Peculiaridades do caráter nacional russo

Eventos recentes, como a derrubada do governo na Ucrânia, a secessão na Crimeia e a decisão dos crimeanos de unir-se à Federação Russa, a subsequente campanha militar contra civis no Leste da Ucrânia, sanções do ocidente contra a Rússia e, mais recentemente, o ataque ao rublo, levaram a uma espécie de fase de transição na sociedade russa, a qual, creio, é muito mal compreendida no ocidente, se é que é alguém a compreende, mesmo que mal, no ocidente. Essa deficiência de compreensão põe a Europa em posição de desvantagem, quando se trata de negociar um fim para a crise em curso. 

 

13/1/2015, Dmitry Orlov, Cluborlov

http://cluborlov.blogspot.com.br/2015/01/peculiarities-of-russa-national.html

Se, antes desses eventos, os russos davam-se por satisfeitos com se considerarem “apenas mais um país europeu”, eles agora foram relembrados de que são civilização distinta, com raízes civilizacionais diferentes (bizantinas, não romanas) – civilização que, mais de uma, duas vezes, num século, foi alvo de esforços ocidentais concertados para destruí-la, fossem esforços suecos, poloneses, franceses, alemães ou combinações dos acima listados. Assim o caráter russo condicionou-se num específico conjunto de modos os quais, se não forem corretamente compreendidos, podem com alta probabilidade levar ao desastre a Europa e o mundo.

LEGENDA (imagem) 

← Antiga divindade eslava, Zimnik: representado por um velho de longos cabelos e barbas brancos como neve, que usa um casaco branco, sempre de pés descalços. Carrega um cajado de ferro, que congela instantaneamente e torna sólido tudo em que toca. Pode gerar tempestades de gelo, tempestades de neve e nevoeiros. Anda pelo mundo roubando para si tudo que deseja, especialmente criancinhas malcomportadas.

Os que pensem que Bizâncio teria tido apenas pequena influência cultural sobre a Rússia, saibam que é influência chave. As influências culturais bizantinas, que vieram com o Cristianismo Ortodoxo, primeiro através da Crimeia (berço do Cristianismo na Rússia), depois através da capital russa Kiev (a mesma Kiev que é hoje capital da Ucrânia), ajudaram a Rússia a saltar adiante, beneficiando-se de praticamente um milênio de desenvolvimento cultural. Essas influências incluem a natureza burocrática opaca e pesadamente lerda do governo russo, que os ocidentais (que adoram transparência – dos outros) consideram tão enervante, além de várias outras coisas. Os russos às vezes chamam Moscou de ‘Terceira Roma’ – terceira, depois da própria Roma e de Constantinopla –, e não é epíteto totalmente desprovido de significado. Mas não significa que a civilização russa tenha qualquer traço derivado; sim, ela soube absorver toda a herança clássica, vista sob muito específicas lentes orientais, mas o vasto ambiente do norte transformou aquela herança em algo radicalmente diferente.

 

Dado que esse tema é de vastíssima complexidade, tratarei apenas de quatro fatores, que considero essenciais para que todos compreendam a transformação que estamos atualmente testemunhando.

 

1. Reação a ofensas 

 

As populações ocidentais emergiram num ambiente de recursos limitados e incansável pressão populacional, o que, em grande medida, determinou o modo como reagem quando são ofendidos. Por muito tempo, enquanto a autoridade central foi fraca, os conflitos resolviam-se com sangue, e mesmo qualquer pequeno confronto poderia converter velhos amigos, instantaneamente, em adversários de espadas desembainhadas. Era assim porque viviam em ambiente no qual defender o próprio espaço era essencial à sobrevivência.

 

Diferente disso, a Rússia emergiu como nação num ambiente de recursos quase infinitos, embora quase todos muito dispersos. Cresceu também do legado da rota comercial que levara dos vikings aos gregos, e que fora tão ativa, que geógrafos árabes acreditavam que houvesse um estreito de água salgada que ligava o Mar Negro e o Mar Báltico, embora a rota consistisse só de rios, tal era a quantidade de bens transportados. Nesse ambiente, era importante evitar qualquer conflito, e as pessoas que desembainhavam espadas a qualquer palavra mal pronunciada dificilmente se davam bem.

