Já é costume considerar os negócios de energia em termos de riscos políticos (governos falidos, agitação interna, etc.) e em termos de risco econômico convencional. E no passado considerava-se primordial avaliar o risco geopolítico. Entendia-se que a política determinava largamente as condições financeiras e de energia. Uma vinha depois da outra, e não mudava. Mas [esse modelo] será ainda apropriado hoje?
Talvez devamos começar a reavaliar - porque hoje, cada vez mais, é o risco geofinanceiro que está modelando o risco geopolítico.
Na circunstância especial do pós-guerra, a economia dos EUA efetivamente era a única economia desenvolvida que permanecia em pé (dominava 50% do comércio mundial); e os EUA podiam modelar as estruturas de Bretton Woods a favor da sua própria agenda - com o dólar na posição indiscutível de moeda global de reserva, e com influência dominante no FMI e no Banco Mundial. Assim os EUA conseguiram pegar para eles a governança econômica global.
Depois, passada a infeliz experiência dos EUA e suas intervenções militares decisivas por todo o mundo para manter seu controle sobre a ordem global, o Tesouro dos EUA passou a alavancar a posição privilegiada do dólar com o que se pode chamar de "guerras do Tesouro". Usando com liberalidade, a favor de seus objetivos políticos a sua bomba (financeira) de nêutrons: a exclusão do comércio e do sistema financeiro baseados no dólar.
Hoje, temos guerra geofinanceira movida contra a Rússia (em menor extensão também contra a China) e o Irã, dentre outros. E a mesma ferramenta tem sido usada mais discretamente para deslocar chefes de governos europeus. Em resumo, as guerras do Tesouro tem usado guerra de informação, guerra psicológica, drones e 'operações especiais' como ferramentas principais para manter o controle numa ordem global que se está desintegrando.
A questão é que ao introduzir nova dimensão de risco, empurrando Rússia e China a desenvolver sistema de comércio e de trocas financeiras não baseado no dólar com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade desses dois estados à ação dos EUA na jurisdição do dólar, os EUA embarcaram numa competição que afetará todos - mas muito particularmente o Oriente Médio. Já se veem Irã, Turquia e Egito (três pilares do Oriente Médio) - por diferentes razões - já se transferindo para o bloco eurasiano do não dólar.
Inevitavelmente os fluxos de energia para o futuro serão afetados pelo resultado dessa 'guerra' geofinanceira. Nada faz supor que o modelo de diferentes alianças geofinanceiras que emerge dessa 'guerra' venha a corresponder ao mapa político hoje existente (pós Guerra Fria).
O mais provável é que os dois lados venham a se 'interpenetrar'. Por exemplo, no Oriente Médio, haverá vencedores e perdedores entre os produtores de energia: alguns estados da OPEP podem acabar num lado da guerra financeira, outros, no lado oposto.
O que faz aumentar os riscos (e a imprevisibilidade) dessa nova modalidade de guerra, é que acontece num momento em que as políticas de juros zero [ZIPR, zero interest rate policy] e de Alívio Quantitativo [QE, quantitative easing] criaram uma imensa dívida ($9 trilhões) denominada em dólar e muito vulnerável a oscilação da taxa de câmbio - mas isso é, precisamente, o que temos hoje.
A 'guerra' dos preços do petróleo contribuiu para as guerras da moeda: temos 'guerra' de sanções operando ao lado da 'guerra' das taxas de câmbio, ao lado das 'guerras' da moeda e das 'guerras' dos preços da energia - e tudo isso acontecendo ao mesmo tempo em que foi inflada uma das maiores bolhas de ativos na história, e que foi inflada pelo nosso tsunami, sem precedentes, de emissão de moeda.
Ninguém sabe o que resultará dessa mistura incendiária (a economia tradicional pouco pode ajudar) - mas o que é certo é que produtores e consumidores de energia, ambos, têm de examinar os riscos, de um ponto de vista radicalmente diferente.
Esse ponto de vista mistura a realidade da vulnerabilidade financeira sistêmica, com a dinâmica da guerra geofinanceira que alguns países estão fazendo, ao mesmo tempo em que outros países e regiões buscam escapar da hegemonia dos EUA, construindo contexto de não dólar.
Não há dúvidas de que o mapa dos oleodutos futuros e a direção do fluxo do óleo que eles transportarão serão largamente determinados por essa guerra complexa. Haverá perdedores gigantes e vencedores idem. *****
Alastair Crooke, Valdai Discussion Club (11/4/2015) - 16/4/2015, Conflict Forum
http://www.conflictsforum.org/2015/geo-financial-risk-in-wake-of-the-treasury-wars/
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