Eram apenas uma sigla, representativa de “novos” princípios.

Qualquer desconhecido podia agir em nome dessa sigla, sem limites geográficos e com total autonomia. Éramos uma palavra de ordem, que poderia ser apropriada por qualquer sujeito revolucionário que recusasse a doutrina da tomada do poder, tal como era entendida na época.”

Fascinado pelas idéias dos Pac, Cesare passou a integrá-los em 1976. Mas a sua participação não chegou a durar 2 anos completos. Quando as Brigadas Vermelhas assasinam a Aldo Moro, em 9 de maio de 1978, Cesare e outros/as integrantes passam a repensar o uso da violência como resistência e o próprio grupo.

Daí se tira novo slogan dos PAC: “Sim à defesa armada, não aos atentados que acarretem morte humana”. Mas, pelas próprias características da organização - descentralização, autonomia dos coletivos - qualquer tipo de controle não se mostra muito efetivo. E é assim que alguns meses depois, um assassinato de um carcereiro em Milão é reivindicado por um grupo que se identifica também como PAC.

Com esse assassinato, vários/as integrantes dos PAC decidem que, nesse momento, não se podia continuar revindicando “meia luta armada”, como pretendiam com o slogan. Era necessário deixá-la de vez. É e então que Cesare resolve não só sair do grupo, como também tentar disolvê-los, conversando vezes e vezes com seu ex-companheiro Pietro Mutti.

Anos depois, o mesmo Pietro Mutti que o chamou de traidor por essa tentativa de dissolução dos PAC, é preso, torturado, e se torna um “Arrependido”. “Arrependido” é como aqueles guerrilheiros que, depois de presos pelo governo italiano, e em busca de redução de pena ou liberdade, optaram por colaborar com o governo, delatando os companheiros de luta.

Pietro Mutti foi um dos grandes organizadores e idealizadores dos PAC. Depois, vira um dos mais famosos arrependidos. Denunciou a tanta gente, que sua pena de prisão perpétua foi anulada e hoje ele esté em liberdade. Contou tantas histórias diferentes, que chegou a ser ameaçado pelo governo de ser devolvido as celas junto com seus ex-companheiros se não maneiras nas invenções.

Pois é esse Pietro Mutti que denuncia a Cesare como autor de 4 homicidios. Apenas um deles aconteceu quando Cesare estava na organização. Dois deles aconteceram simultáneamente, só que em lugares que distam 500 km um do outro (assim que, ao final, Cesare foi acusado de executor de um e idealizador de outro). Cesare foi julgado pelos 4 homicídios na Itália, a revelia, e condenado a prisão perpétua.

Quatorze anos atrás, quando estava refugiado na França, a Itália pediu sua extradição. O processo é julgado e a extradição negada. Cesare passa então a viver em Paris.

Em 2006, no entanto, a Itália pede outra vez a extradição de Bastiti à França. Batistti é preso e uma grande campanha, inclusive da midia corporativa, pede para que ele seja solto. Várias milhares de mobilizações são feitas pela sua liberdade.

De uma hora para outra, de acordo com o relato do próprio Cesare em seu livro, a grande mídia começa a mudar sua posição. O antes injusticado italiano, que estava sendo julgado duas vezes sem que o processo apresentasse nenhum elemento novo, passa a ser retratado por todos os grandes jornais como um assassino cruel, um terrorista, um monstro. A extradição é concedida no dia 30 de junho.

Alguns meses depois, um jornal italiano publica o que se sabia sobre a negociação com a França pela extradição de Batisti. Segundo o redator, em troca da extradição, a Itália estava assinando um acordo para a linha Lyon-Turim do TGV (trem bala), prometia uma participação na compra do Airbus e um sim ao novo tratado constitucional europeu.

A vida inteira de um homem tinha sido negociada.

Cesare, com algum apoio, foge pro Brasil. Fica algum tempo em liberdade, no Rio, até que é preso outra vez em março do ano passado. A Itália então pede a extradição ao Brasil.

Só 10 meses depois de sua prisão Cesare passa por seu primeiro interrogatório. Foi aí que nós o vimos pela primeira vez, cobrindo o interrogatorio para o Centro de Midia Independente. Até então, o processo não tinha andado e Cesare seguia confinado na Policia Federal de Brasília.

A pregunta que Cesare se faz todo o tempo no seu livro, “porque eu” -, ele sabe responder bem na entrevista que fazemos com ele: “Eles nunca me calaram. Uma das imagens que tem de mim é que eu estive todo esse tempo fugindo, me escondendo. Mas eu nunca deixei de atuar políticamente, mesmo que de maneira mínima.”