 

Assim sendo, emergiu ali uma estratégia para resolução de conflitos muito diferente, que sobrevive até hoje. Se você insulta, ofende ou de qualquer outro modo fere um russo, é altamente improvável que arranje briga (a menos que se trate de demonstração pública de como se briga, ou algum arranjo planejado em determinado número de rounds, para marcar pontos servindo-se de violência). O mais provável é que o russo simplesmente o mande à merda, e dali em diante nunca mais queira saber de qualquer contato com você. Se a proximidade torna difícil a indiferença, o russo considerará a possibilidade de mudar-se, seguindo em qualquer direção que o afaste de você. 

 

É tão comum esse ato de fala na prática, que já está até abreviado numa interjeição monossilábica: “Пшёл!” (“Pshol!”) que pode ser referido simplesmente como “послать” (literalmente, “enviar”). Num ambiente onde há quantidade quase infinita de terra livre para se implantar e viver, essa estratégia faz perfeito sentido. Os russos vivem como povo implantado, mas quando têm de mudar-se, movem-se como nômades, cujo principal método para resolução de conflitos é a relocação voluntária.

 

Essa reação permanente a ofensas é uma das principais facetas da cultura russa, e ocidentais que não a compreendam dificilmente alcançarão qualquer resultado que lhes interesse ou que, pelo menos, compreendam. Para um ocidental, qualquer insulto pode ser superado com algumas palavras, como “Desculpe”. Para um russo, palavras são excesso desnecessário e incômodo de ruído, sobretudo se emitidas por alguém que você já mandou à merda. Oferecer desculpas verbais não acompanhadas por algo tangível é uma das poucas regras de polidez que, para os russos, assemelham-se a um luxo. Até há poucas décadas, o pedido de desculpas padrão em russo era “извиняюсь” (“izviniáius'”), que se pode traduzir literalmente como “eu me desculpo sozinho”. A Rússia é agora país muito mais polido, mas o padrão cultural básico permanece ativado.

 

Por mais que desculpas puramente verbais valham nada, a restituição é considerada valiosa e prestigiada. Acertar as coisas pode envolver partilha de uma posse de alto preço, ou alguma nova e significativa promessa-compromisso, ou anúncio de alguma mudança importante de rumo. O ponto é que todos esses eventos envolvem movimento de pivô-mudança-de-direção, não só palavras; porque, além de um certo ponto, palavras só fazem piorar a situação, o que se vê claramente no salto do “Vá à merda” para o estágio ainda menos satisfatório do “E já-já lhe ensino o caminho”.

 

2. Sobre invasões e invasores 

 

A Rússia tem longa história de ser invadida de todas as direções, mas especialmente do ocidente, e a cultura russa desenvolveu uma determinada maneira de pensar, que os de fora têm dificuldade para compreender. 

 

Para começar, é importante perceber que quando os russos lutam para expulsar invasores (e ter a CIA e o Departamento de Estado dos EUA instalados no governo da Ucrânia com ajuda de nazistas ucranianos é, em todos os sentidos, uma invasão), eles não estão lutando por território, não, pelo menos, diretamente. Em vez disso, estão lutando pela Rússiacomo conceito. E esse conceito declara que a Rússia já foi invadida várias vezes, mas jamais qualquer invasor foi bem-sucedido ali. 

 

Na mente russa, uma invasão bem-sucedida à Rússia envolveria matar absolutamente todos os russos e, como os russos orgulham-se de repetir “Eles não podem matar todos os russos” (“Нас всех не убьёшь”). Com o tempo, a população recompõe-se (chegou a 22 milhões no final da 2ª Guerra Mundial); mas o conceito, perdido uma vez, estará perdido para sempre. Pode soar estranho a ouvidos ocidentais que os russos descrevam o próprio país como “país de príncipes, poetas e santos”, mas é o que a Rússia é, é um estado mental. A Rússia não ‘tem história’: a Rússia é a própria história.

