Na 4ª-feira, o Pentágono distribuiu sua "2015 National Military Strategy", documento de 24 páginas com a fórmula para governar o mundo com força militar. Embora a linguagem do relatório seja mais sutil e menos incendiária que documentos similares no passado, a determinação de perseguir unilateralmente os interesses dos EUA mediante violência extrema lá está e continua como pedra angular da nova estratégia.
Leitor algum encontrará ali nem vestígio de qualquer remorso pela vasta destruição e perda de incontáveis vidas que os EUA causaram em países que absolutamente não eram, nem remotamente, ameaça à sua segurança nacional. Em vez disso, o relatório só manifesta a vontade férrea de seus autores e eleitores da elite branca norte-americana de dar continuidade à carnificina e ao derramamento de sangue até que rivais potenciais tenham sido mortos ou eliminados e até tempo tal que Washington sinta-se segura de que seu controle sobre as alavancas de comando do poder global não possa ser contestado.
Como já se devia esperar, o NMS-2015 esconde essas intenções hostis e beligerantes por trás de uma linguagem falsa de "segurança nacional". Os EUA não iniciam guerras de agressão contra estados sem culpa de coisa alguma que possuam grande quantidade de recursos naturais. Não. De jeito nenhum. Os EUA apenas tratam de "desafios à segurança nacional" para "proteger a pátria mãe" e para "fazer avançar nossos interesses nacionais". Como poderia alguém ver algum erro nisso, se, afinal de contas, os EUA estão sempre, e só, tentando trazer mais e mais paz e democracia ao Afeganistão, ao Iraque, à Líbia e, mais recentemente, à Síria?
No Prefácio, o Comandante do Estado-maior da Forças Conjuntas general Martin Dempsey tenta preparar o povo norte-americano para um futuro de guerras sem fim:
"Conflitos futuros chegarão mais rapidamente, durarão mais tempo e acontecerão em campo de batalha tecnicamente muito mais desafiador (...) Temos de ser capazes de nos adaptar a novas ameaças, ao mesmo tempo em que preservamos vantagem comparativa sobre as ameaças tradicionais (...) a aplicação do instrumento militar de poder contra estados que nos ameacem é muito diferente da aplicação de poder militar contra não estados que nos ameacem. É mais provável que enfrentemos campanhas prolongadas, que conflitos que são resolvidos rapidamente (...) esse controle da escalada está-se tornando mais difícil e mais importante" (Document: 2015 U.S. National Military Strategy, USNI News).
Guerra, guerra e mais guerra. Eis a visão de futuro do Pentágono. Diferente de Rússia ou China, as quais têm um plano para uma zona integradas de livre comércio UE-Ásia (Rota da Seda), que aumentará a oferta de empregos, melhorará a infraestrutura vital e fará subir os padrões de vida, os EUA só veem à frente mais morte e mais destruição. Washington não tem qualquer estratégia para o futuro, visão zero para um mundo melhor. Só guerra; guerra assimétrica, guerra tecnológica, guerra preventiva. Toda a classe política e seus patrões pagadores na elite apoiam unanimemente o projeto de governar o mundo pela força das armas. Esse é o inescapável significado desse documento. Os EUA têm planos para manter sua mão pesada sobre o poder global maximizando o uso de seu maior patrimônio: sua força militar.
E quem está no campo de mira dos militares? Vejam esse excerto de artigo publicado em Defense News:
"A estratégia especificamente designa Irã, Rússia e Coreia do Norte como ameaças agressivas à paz global. Menciona também a China, mas estranhamente o parágrafo começa por declarar que o governo Obama deseja "apoiar o crescimento da China e encorajar que se torne parceira para maior segurança internacional". Na sequência, o documento traça uma linha entre China aliado econômico e China concorrente regional.
"Acredita-se que nenhuma dessas nações está procurando conflito militar direto com os EUA ou nossos aliados" - diz a estratégia. - "Mesmo assim, cada uma dela causa graves preocupações de segurança que a comunidade internacional trabalha para enfrentar coletivamente, mediante políticas comuns, mensagens partilhadas e ação coordenada" (Pentagon Releases National Military Strategy, Defense News).
Viram a parte final? "Nenhuma dessas nações está procurando conflito militar direto com os EUA ou nossos aliados. Mesmo assim, cada uma dela causa graves preocupações de segurança".
Em outras palavras, nenhum desses países quer lutar contra os EUA, mas os EUA querem lutar contra eles. E os EUA entendem que seria justificado lançar guerra contra esses países, porque... bem... porque todos controlam vastos recursos, têm enorme capacidade industrial, ocupam área do mundo que interessa geopoliticamente aos EUA, ou porque simplesmente são estados que desejam preservar a própria independência soberana, o que, é claro, é crime. Segundo Dempsey, qualquer dessas desculpas esfarrapadas seria justificativa suficiente para conflito, principalmente porque esses estados "causam graves preocupações de segurança" aos EUA, o que, traduzido, significa que podem minar o papel dominante dos EUA como única potência mundial.
