No ano passado, pouco tempo depois do falecimento do ex-agente russo Aleksandr Litvinenko, afirmamos (no artigo Porque Putin não matou Politkovskaya e Litvinenko ) que sua morte não poderia ter sido causada pelas autoridades russas, por uma simples razão: o governo de Putin não ganharia nada com a morte de um ex-agente que já tinha revelado tudo o que sabia há muitos anos, mas perderia prestígio internacional.
Embora não seja possível saber quem foi o responsável pelo assassinato de Litvinenko, o mais provável é que tenha sido alguém com interesses em macular a imagem da Rússia no exterior e agravar suas relações com a Europa Ocidental.
Os últimos acontecimentos na Grã-Bretanha parecem confirmar essa suspeita. As autoridades britânicas acusam Andrei Lugovoi, também ex-agente do serviço secreto russo, de ter envenenado Litvinenko com polônio 210, um elemento radioativo, e por isso exigem sua extradição. A Rússia se recusa, já que sua constituição não permite a extradição de seus cidadãos, mas afirmou que poderia abrir um processo contra Lugovoi, caso as autoridades britânicas apresentem evidências. Mas a questão é que não apresentaram nenhuma; aliás, a imprensa fala com segurança que Litvinenko foi envenenado com polônio 210, mas isso é apenas uma hipótese: até hoje, quase 8 meses depois de sua morte, ainda não foram liberados os resultados oficiais da autópsia.
Devido à recusa da Rússia em cooperar, o Reino Unido afirma que dará uma resposta dura, que provavelmente será a expulsão de alguns diplomatas e o cancelamento de projetos comuns, inclusive talvez vetar o estabelecimento de um regime sem vistos entre a Rússia e a União Européia.
Mesmo que Lugovoi seja culpado, a posição britânica é intransigente e política: se recusa a aceitar o julgamento de Lugovoi na Rússia, e está usando um caso criminal como arma política. Por décadas o Brasil se recusou a extraditar o ladrão Ronald Biggs, alegando o mesmo que a Rússia, que suas leis não permitem a extradição, e nem por isso o Reino Unido expulsou diplomatas brasileiros ou cancelou acordos. A resposta britânica, surpreendentemente dura, e sua recusa de divulgar informações sobre o caso, apóiam a versão de que a morte de Litvinenko, longe de ser um mero caso criminal, foi planejada e executada para prejudicar as relações com a Rússia.
Por outro lado, no Reino Unido há duas pessoas buscadas pela justiça russa há anos: o auto-proclamado ministro do exterior da Tchetchênia Akhmed Zakayev, e o magnata corrupto Boris Berezovski. A Rússia já passou ao Reino Unido e à Interpol evidências que ligam Zakayev com ataques terroristas (inclusive com o seqüestro do teatro Dubrovka em 2002, que causou a morte de 129 reféns), e crimes econômicos cometidos por Berezovski. Este também já afirmou na imprensa ocidental, mais de uma vez, que está planejando derrocar o governo de Putin através da força, a última em abril deste ano. A justiça britânica diz que as evidências russas são inconclusivas, e que Berezovski simplesmente está exortando a população à resistência pacífica, não a ações ilegais.
No entanto, em entrevista a The Guardian , Berezovski diz claramente que precisamos usar a força contra este regime (o governo de Putin), e não há como negar que ele não está se referindo a meios democráticos ou constitucionais, mas sim à violência. E para confirmar ainda mais as atividades criminais de Berezovski, semana passada ele passou a ser buscado também pela justiça brasileira por lavagem de dinheiro.
Não resta a menor dúvida que, ao contrário do que afirmam as autoridades britânicas, não é a Rússia quem se recusa a ajudar a fazer justiça em um caso criminal. Se fornecerem evidências suficientes, é bem provável que Lugovoi seja acusado pela morte de Litvinenko, caso ele seja realmente o responsável e em que afeta a justiça britânica se Lugovoi cumpre sua pena em uma prisão russa? Por outro lado, é inaceitável que o governo britânico se recuse a processar terroristas e golpistas, e até mesmo lhes dê asilo e cidadania. Seja quem for que tenha matado Litvinenko, alcançou seu objetivo: as relações entre Rússia e Reino Unido nunca estiveram tão ruins como agora.
Carlo Moiana
Pravda.ru
Buenos Aires
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