 

Porque os russos lutam pelo conceito de Rússia, muito mais que por qualquer porção de território russo, estão sempre dispostos a retirar-se – no primeiro momento. Quando Napoleão invadiu a Rússia, com planos para saquear o que encontrasse no caminho por dentro do país, só encontrou cinzas e fumaça: os russos haviam queimado as próprias casas, na retirada. Quando finalmente Napoleão chegou a Moscou, a capital também foi incendiada. Napoleão teve de acampar nos arredores, pensando que seria por pouco tempo, até que chegou à conclusão de que já não havia o que fazer (atacar a Sibéria?!), e seus soldados morreriam de fome e frio se ficassem ali, e bateu em rápida e vergonhosa retirada e abandonou os soldados franceses à própria sorte. Foi quando veio à tona outra faceta da herança cultural russa: cada camponês de cada vila incendiada quando os russos se retiraram lá estava, na linha de frente, quando os russos afinal avançaram, ardendo de vontade de meter uma bala num soldado francês.

 

Assim também, a invasão alemã durante a 2ª Guerra Mundial conseguiu avançar rapidamente, tomando grandes porções de território, e os russos mais uma vez recuaram e evacuaram suas populações, realocando fábricas inteiras e outras instalações e instituições na Sibéria e realocando famílias no interior da Rússia. Até que o avanço dos alemães parou e, afinal, eles fizeram meia volta. O padrão repetiu-se, e mais uma vez o exército russo quebrou a moral do invasor, e os locais, que tiveram de suportar a ocupação, mantiveram a cooperação, organizaram-se em resistência e causaram o máximo de dano possível ao exército alemão invasor em retirada.

 

LEGENDA: Murmansk, 68°58′45″, 300 mil hab.

12/1/2015: primeiro nascer do Sol, em 40 dias 

Duração do dia: 38 minutos

Outra adaptação russa para lidar com invasores é confiar no frio para ajudar no serviço. Procedimento padrão para desinsetizar e desratizar casas em muitas vilas russas é simplesmente não aquecer a casa: bastam uns poucos dias sob temperatura de -40 ou mais graus Celsius, e baratas, percevejos, piolhos, pulgas, cupins, camundongos e ratos morrem todos. Funciona também para invasores. A Rússia é o país mais setentrional do planeta. O Canadá avança mais para o norte, mas a população canadense está concentrada ao longo da fronteira sul e não há grandes cidades canadenses acima do Círculo Polar. A Rússia tem ali duas grandes cidades. A vida na Rússia é, em vários sentidos, semelhante à vida no espaço sideral ou em mar aberto: é impossível sem suporte para sobrevivência humana. Ninguém sobrevive ao inverno russo sem a cooperação dos locais, e para afastar ou varrer dali todos os invasores basta negar-lhes cooperação. E se você pensa que algum invasor consegue obter alguma cooperação se matar uns poucos locais e aterrorizar os sobreviventes, releia o item acima, “Reação a ofensas”.

 

3. Sobre potências estrangeiras

 

Praticamente toda a porção norte do continente eurasiano é território da Rússia, que compreende algo como 1/6 de toda a superfície seca do planeta Terra. Pelos padrões terráqueos, é território gigante. Não se trata de aberração ou acidente histórico: ao longo da história os russos foram absolutamente obrigados a garantir a própria segurança coletiva, o que fizeram garantindo para eles mesmos a maior quantidade possível de território. Se você não sabe o que os motivaria a agir assim, leia acima o item “Sobre invasões e invasores”.

 

Se você pensa que potências estrangeiras tantas e repetidas vezes tentaram invadir e conquistar a Rússia, pensando em obter acesso àqueles vastos recursos naturais, você pensa errado: o acesso sempre esteve ali, desimpedido. Os russos não são conhecidos por se recusarem a vender os próprios recursos naturais, mesmo para potenciais inimigos. Não. Os inimigos da Rússia sempre pensaram em pôr as mãos nos recursos russos, sem ter de pagar por eles. Para eles, a existência da Rússia sempre foi obstáculo – que eles sempre tentaram eliminar mediante violência. 

