Sergei Lavrov: Conter a Rússia: De volta ao futuro?

As limitações da Força

Segunda parte do artigo do Ministro das Relações Exteriores da Federação Russa - Uma lição clara é que respostas unilaterais, consistindo principalmente no uso da força, resultam em impasses e louça quebrada em toda a parte. O catálogo atual de crises não-resolvidas – Iraque, Irã, Líbano, Darfur, Coreia do Norte – é um testamento a isso.

No século XXI, qualquer demora em resolver problemas acumulados traz conseqüências devastadoras para todas as nações. Uma lição clara é que respostas unilaterais, consistindo principalmente no uso de força, resultam em impasses e louça quebrada em toda a parte. O catálogo atual de crises não resolvidos – Iraque, Irã, Líbano, Darfur, Coreia do Norte – é um testamento a isso. A segurança genuína só será alcançada por estabelecer relações normais e empenhar em diálogo. O MRE da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier tinha razão quando ele aconselhou que o mundo de hoje deveria ser baseado em cooperação antes que ameaças militares.

Problemas complexos exigem abordagens completas. No caso do Irã, a resolução de diferenças deve passar pela normalização por todos países das suas relações com Teerão. A normalização também ajudaria a conservar o regime de não proliferação nuclear. Relativamente a Kosovo, a independência (desta província) da Sérvia criaria um precedente que vai além das normas existentes da lei internacional. A inclinação dos nossos parceiros de vergar à chantagem de violência e anarquia em Kosovo contrasta com a indiferença demonstrada aos casos de violência e anarquia semelhante nos territórios palestinos, onde foi tolerado durante décadas enquanto ainda está por estabelecer um estado palestino.

Eliminar o legado da Guerra Fria na Europa, onde a política de contenção era dominante durante demasiado tempo, é especialmente urgente. Criar divisões na Europa encoraja sentimentos nacionalistas que ameaçam a unidade do continente. Os problemas atuais encarados pela União Europeia, em particular, e a política europeia, em geral, não podem ser resolvidos sem que a Europa mantenha relações construtivas e orientadas para o futuro com a Rússia – relações baseadas em confiança mútua. Isto deve ser visto também de interesse aos EUA.

Em vez disso, várias tentativas estão sendo feitas para conter a Rússia, incluindo pela expansão a Leste da Organização do Tratado do Atlântico Norte, em violação de garantias prévias dadas a Moscou. Hoje, os defensores do alargamento da OTAN falam do suposto papel da Organização no nome da democracia. Como é que se promove a democracia pela mão de uma aliança político-militar que produz cenários para o uso da força?

Entretanto, alguns promovem a extensão da OTAN aos países que compõem a Comunidade de Estados Independentes (CEI) como algum tipo de passagem ao clube de estados democráticos, quer que estes países passem a prova democrática, ou não. Não se pode deixar de questionar se esta iniciativa está sendo prosseguida por satisfação moral ou outra vez para conter a Rússia.

Quanto à CEI, a Rússia tem a capacidade de manter a estabilidade social, econômica, e de outras formas na região. A rejeição da Moscou do comércio e relações econômicas politizados e sua adoção de princípios baseado no mercado, testemunham a sua determinação em ter normalidade nas suas relações interestaduais. A Rússia e o Ocidente podem cooperar nesta área mas só por abandonar jogos de poder sem resultado.

A proposta para colocar sistemas de defesa anti-mísseis na Europa oriental é prova do esforço dos EUA para conter a Rússia. Não é coincidência que esta instalação caberia no sistema global de defesa anti-míssil dos EUA que está instalado ao longo do perímetro da Rússia. Muitos europeus exprimem sua legítima preocupação, que estacionar elementos do sistema de defesa anti-míssil dos EUA na Europa, minaria os processos de desarmamento. Por sua parte, a Rússia considera que esta iniciativa seja um desafio estratégico que exige uma resposta estratégica.

A oferta do Presidente Putin de permitir o uso em conjunto da base de radar de Gabala em Azerbaijão, em vez dessas instalações na Europa Oriental – assim como sua proposta, feito quando foi encontrar-se com Presidente George W Bush em Kennebunkport, Maine, em Julho, de criar um controlo regional e sistema de alerta antecipado – fornece uma oportunidade brilhante de achar uma saída da actual situação presente com a dignidade de todas as partes mantida. Como um ponto de partida para um esforço verdadeiramente coletivo nesta área, Rússia está disposta a tomar parte, junto com os Estados Unidos e outros, numa análise em conjunto das ameaças potenciais colocadas de mísseis até ao ano 2020.

O desejo de conter a Rússia claramente manifesta-se também na situação a volta do Tratado de 1990 sobre as Forças Armadas Convencionais na Europa (ou Tratado FCE). A Rússia cumpre o tratado em boa fé e insiste só na única coisa que o tratado promete: segurança em condições iguais. No entanto, o princípio de segurança em condições iguais foi comprometido com a dissolução do Pacto de Varsóvia; entretanto, OTAN permaneceu intacta e depois alargou.

