Genocídio: ministério da Saúde desvincula recursos exclusivos para o combate à AIDS -
O Ministério da Saúde (MS) está prestes a publicar uma portaria (Veja aqui) que liberará estados e municípios a utilizarem para "fins gerais da saúde" recursos que eram repassados pela União para uso exclusivo da AIDS e que, por inoperância, descompromisso ou falta de atenção, não foram utilizados até dezembro de 2011.
Desde o ano passado a sociedade civil vem denunciando que tais recursos estavam estagnados sem justificativa há meses e - em alguns casos há anos - nos cofres dos estados e municípios em todo o país e vinha pressionando o MS para que criasse mecanismos que evitassem a estagnação deste dinheiro que, em setembro de 2012 representava um montante acumulado da ordem de 135 milhões de reais.
Ao contrário do que foi demandado, a recente decisão da Comissão Intergestores Tripartite é um atestado público do desmonte da política de AIDS no Brasil que retrocedeu nos últimos anos em função também da não aplicação dos recursos destinados ao seu enfrentamento e da não priorização por parte dos governos municipais e estaduais que pouca ou nenhuma importância dão para a epidemia.
Além de liberar os recursos parados para fins diversos, para agravar o problema, foi anunciado na reunião de Gestores de Programas estaduais e municipais de AIDS, COGE, na última segunda feira, 22, em Brasília, a revogação completa da Política de Incentivo a partir de 2014. Para AIDS isso significa o fim da portaria 2313[1] criada em 2002 exatamente pela "necessidade de recursos específicos para o financiamento do combate à epidemia, dada a complexidade de ações a serem permanentemente desenvolvidas e ofertadas, abrangendo um largo espectro de atividades (..); para garantia de novos avanços e continuidade do padrão de qualidade e de resultados que vêm sendo alcançados".
Com o fim da política de incentivo e de recursos carimbados, a política de AIDS no Brasil sofre um golpe duro, numa decisão tomada pelo governo Dilma sem discussão com a sociedade civil. Sofrerão mais ainda as populações afetadas - já são quase 700 mil casos registrados - que, como se sabe, têm alto histórico de exclusão social e irão agora disputar recursos com centenas de outros agravos. Se os recursos transferidos via política de incentivo já não eram utilizados apropriadamente mesmo quando específicos a este fim, é difícil crer que os mesmos gestores, passem a priorizar a AIDS e, certamente será ainda mais difícil para a sociedade civil monitorar o seu uso.
Uma morte anunciada- O pano de fundo deste desmonte está baseado em dois pilares interdependentes: um deles, o mais evidente e grave, é a progressiva privatização do SUS, com repasses cada vez maiores para compras de serviços ao setor privado, aquisição de tecnologias, na maioria das vezes obsoletas ou que se quebram ao primeiro uso, e de insumos laboratoriais e farmacêuticos nem sempre direcionados a real necessidade dos problemas de saúde local; o segundo, a mudança progressiva e lenta do modelo de atenção, aliás a retomada ao modelo hospitalocêntrico, agora travestido de um modelo que elege a atenção primária como porta de entrada de um sistema de saúde, que se diz universal e público, mas cujas vedetes são as Unidades de Pronto Atendimento que são, contraditoriamente, administradas como privadas.
Vale ressaltar que tal decisão ocorre no momento em que as ONGs e a academia têm acirrado, dentro e fora do país, as críticas ao Ministério da Saúde denunciando graves retrocessos na política de AIDS brasileira que já foi, em décadas anteriores, considerada a melhor do mundo, e que agora encontra-se refém de influências religiosas e conservadoras e busca colocar as ONG AIDS em antagonismo com o SUS e o movimento de saúde. Uma cartada de má-fé que só evidencia a tentative óbvia da diminuição do controle público e da participação pessoas vivendo com AIDS na construção da resposta de AIDS, principais estratégias de um movimento articulado como o de AIDS que historicamente foi fundamental na consolidação do princípio do direito à saúde e da universalidade do SUS.
Mande mensagens para o Ministro Alexandre Padilha, pelo e-mail [email protected] e/ou twiter @padilhando, não assine o decreto. Acabe com a AIDS, não com a política de AIDS do Brasil.
Artigo escrito por Carlos Alberto Ebeling Duarte e divulgado por Julio Moreira
*Julio Moreira - Ativista LGBT, educador social e coordenador de Projetos na Área de Saúde, Cidadania e Direitos Humanos.
http://www.debatesculturais.com.br/genocidio-ministerio-da-saude-desvincula-recursos-exclusivos-para-o-combate-a-aids/
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