O NMS devota atenção especial à Rússia, inimigo 'prêmio-do-mês de Washington, país que teve a audácia de defender seus próprios interesses de segurança depois de um golpe de estado comandado pelo Departamento de Estado dos EUA na vizinha Ucrânia. Por essa audácia, Moscou deve ser castigada. Do relatório:
"Alguns estados contudo estão tentando modificar aspectos chaves da ordem internacional e estão agindo de modo que ameaça nossos interesses de segurança nacional. Ao mesmo tempo em que a Rússia contribuiu em áreas selecionadas de segurança, como combate às drogas e o contraterrorismo, ela também tem repetidas vezes desrespeitado a soberania de seus vizinhos e está disposta a usar força para alcançar seus objetivos. As ações militares da Rússia estão minando a segurança regional, diretamente e através de forças suas substitutas. Essas ações violam inúmeros acordos que a Rússia firmou e pelos quais se comprometeu a agir de acordo com as normas internacionais" (2015 NMS).
Rússia é país 'do mal' porque a Rússia recusou-se a calar o bico e pôr-se de lado enquanto os EUA derrubavam o governo da Ucrânia, instalaram em lugar dele em Kiev um pateta que recebe ordens dos EUA, precipitaram uma guerra civil entre as várias facções, deram a neonazistas posições de poder nos serviços de segurança, jogaram a economia em desgraça, insolvência e ruína e inauguraram um quartel-general da CIA em Kiev para comandar todo os confrontos à bala. Por tudo isso, claro, a Rússia é do mal e tem de ser castigada.
Mas será que, à parte o discurso grandiloquente, Washington está considerando seriamente uma guerra contra a Rússia?
Eis um excerto do documento, que ajudará a esclarecer essa questão:
"Ao longo da última década, nossas campanhas militares consistiram primariamente de operações contra redes extremistas violentas. Mas hoje e no futuro previsível, temos de dedicar grande atenção aos desafios representados por atores estatais. Esses têm cada vez mais capacidade para capacidade para contestar movimento regionais de libertação e ameaçar nossa pátria. Particularmente preocupante é a proliferação de mísseis balísticos, tecnologias para ataques de precisão, sistemas não tripulados, capacidades espaciais e ciber e tecnologias para armas de destruição em massa (ADM) desenhadas para conter qualquer vantagem militar dos EUA e impedir o acesso aos comuns (commons) globais" (2015 NMS).
Aos meus ouvidos soa como se os broncos machões de Washington já tenham decidido o que fazer. A Rússia é inimiga, logo, a Rússia tem de ser derrotada. O que mais se poderia fazer para enfrentar "estado revisionista" que "ameaça nossa pátria"?
Destruí-lo com bombas "Corta-Margarida", é claro. Como se faz com qualquer outro inimigo.
A NMS oferece um longo rol de justificativas para provocar guerras contra inimigos (imaginários) dos EUA. Fato é que o Pentágono vê fantasmas até embaixo da cama. Sejam "novas tecnologias", "mutações demográficas" ou diferenças culturais; tudo é tido como ameaça potencial aos interesses dos EUA, especialmente qualquer coisa que tenha qualquer relação, remota que seja, com a "competição por recursos". Nessa visão viciosa da realidade, vê-se como a invasão do Iraque foi 'lógica': Saddam, que controlava as massivas reservas de petróleo do Iraque era, sim, ameaça direta à hegemonia dos EUA. Naturalmente, tinha de ser removido do poder. Naturalmente, mais de um milhão de pessoas tinham de ser mortas, para acertar as coisas e devolver o mundo a um estado de equilíbrio.
Essa é a visão prevalecente na Estratégia Militar Nacional dos EUA para 2015, quer dizer, qualquer crime que os EUA cometam deixa de ser crime se for cometido pelos EUA.
Os leitores não devem esperar novidades nessa NMS. É vinho velho em odre novo. O Pentágono apenas requentou a Doutrina Bush, suavizando a retórica. Ninguém precisa assustar os eleitores falando de unilateralismo, prevenção, descarte da legislação internacional e agressão não provocada. Mesmo assim, todos já sabemos que os EUA farão o diabo que bem entendam, para manter intacto o império. A Estratégia Militar Nacional dos EUA 2015 apenas confirma esse desgraçado fato. ******
4-5/7/2015, Mike Whitney, Counterpunch
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