Entretanto, tentativas de corrigir a situação tropeçaram com a recusa dos países membros da OTAN ratificarem a modernização do tratado, sob vários pretextos não relacionados a este, que não têm nenhuma justificação legal e que são inteiramente políticos. A lição a ser aprendida com o impasse do Tratado FCE é que qualquer elemento da arquitectura de segurança global ou europeia, que não é baseado nos princípios de igualdade e benefício mútuo, não poderão ser sustentável. Afinal, se nós não conseguimos adaptar este instrumento velho às novas realidades, não é altura de revisarmos a situação e começarmos a desenvolver um novo sistema de controlo de armamento e medidas para construir confiança, se acharmos que a Europa necessita? Aqui outra vez, um processo de franca discussão em Kennebunkport deu esperança que há maneiras de tomar um passo em frente e colocar em força o tratado adaptado.

Para além da Guerra Fria

É altura de enterrar o legado da Guerra Fria e estabelecer estruturas que encontrem os imperativos desta era – particularmente desde que a Rússia e o Ocidente não são mais adversários e não desejam criar a impressão que essa guerra é ainda uma possibilidade na Europa. O caminho para a confiança jaz num processo de franco diálogo e debate, baseado em raciocínio argumentado, assim como interações baseadas numa análise das ameaças. De momento, no entanto, a Rússia é excluída de processos de análise em conjunto, sem fundamentos razoáveis. Em vez disso, é aconselhada acreditar nas capacidades analíticas e boas intenções boas dos seus parceiros.

Os russos não sofrem de um sentido de excepcionalismo, mas também não consideram suas capacidades analíticas e ideias inferiores a aqueles dos outros. A Rússia responderá para salvaguardar sua segurança nacional, e por assim fazer será guiada pelo princípio de "suficiência razoável". Entretanto, sempre manterá a porta aberta para ação positiva em conjunto para salvaguardar os interesses comuns baseado em igualdade. Isto é a única abordagem séria aos interesses nacionais de segurança.

No seu discurso em Munique, Presidente Putin convidou todos os parceiros da Rússia a lançarem uma discussão séria e substantiva sobre o estado atual das relações internacionais, que está longe de ser satisfatório. A Rússia está convencida que uma atitude de amigo/inimigo deve ser uma coisa do passado. Se os esforços estão sendo empreendidos para "opor-se ao comportamento negativo da Rússia," como se pode esperar que a Rússia coopere em áreas de interesse para seus parceiros? Tem-se que escolher entre contenção e cooperação. Isto tem ligação ao acesso da Rússia à Organização Mundial do Comércio, o Banco de Desenvolvimento Asiático, à continuação sem razão da emenda de Jackson-Vanik de 1970, que nega à Rússia relações comerciais normais com os Estados Unidos.

As relações EUA-Rússia ainda gozam dos benefícios estabilizantes de uma relação próxima e honesta profissional entre Presidente Putin e Presidente Bush. Ambos os países e povos compartilham a memória da sua vitória em conjunto sobre o fascismo e sua saída em conjunto da Guerra Fria, que só por si os une. Caso prevaleça uma parceria de iguais nas relações EUA-Rússia, muito pouco será impossível para as duas nações alcançarem.

Os desafios são muitos – a luta contra o terrorismo internacional, crime organizado e o comércio de droga; a procura para uma proteção realista contra o clima; o desenvolvimento de energia nuclear enquanto se fortalecem os esforços de não proliferação; a busca de segurança global de energia; e a exploração do espaço. Cooperação prática nestes e outros desafios não deve ser sacrificada no altar da renovada política de contenção.

Neste momento, o anti-americanismo não é tão comum na Rússia como em outras partes. Mas um retorno à contenção, e para o pensamento baseado nos blocos que o acompanha, poderia desencadear alienação mútua entre americanos e russos. As tensões evidentes nas relações EUA-Rússia demonstram a necessidade para um grupo de trabalhado de alto nível para encontrar maneiras para promover a cooperação no futuro. Os presidentes de Rússia e os Estados Unidos apoiam a ideia de tal grupo, encabeçado pelos antigos estadistas Henry Kissinger e Yevgeny Primakov.

Ambos os lados devem demonstrar uma visão tolerante e imparcial, que representa a Rússia e os Estados Unidos como dois ramos de civilização europeia. A Rússia, os Estados Unidos e a União Europeia devem trabalhar juntos para preservar a integridade do espaço euro-atlântico na política global. Como Jacques Delors disse, sempre que esta troika "é dividida por diferenças, sempre que cada partido faz seu jogo, o risco da instabilidade global aumenta muito”.

Então por quê não ficarmos juntos e agirmos no espírito de justa cooperação e competição baseada em padrões comuns e respeito para lei internacional? Na reunião de Kennebunkport em julho, Presidente Putin e Presidente Bush demonstraram o que o trabalho em equipa pode ser alcançado. Concordaram procurar abordagens comuns para a defesa anti-míssil e reduções estratégicas de armamento, e eles lançaram novas iniciativas na área de energia nuclear e não-proliferação. A Rússia e os Estados Unidos não têm nada a dividi-los; com os outros parceiros, eles compartilham a responsabilidade para o futuro do mundo. Não é Rússia que necessita ser contida; é aqueles que privariam o mundo dos benefícios que viriam de uma parceria forte entre os EUA e a Rússia.

Sergei LAVROV

Ministro das Relações Exteriores da Federação Russa


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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey