Novo encontro dos povos da floresta será em setembro, em Brasília
Evento vai acontecer quase 20 anos depois do primeiro encontro, marco do movimento socioambiental. A expectativa é reunir cerca de 10 mil pessoas. A novidade e o desafio é tentar unir sob bandeiras comuns povos tradicionais dos outros biomas brasileiros, como o Cerrado, a Mata Atlântica e a Caatinga.
Índios, seringueiros, ribeirinhos e organizações da sociedade civil da Amazônia vão tentar retomar uma aliança histórica. O II Encontro Nacional dos Povos da Floresta está marcado para acontecer entre os dias 18 e 23 de setembro, em Brasília. O lançamento do evento aconteceu na terça-feira, na capital federal, e contou com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, líder seringueira e discípula de Chico Mendes.
O novo encontro vai acontecer quase 20 anos depois do primeiro, um marco do movimento socioambiental brasileiro que levou a floresta amazônica ao centro dos debates internacionais sobre meio ambiente. Na organização, estão o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
Participaram do lançamento a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e a Rede Cerrado, entre outros. Juntos, representam quase duas mil organizações civis e movimentos sociais. A expectativa é reunir cerca de 10 mil pessoas, entre indígenas, seringueiros, ribeirinhos, quilombolas, sertanejos, ambientalistas, sindicalistas, empresários e integrantes do governo.
O I Encontro dos Povos da Floresta foi promovido, em março de 1989, em Rio Branco (AC), pela União das Nações Indígenas e pelo CNS, cuja principal liderança era Chico Mendes, assassinado alguns meses antes. O evento projetou a inédita Aliança dos Povos da Floresta e outras lideranças, como David Yanomami e Ailton Krenak (confira abaixo).
Desafio
A novidade e o desafio colocado pela retomada da articulação é tentar unir sob bandeiras comuns povos tradicionais dos outros biomas brasileiros, como o Cerrado, a Mata Atlântica e a Caatinga. Além da conservação da floresta e da distribuição de renda, a pauta da mobilização inclui temas mais recentes que estão na ordem do dia, como mudanças climáticas e grandes obras de infra-estrutura.
De acordo com Jecinaldo Barbosa Saterê-Mawê, coordenador-geral da Coiab, os setores que defendem um modelo de desenvolvimento predatório para a Amazônia avançaram bastante politicamente e é preciso uma ampla articulação para confrontá-los. Esse encontro é uma reação. Queremos promover novas alianças, mais diálogo. Temos de nos unir, defende. Ele aponta o agronegócio, a bancada ruralista, as usinas hidrelétricas, os grileiros e madeireiros como ameaças aos povos da floresta.
A Aliança dos Povos da Floresta atuou durante alguns anos, no início da década de 1990, mas perdeu muita influência política. Para Jecinaldo Saterê-Mawê, o movimento não foi à frente porque as organizações que o integravam ainda estavam se consolidando, precisavam institucionalizar-se e voltaram-se para agendas próprias. Ele não acha, porém, que a aliança fracassou. Aprendemos com essas experiências e hoje estamos mais fortes.
Nas próximas semanas, as redes que vão promover o novo encontro devem se reunir para elaborar uma carta de princípios e diretrizes comuns. Existe a preocupação de que a busca por uma atuação unificada não comprometa a independência das pautas e estratégias políticas de cada segmento envolvido. A aposta das coordenações das redes é de que a experiência acumulada no movimento iniciado há 20 anos permita não repetir antigos erros.
Muitas vezes, acabamos tentando nos meter nas coisas dos índios. Queríamos que dirigissem o movimento deles como o nosso. Isso não deu certo, lembra Pedro Ramos, membro do CNS, ex-presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais do Amapá e um dos companheiros mais próximos de Chico Mendes. O seringueiro aposentado defende que sejam definidas grandes linhas de ação na retomada da Aliança dos Povos da Floresta, como o reconhecimento das terras tradicionais, mas que cada povo, movimento e organização preserve seus costumes, seus hábitos e sua pauta específica de reivindicações.
A intenção das redes que vão promover o novo encontro não seria unificar o movimento social e as organizações de tantas populações diferentes, mas influenciar políticas públicas, dar visibilidade a tecnologias e experiências de sucesso e aprofundar o debate sobre os grandes temas socioambientais. Deve ser discutida uma espécie de PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) socioambiental, uma série de propostas de alternativas econômicas sustentáveis às grandes obras de infra-estrutura que o governo Lula pretende construir e ao agronegócio. A idéia é estimular a economia agroflorestal e criar incentivos para a conservação da floresta.
