Forças políticas influentes em ambos os lados do Atlântico aparecem dedicadas a começar um debate sobre a "contenção" da Rússia. O simples facto que a questão é colocada sugere que para alguns, quase nada mudou desde a Guerra Fria.
O quê é que um retorno à contenção é suposto conseguir já que a Rússia abandonou a ideologia e aspirações imperiais em favor de pragmatismo e bom senso? Qual é o propósito de conter um país que se desenvolve com êxito e assim naturalmente fortalece sua posição internacional? Qual a razão para conter um país que aspira a questões tão básicas como o comércio internacional?
Não deve constituir nenhuma surpresa que a Rússia hoje utiliza suas vantagens competitivas naturais. Também investe nos seus recursos humanos, encorajando a inovação, integração na economia global, e moderniza a sua legislação. A Rússia quer que a estabilidade internacional apoie o próprio desenvolvimento. Assim, trabalha para o estabelecimento de uma comunidade internacional mais livre e mais democrática.
A nova política de contenção pode ter as suas origens numa lacuna substancial entre as aspirações da Rússia e dos EUA. A diplomacia dos EUA procura transformar o que Washington considera governos "não-democráticos" ao redor do mundo, reorganizando regiões inteiras no processo. A Rússia, com sua experiência com a revolução e extremismo, não pode subscrever a qualquer projeto desta natureza, ideologicamente guiado, especialmente quando vem do estrangeiro. A Guerra Fria representou um passo para fora do padrão de soberania de estado de Westphalia, que colocou valores além do alcance de relações inter-governamentais. Um retorno a teorias da Guerra Fria tal como contenção só levará a confrontação.
Em contraste com a União Soviética, Rússia é um país aberto que não erige paredes, quer físicas, quer políticas. Pelo contrário, Rússia apoia a remoção das barreiras de
vistos e outros obstáculos artificiais em relações internacionais. Apoia a democracia e a economia de mercado como as bases de direito para a ordem social e política e a vida económica.
Embora a Rússia tenha muito caminho para percorrer, escolheu um caminho de desenvolvimento que implica mudanças nunca antes vistas, e às vezes dolorosas. A sociedade russa alcançou um consenso amplo que estas mudanças devem ser evolutivas e livres de revoltas. Finalmente, uma democracia madura, com uma sociedade civil vibrante e um sistema de partidos políticos bem estruturado, emergirá de um nível mais alto de desenvolvimento social e económico. Isto exige uma classe média substancial, que não se pode criar de um dia para outro. Nos anos 90, só apareciam de noite para dia os magnatas russos, e esses dias terminaram definitivamente.
Energia friccional
Os países dependentes em fontes externas de energia criticam a Rússia por assumir seu papel naturalmente grande no setor global de energia. No entanto, esses países devem reconhecer que essa dependência de energia é recíproca, desde que armazenagem não é uma escolha sábia para um país que exporta energia. Essa é a razão pela qual a Rússia nunca deixou de cumprir qualquer de seus contratos sobre hidrocarbonetos com países importadores. No entanto, a Rússia considera a energia como setor estratégico que ajuda a salvaguardar a independência nas suas relações exteriores. Isto é compreensível face às reações externas negativas ao fortalecimento da economia russa e o papel mais importante nas relações internacionais, em que a Rússia usa de forma legal a sua liberdade de acção e de expressão, que adquiriu recentemente. Não deve ser criticada por aqueles que temem uma Rússia mais forte.
A política do governo russo na área de energia reflete uma tendência global em direção ao controle de estado sobre os recursos naturais. Noventa por cento das reservas de hidrocarbonetos no mundo estão sob alguma forma de controle de estado. Tal controle de estado de recursos de energia é compensado, no entanto, pela concentração da alta tecnologia de nas mãos de corporações privadas transnacionais. Assim, há incentivos para cooperação entre as partes, com cada uma a partilhar o mesmo objetivo de encontrar os requisitos de energia da economia mundial.
A Rússia persegue uma política externa que contrasta muito do internacionalismo ideologicamente motivado da União Soviética. Hoje, a Rússia acredita que essa diplomacia multilateral baseada na lei internacional deve gerir as relações regionais e globais. Como a globalização se estendeu além do Ocidente, a concorrência tornou-se verdadeiramente global que é nada menos do que uma mudança de paradigma. Estados concorrentes devem agora levar em conta valores e padrões de desenvolvimento divergentes. O desafio é estabelecer imparcialidade neste complexo ambiente competitivo.
A abordagem lógica é para países focalizarem nas suas vantagens competitivas sem impor seus valores sobre outros. As tentativas dos EUA em assim fazer enfraqueceram a posição competitiva do Ocidente. Como disse Eberhard Sandschneider, diretor do Instituto de Pesquisa da Sociedade alemã para Política Estrangeira, as políticas dos EUA nos anos recentes "estragaram tremendamente a imagem do Ocidente" na Ásia e África. Conclui que nada, ou quase nada, foi feito para tornar valores Ocidentais atraentes às populaçõesasiáticas ou africanas. Não se pode responsabilizar a Rússia por isso.
No seu discurso em Munique na primeira parte deste ano, o Presidente russo Vladimir Putin declarou o óbvio quando disse que um "mundo unipolar" não tinha conseguido materializar-se. A experiência recente demonstra tão claramente que nunca, nenhum estado nem grupo de estados, possui os recursos suficientes para impor sua vontade sobre o resto do mundo. A hierarquia talvez pareça atraente a alguns envolvidos em negócios globais, mas é totalmente irreal. Uma coisa é respeitar a cultura e civilização norte-americana; é outro cingir-se ao Américo-centrismo.
O novo sistema internacional não tem um, mas sim, vários atores, e sua liderança coletiva é necessitada para administrar as relações globais. Este multipolarismo encoraja diplomacia de rede como a melhor maneira para os estados alcançarem os seus objetivos comuns. Neste sistema, a Organização das Nações Unidas torna-se pivotal, providenciando através da sua Carta os meios para discussão e acção comum.
Sergei LAVROV
Ministro das Relações Exteriores da Federação Russa
Segue amanhã a segunda parte deste artigo
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