Os seus livros são uma voz rebelde contra o esquecimento ao qual os poderosos da Itália querem relegar à decada de 70, quando não havia uma ditadura oficial instaurada, mas uma série de praticas fascistas, grupos paramilitares e terroristas pagos pelo governo, prisões, torturas de ativistas politicos. “Dos atentados a bomba perpetrados por certos departamentos de Estado, ninguém falava. As ações mortíferas de extrema direita, os golpes de estado organizados pela famosa Loggia P2 - de que fizeram parte o atual chefe do governo e seu ministro do interior - tudo isso tinha sido apagado.” Sua voz nao deixa esquecer.

Cesare agora está escrevendo o terceiro livro da trilogía que conta essa parte da sua vida, a de eterno clandestino político. “Minha Fuga Sem Fim” é o primeiro e já foi lançado, o segundo esta detido com a Polícia Federal de Brasilia, dentro do computador de Cesare. O terceiro, ele escreve pouco a pouco, com as 5 folhas que tem direito por semana.

“Este tempo na cadeia tem servido de reflexão. Uma maneira de avaliar, de maneira mais distante, o que aconteceu há 30 anos atrás.”

E justo neste ano, se comemoram 40 anos do maio de 68. O ano que marcou por sua rebeldia, em que explodiram rebeliões na Europa e em especial na França, a geração da qual Cesare fez parte.

O meu caso não pode ser analisado isoladamente. Temos que aproveitar esse caso para falar de tudo o que se conquistou em 68. As vezes fica a impressão de que tudo o que foi conquistado foi dado pelos governos. Os governos não nos deram nada de presente, tudo o que se conquistou foi pago com a vida e com a morte. Quando se pensa em 68, logo se associam imagens de guerrillas, terrorismo.

A guerrilha foi uma pequena parte de tudo o que aconteceu. O movimento de 68 era um movimento de gente que queria viver, e não morrer. De Chumbo eram os anos deles. Os nossos eram os anos de amor?.

A 40 anos de 68, aqueles momentos não pertencem nem aos governos, que revindicam as conquistas como benesses, nem àqueles e àquelas que participaram ativamente de tudo, mas que trocaram a atuação pelas “doces memorias de juventude”.

1968 pertence a gente como Cesare, que com “um monte de amor que me acompanhava por toda parte, até na mais infame das celas italianas, tinha me ajudado a amar mais e, principalmente, a não baixar a cabeça.”. Gente que não desistiu e não desiste, mesmo em momentos de refluxo. Aos e às zapatistas, aos e as piqueteros, aos e às okupas, às Casas das Pombas, às barricadas de Oaxaca, aos e às catraqueiros, aos e às sem terra, desempregados, a todos e todas que nao abandonaram o sonho e a luta por um mundo novo.

Unidos/as pelo destino

Fevereiro 25, 2008

Este artigo foi feito a partir das fontes citadas e, sobretudo, a partir da experiência das visitas feitas a Césare Battisti, nas conversas que temos tido. Cesare está preso na Polícia Federal de Brasília, com solicitação italiana para que seja extraditado do Brasil à Itália, onde já foi condenado - em um julgamento arbitrário, cheio de irregularidades e no qual não participou - à prisão perpétua. Caso a justiça brasileira acate o pedido da justiça italia, Cesare apodrecerá nas celas do país, em esquecimento - como já afirmou o ex-minitro da justiçaitaliano Roberto Castelli.

Preso há cerca de 10 meses por um crime que não cometeu e pelo qual foi julgado à revelia, Cesare Battisti já tem motivos de sobra para estar em liberdade, com seu processo de extradição cancelado e sua nacionalidade Brasileira garantida, como deseja. Todavia não é isso que tem ocorrido, e a situação é justamente inversa: desde sua detenção até o momento foram torturas, privações, perseguições e uma série de arbitrariedades que remontam tempos sombrios que já deveriam há muito estar superados.

Desde sua prisão, Cesare Battisti tem sido alvo de violência carcerária, em seus diferentes planos: inicialmente preso por agentes franco-brasileiros no Rio de Janeiro e levado para a PAPUDA - presídio comum do Distrito Federal(Brasília) - foi vítima de tortura física de agentes carcerários. Segundo informado na revista Piauí em matéria sobre o caso, Battisti afirma que as hostilidades de policiais a ele partiram de agressões verbais do tipo “Os carcereiros me gritavam: “Aqui não é a Itália, seu assassino de policiais, aqui você vai se foder, seu filho da puta!”" até agressões físicas efetivas, como joelhadas, chutes e cuspes.