A Amazônia vive um novo boom de visibilidade nacional e planetária, associado às mudanças climáticas. Nesse contexto, a iniciativa dessas redes é oportuna, afirma Beto Ricardo, secretário-executivo do ISA, que participou do I Encontro, como representante do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi). Ele lembra que, nos últimos 30 anos, houve outros momentos, como a ECO-92, por exemplo, em que os povos das florestas conseguiram projeção política articulando-se com outros setores da sociedade. Mas seu sucesso dependerá da capacidade das lideranças de revisitar suas referências de origem, de atualizar e construir conexões com uma extensa rede de alianças para apoiar suas propostas.
Memória
O I Encontro dos Povos da Floresta aconteceu juntamente com o II Encontro Nacional de Seringueiros, em Rio Branco, entre 25 a 31 de março de 1989. Estiveram presentes 187 delegados seringueiros e indígenas do Acre, Amazonas, Pará, Amapá e Rondônia. A Aliança dos Povos da Floresta foi formalizada no evento e suas grandes reivindicações eram o reconhecimento oficial e a defesa das terras dessas populações, a implementação de políticas que garantissem sua sobrevivência e sua cultura.
A articulação chamou a atenção da sociedade brasileira e internacional para o problema fundiário e o desmatamento na Amazônia. Também consolidou os povos da floresta, em especial seringueiros e indígenas, como interlocutores políticos. O movimento que deu origem ao encontro e a Aliança dos Povos da Floresta nasceu na onda de mobilizações ocorridas por conta da redemocratização do País e da Assembléia Nacional Constituinte, no final dos anos 1980.
Chico Mendes foi um dos grandes inspiradores do encontro, que foi realizado ainda sob o impacto de sua morte. O líder seringueiro foi assassinado em 22 de dezembro de 1988, em Xapuri (AC), na porta de sua casa. Ele participara da fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), em 1985, e fora ao Senado dos Estados Unidos, em 1987, para denunciar o financiamento internacional de projetos de devastação das florestas brasileiras. As denúncias fizeram com que os projetos fossem suspensos e Chico fosse acusado por fazendeiros e políticos de prejudicar o "progresso" do Estado do Acre. Vários dos líderes que participaram do encontro também estavam sob ameaça de morte.
Foi a Aliança dos Povos da Floresta que juntou os ideais de uma reforma agrária ampla e da conservação ambiental. Era preciso, então, não apenas garantir o direito à terra das populações indígenas e dos seringueiros, mas também os recursos naturais que em que estavam baseados o seu modo de vida tradicional. O movimento também foi responsável pela divulgação da idéia das Reservas Extrativistas.
Havia um senso comum de que a floresta estava sendo desmatada pelas populações locais e quem se interessava pela conservação estava nas grandes cidades. Isso mudou a partir daí, relembra Steve Schwartzman, diretor do Programa Internacional da Environmental Defense ED organização sediada em Washington (EUA). Ele foi uma das pessoas que ajudou a divulgar internacionalmente a luta dos seringueiros e da Aliança dos Povos da Floresta. Schwartzman considera que o conceito de Reserva Extrativista é um dos grandes legados da mobilização dos povos da floresta, inclusive como uma idéia genuinamente brasileira.
Declaração dos Povos da Floresta - Março de 1989
As populações tradicionais que hoje marcam no céu da Amazônia o arco da Aliança dos Povos da Floresta proclamam sua vontade de permanecer com suas regiões preservadas. Entendem que o desenvolvimento das potencialidades destas populações e das regiões em que habitam se constitui na economia futura de suas comunidades, e deve ser assegurada por toda nação brasileira como parte da sua afirmação e orgulho.
Esta aliança dos Povos da Floresta reunidos índios, seringueiros e ribeirinhos iniciada aqui nesta região do Acre estende os braços para acolher todo esforço de proteção e preservação deste imenso porém frágil sistema de vida que envolve nossas florestas, lagos, rios e mananciais, fonte de nossas riquezas e base de nossas culturas e tradições.
Conselho Nacional de Seringueiros (CNS)
União das Nações Indígenas (UNI)
Fonte: http://www.socioambiental.org
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