 

A única coisa que ganharam foi preços cada vez mais altos para eles mesmos, cada vez que falhava mais uma invasão. O cálculo é simples: os de fora querem os recursos russos; para defender os próprios recursos, a Rússia precisa de estado forte e centralizado, com exército grande e poderoso; ergo, os de fora passaram a ter de pagar para manter o estado e o exército da Rússia. Por causa disso, quase todas as necessidades financeiras do estado russo são atendidas graças a tarifas que importadores estrangeiros pagam para ter principalmente petróleo e gás natural; assim a população russa é poupada de ter de pagar impostos altíssimos. Afinal de contas, a população russa já é obrigada a pagar muito caro cada vez que tem de lutar contra invasões periódicas; por que fazer os russos pagarem também altos impostos? 

 

Assim, o estado russo é estado aduaneiro: usa tarifas e impostos alfandegários para arrancar dinheiro dos inimigos que querem destruí-lo e usa o mesmo dinheiro para defender-se. Dado que os recursos naturais russos não são renováveis, quanto mais hostil for o mundo exterior contra a Rússia, mais caro terá o mesmo mundo exterior de pagar para manter a defesa nacional russa.

 

Observe-se que essa política é dirigida contra potências estrangeiras, não contra povos não russos. Ao longo dos séculos, a Rússia absorveu muitos imigrados: da Alemanha, durante a Guerra dos 30 anos; da França, depois da Revolução Francesa. Mas recentemente, chegaram fluxos de imigrantes do Vietnã, Coreia, China e Ásia Central. Ano passado, a Rússia absorveu mais imigrantes que qualquer outro país do mundo – exceto os EUA, que agora enfrentam influxo migratório de países abaixo da fronteira sul dos EUA, cujas populações foram violentamente empobrecidas pelas políticas dos EUA. Acima de tudo, os russos estão absorvendo forte influxo, que inclui quase um milhão de imigrados vindos da Ucrânia varrida pela guerra – e os russos não estão reclamando. A Rússia é nação de imigrantes, mais que muitas outras. É mais verdadeiro cadinho de povos, que os EUA.

 

4. Obrigado, mas sabemos fazer o nosso

 

Um dos traços culturais mais interessantes é que os russos sempre se sentiram obrigados a brilhar em todas as categorias, do balé e da patinação artística ao hockey, e do futebol às viagens espaciais e fabricação de microchips. Você talvez pense que champagne seria marca registrada de vinho francês, mas verifiquei recentemente que “Советское шампанское” (“Champanhe Soviético”) ainda vende mundo bem no período que antecede a festa de Ano Novo, e não só na Rússia, mas também em lojas russas nos EUA, porque, você compreende, a coisa francesa até que é boa, mas não tem sabor suficientemente russo. 

 

Para praticamente tudo que você imagine há uma versão russa, que os russos entendem que seja melhor, e em muitos casos declaram que antecede a ‘outra’ (o rádio, por exemplo, foi inventado por Popov, não por Marconi). Há exceções (por exemplo: frutas tropicais) que são admitidas como excelentes, mas desde que fornecidas por “nação irmã”, como Cuba. Foi o padrão durante os anos soviéticos, e parece estar voltando, em certa medida, hoje.

 

Durante a “estagnação” de Brezhnev/Andropov/Gorbachev a inovação russa realmente estagnou, como todo o resto, e a Rússia perdeu terreno para o ocidente, em termos tecnológicos (não em termos culturais). Depois do colapso dos soviéticos, os russos mostraram-se sedentos de importações ocidentais; normal, se se considera que a Rússia, então, produzia praticamente nada de coisa alguma. Então, durante os anos 1990s, veio a era dos compradores ocidentais, que enfiaram produtos importados goela abaixo dos russos, com o objetivo de longo prazo de acabar com a indústria russa e tornar a Rússia puro fornecedor de matérias-primas, momento em que, afinal, a Rússia estaria sem defesa contra embargos e poderia ser facilmente forçada a ceder a própria soberania. Seria uma invasão por vias não militares, contra a qual a Rússia ver-se-ia indefesa.