Após esse episódio de tortura física, Cesare fez denúncias ao Supremo Tribunal Federal e foi encaminhado ao cárcere da Polícia Federal em Brasília. Apesar de que na Polícia Federal não sofra violências físicas, as condições do local são bastante precárias: celas superlotadas onde detentos revezam-se pra dormir; visitas só uma vez por semana, com máximo de duas pessoas conversando durante uma hora por meio de telefones velhos e um vidro separando detentos de visitantes; só se pode entregar, por semana, quatro frutas, quatro litros de suco, um quilo de biscoitos, cigarros, produtos de higiene, 5 folhas(!!) e um refil de caneta; livros, somente 2 por semana; cartas, sempre apreendidas, lidas e relidas antes de serem entregues, em um processo que dura muitos dias - quando não ocorre delas serem devolvidas antes de entregues.

Já não bastasse essas condições normais a todos os detentos, Cesare parece ter um tratamento especial: a imagem criada sobre ele na carceragem é a de um terrorista internacional sanguinário e meticuloso, de uma pessoa com quem não se pode ter o mínimo de desatenção, que pode estar tramando algo a qualquer momento. É a tradicional imagem criada sobre os presos políticos, imagem despolitizada que coloca-os sob a condição de criminosos piores que os supostamente comuns, pois insere neles algo de sobrehumano, monstruoso. E Battisti sofre seriamente com essa imagem, pois isso implica em repressão psicológica constante ao mesmo dentro da cela, perseguição frente a qualquer movimentação dos detentos.

Recentemente, por exemplo, houve uma mobilização carcerária - greve de fome - na PF (pacífica e até passiva), na qual Cesare não se envolveu por discordar das pautas. Todavia a repressão caiu justamente sobre ele, que foi tido como mentor do processo: teve suas visitas da semana canceladas, não recebeu as cartas nem os livros que lhe enviados. Pior que isso, como punição geral, a comida (lanche, almoço e janta fornecidos pela carceragem) reduziu drasticamente sua quantidade a todos os detentos, de modo que mesmo Battisti, que não come muito, tem reclamado de estar sentindo fome. É a repressão política colocada pela PF em um país que afirma estar avançando significativamente nos direitos humanos.

Em uma recente visita a Cesare presenciamos um fato pra lá de estranho, pra não dizer revoltante. Ele sempre leva consigo uma folhinha com anotações que faz durante a semana, das coisas que quer saber sobre o processo, de sugestões de livros que ele quer ler, de mensagens a enviar para amigos e parentes, de coisas que fica pensando a semana toda na prisão. Em todo este tempo em que ele esteve detido essas folhas eram tranquilamente levadas e não havia problema algum, sem nenhuma advertência. Todavia, surpreendentemente nesta visita, enquanto ele lia seus recados, três agentes do cárcere da PF interromperam a visita por instantes arrancando o papel de sua mão gritando com ele informando que não será tolerada nenhuma irregularidade cometida, que ele fique esperto. Logo após adentraram a sala onde estávamos e, educadamente, informaram que Cesare havia descumprido os procedimentos do local e nos pediram pra informar quando esta ou qualquer outra irregularidade ocorresse.

Uma ação simples, mas de tamanha violência e intimidação que nos deram o tom que tem ocorrido com Césare na prisão. Ele, muito irritado, tem muita vontade de que essas atitudes sejam denunciadas, que essa estrutura do cárcere brasileiro venha a público. Não é sem razão…

Cesare Battisti é uma daquelas pessoas que estão vivendo atualmente, em sua completude, os resultados diretos da luta empreendida por aquelas pessoas da chamada “Geração de 68″, um período marcado por intensas lutas, grande contestação, libertação e revoltas - resultando em grandes progressos e avanços. Mas também por uma dura repressão, que segue até hoje - como o próprio caso do Cesarecomprova. Como afirmou Fred Vargas sobre as más imagens construídas sobre Cesare, “Battisti virou primeiro um estrangeiro, depois um terrorista, depois um assassino, depois um monstro.”

Mas, na realidade, ele sempre foi um militante que, mesmo em sua “Fuga sem fim”, jamais parou de lutar, de denunciar as atrocidades cometidas nos anos de chumbo: seja com seus romances, artigos jornalísticos, trabalhos comunitários, e atividades com outros movimentos sociais na França, México e recentemente no Brasil.

Poderíamos entender essa situação como uma disputa anacrônica pertencente a grupos que até hoje acertam contas sobre um passado distante. Mas, ao que parece, é justamente na disputa destas imagens sobre o passado que está colocado um dos principais debates sobre o presente e futuro: se os/as compas dos anos de chumbo forem categorizadas/os como terroristas sanguinários/as, nossa geração de lutas inscrever-se-á no mesmo caminho, e receberá o mesmo tratamento. Fica sugerido, em oposição, que o caminho de recolocar na história presente o significado destas lutas e suas conquistas abrirá caminhos de avanços às gerações passadas e às nossas. Seja qual for o fim desta história, só a união e solidariedade nos restam. Se não por nós, pelos nossos destinos.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey