Antonio Carlos de Oliveira Barreto, conhecido cordelista baiano, estréia na chamada poesia discursiva com o livro Flores de umburana (Selo Letras da Bahia, 2006). Ao contrário de boa parte da sua produção cordelística, que trata dos fatos cotidianos da sua província e dos acontecimentos do mundo globalizado, Flores de umburana segue por outro caminho
José Inácio Vieira de Melo
Antonio Carlos de Oliveira Barreto, conhecido cordelista baiano, estréia na chamada poesia discursiva com o livro Flores de umburana (Selo Letras da Bahia, 2006). Ao contrário de boa parte da sua produção cordelística, que trata dos fatos cotidianos da sua província e dos acontecimentos do mundo globalizado, Flores de umburana segue por outro caminho a trilha das ausências. Seus versos trazem as sensações de quem olha para as coisas e os seres e consegue experimentar o pasmo que há neles e a relatividade do seu trânsito.
o menino a contemplar
as lágrimas de Heráclito
e o bem-te-vi
anunciando ausências
Flores de umburana é um livro que recende a aromas silvestres e a seiva nativa das caatingas. Traduz a força telúrica do seu autor, andarilho dos sertões. Barreto é um pastor de cantos a conduzir seus poemas pelas mesmas pastagens daquele guardador de rebanhos lusitano que apregoava na sua poética que "pensar é estar doente dos olhos".
Mesmo quando caminha pelas formas fixas, como nos sonetos "Agalopado" e "Soneto do amor banal", o primeiro vazado em hendecassílabos e o outro em heptassílabos, consegue ser leve e fluente como a brisa que povoa as paragens de onde provém, os sertões de Santa Bárbara, e nos transporta para dentro das imagens que evoca, não para pensarmos sobre elas, "mas para olharmos para elas e estarmos de acordo", como nos ensina Fernando Pessoa por intermédio de seu heterônimo Alberto Caeiro, o já citado guardador de rebanhos.
A maneira descritiva e o poder de sugestão de seus versos, levam o leitor para dentro da paisagem que vai inventando, convertendo-o em parte desse cenário, ou seja, tornando-o parte daquela ordem, um elemento componente daquela organização.
O fogo dos ventos soprando do norte,
a noite azulada tangendo os abismos.
Na dança da flecha se vão os aforismos:
paisagens, caminhos, sertões, um galope.
Mais do que uma metamorfose, esse movimento pode ser compreendido como uma aceitação do processo natural e espontâneo da vida, pois apesar de descobrir "que a vida/ é puro arco-íris de/ interrogações", sabe que "Ao meu controle foge o leme do destino/ tal o poema escapa de minhas mãos". Essas impressões proporcionam um sentimento de integração com o Cosmo, e, nesse sentido, estamos diante não apenas de um poeta telúrico, mas também de um poeta holístico.
Em outros momentos, apresentar quadros de vivências, utilizando-se da linguagem suave que lhe é peculiar, a exemplo do belo poema "Primeira comunhão", que trata das descobertas da infância e nos remonta ao primeiro alumbramento do mestre Manuel Bandeira:
A língua do vento
suspende a saia
da indefesa mocinha
O garotinho,
mais-que-surpreso,
rompe a timidez:
que linda Flor Negra!
E, como não poderia deixar de ser, Antonio Carlos de Oliveira Barreto, cantador de boa cepa, conclui esse poemário de umburanas-de-cheiro, que aponta para promissores caminhos poéticos, "Cordelizando":
Sou do seio das catingas
Lá das bandas do sertão
Trago na veia a essência
Dos acordes do azulão
Do assum preto o sustenido
Da cigarra o alarido
Da coruja a solidão.
José Inácio Vieira de Melo é alagoano, radicado na Bahia. É poeta e jornalista. Publicou os livros Códigos do Silêncio (2000), Decifração de Abismos (2002), A Terceira Romaria (2005) e A Infância do Centauro (2007). Organizou Concerto lírico a quinze vozes Uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004). É co-editor da revista Iararana e colunista da revista Cronópios.
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