 

Esse processo até que avançou, antes de sofrer um que outro grave revés. Primeiro, a manufatura e as exportações de não hidrocarbonos duplicou várias vezes ao longo de uma década. A avançada incluiu exportações de grãos, armas e alta tecnologia. Segundo, a Rússia encontrou pelo mundo vários ótimos, melhores, mais baratos, mais amigáveis parceiros comerciais. Mesmo assim, o comércio da Rússia com o ocidente, especialmente com a União Europeia, não é, não, de modo algum, insignificante. Terceiro, a indústria russa da Defesa conseguiu manter seus próprios padrões e manteve-se independente de importações. (É exatamente o que não se pode dizer das empresas fornecedoras da Defesa no ocidente, que dependem completamente das exportações russas de titânio.)

 

E afinal desabou a tempestade perfeita sobre os compradores: o rublo foi parcialmente desvalorizado, em resposta aos baixos preços do petróleo, tirando do páreo do mercado os importados e ajudando os produtores domésticos; as sanções já haviam minado gravemente a confiança que os russos ainda tivessem em fornecedores ocidentais; e o conflito na Crimeia fez aumentar a confiança que os russos sempre tiveram nas próprias competências e capacidades. O governo russo está colhendo a oportunidade para estimular empresas que possam promover rápida substituição de importações, com troca de produtos importados por produtos russos. O banco central da Rússia já foi encarregado de financiar essas empresas com juros que tornem a substituição de importações ainda mais atraente.

 

Muita gente está construindo comparações entre o período em que estamos agora e a última vez em que os preços do petróleo despencaram – chegaram a $10/barril – o que, em certo sentido, precipitou o colapso do governo soviético. Mas essa analogia é falsa. Naquele momento, a União Soviética estava economicamente estagnada e dependia integralmente do crédito ocidental para garantir as importações de grãos, sem os quais não conseguiria criar gado suficiente para alimentar a população. 

 

E, no governo, estava Gorbachev, covarde, maleável – homem de ‘panos quentes’, capitulador, saco de vento liberal mundano, cuja mulher amava fazer compras em Londres. O povo russo o desprezava e chamava-o de “Mishka, o manchado”, por causa da marca de nascença na testa. 

 

Hoje, a Rússia está ressurgente, é um dos maiores exportadores mundiais de grãos e tem no governo o frio, valente e implacável presidente Putin, com índices de aprovação entre os eleitores que já passaram de 80%. Comentaristas e analistas que comparem a Rússia de hoje e a URSS pré-colapso só fazem prova da própria ignorância.

 

Conclusões

 

As conclusões quase se autorredigem. O que temos ante os olhos é receita de desastre. Assim sendo, escreverei sob o formato de receita de bolo.

 

1. Tome uma nação cujo povo reage a ofensas mandando você à merda e recusando-se a ter a ver qualquer coisa, seja o que for, com você, em vez de pôr-se a dar tiros. Examine bem e assegure-se de que seja a mesma nação cujos recursos naturais são essenciais para manter as lâmpadas acesas na sua casa e a sua própria casa, aquecida; e para encher os seus próprios [seus, de você, não dela!] tanques de aviões de passageiros e jatos de combate, e para longa série de outras coisas essenciais. Considere que um quarto de todas as lâmpadas que há nos EUA só acendem graças a combustível nuclear russo, e que qualquer corte do gás russo para a União Europeia seria cataclismo de grau máximo. 

 

2. Faça com que a mesma nação sinta-se como se estivesse sendo invadida por um governo ali instalado e que é hostil aos que vivam num território que a população daquela nação considera parte da própria pátria histórica. A única parte não russa da Ucrânia é a Galicia, que se separou há muitos séculos, e da qual a maioria dos russos lhe dirá, sendo o caso, que, já que você vai à merda, pode aproveitar e levar com você a Galicia. Se você gosta de neonazistas, fique com eles p’ra você. E nunca esqueça o que os russos fazem dos invasores: congelam eles e descartam.

 

3. Imponha sanções econômicas e financeiras à Rússia. E assista, em desconsolo, aos seus exportadores que começam a perder dinheiro quando a Rússia, em retaliação, bloqueia suas exportações agrícolas. Não esqueça que a Rússia é país que, porque sobreviveu a lista longa de tentativas de invasão, confia já tradicionalmente em estados estrangeiros hostis para que financiem a defesa da Rússia contra eles mesmos. Se não funcionar, os russos recorrerão então a outros meios para conter invasores, como o congelá-los e descartá-los. “Zero gás para membros da OTAN” parece ser excelente slogan. Espero e rezo para que em Moscou, não pegue.

 

4. Prepare ataque contra a moeda nacional do tal país, fazendo-a perder parte do valor ao mesmo tempo em que o preço do petróleo desabe. Assista, desconsolado, às risadas dos funcionários russos no banco central russo, porque o rublo baixo manteve inalteradas as entradas de dinheiro para o Estado, apesar do baixo preço do petróleo, o que consertou algum potencial déficit no orçamento. Assista, desconsolado, a quebradeira entre os exportadores amigos dos autores da receita, porque o que eles exportam é varrido para fora do mercado russo, porque não tem preço para competir. Não esqueça que a Rússia não tem dívida interna, mantém muito bem controlado um microscópico déficit em orçamento, tem gordas reservas em moeda estrangeira e ótimas reservas em ouro. Não esqueça tampouco que os seus [de você, que está seguindo essa receita para preparar o desastre] bancos emprestaram centenas de bilhões de dólares a empresários e empresas russas (as mesmas que, agora, estão sem acesso ao sistema bancário ‘ocidental’, por causa das sanções). Espero e rezo para que a Rússia não congele pagamentos de dívidas a bancos ocidentais até que as sanções sejam levantadas, porque, se a Rússia fizer isso, os bancos ocidentais explodem.

 

5. Assista, em desconsolo, enquanto a Rússia assina grandes negócios de exportação de gás com meio mundo, exceto você. Será que depois que todos tiverem recebido todo o gás de que precisam, ainda restará algum gás p’ra você? Fato é que esse já não é problema dos russos, porque você ofendeu os russos; e, sendo você quem é, os russos já o mandaram à merda (não se esqueça de, quando for, levar junto a Galicia) e, doravante, só negociarão com outros países, mais amigáveis.

 

6. Continue a assistir, desconsolado, enquanto a Rússia procura ativamente meios para romper a maios quantidade possível de laços comerciais que a ligam a você, encontrando fornecedores em outras partes do mundo ou organizando-se para substituir importações.

 

Mas agora vem a surpresa – impressionantemente, para dizer o mínimo, subnoticiada: aRússia acaba de propor um bom negócio à União Europeia. Se a União Europeia recusar-se a associar-se à Parceria Transatlântica para Comércio e Investimento com os EUA (‘parceria’ a qual, por falar disso, ferirá economicamente a própria União Europeia), nesse caso a União Europeia poderá associar-se à União Aduaneira (Eurasiana) com a Rússia. Por que os europeus se deixariam congelar & descartar, se podemos congelar & descartar Washington, em vez deles? Aí está a ‘indenização’ que a Rússia aceitaria, a reparação pelo comportamento ofensivo da União Europeia, contra a Rússia no caso da Ucrânia e das sanções. 

 

Essa oferta-convite, vinda de um país que é estado aduaneiro, é ainda mais generosa. Há muitas e muitas camadas nesse convite-oferta: há aí o reconhecimento de que a UE não representa ameaça militar contra a Rússia nem, tampouco, alguma grave ameaça econômica; a evidência de que países europeus são bonitinhos, pequeninos, fofos e fazem ótimos queijos e salsichas, mas a atual safra de políticos nacionais que está mandando por ‘lá’ é frouxa e acanalhada e controlada por Washington; e precisam de tranco forte para que entendam onde, realmente, estão ancorados os reais interesses de seus países... 

 

Será que a União Europeia aceitará a oferta-convite? Ou acolherá a Galícia como novo estado-membro, e, na sequência será... congelamento & descarte?! *****

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey