Por PEDRO VALLS FEU ROSA
Há alguns meses o mundo tomou conhecimento do horror que se desenrolava nas prisões mantidas pelos órgãos de segurança norte-americanos. A imprensa divulgou, chocando todo o planeta, o caso de um preso submetido a 83 sessões de tortura ao longo de um mês a cada nove horas, pois.
Neste caso, a tortura consistia em simular o afogamento, mergulhando a cabeça do preso repetidas vezes dentro de um tanque. Noticiou-se que um outro preso foi ainda mais infeliz: passou por 183 sessões de tortura ao longo de 30 dias. Sim, a cada quatro horas durante todo um mês este preso era retirado de sua cela e submetido a uma sessão de tortura!
Todos estes procedimentos foram registrados, gravados, filmados e documentados. Faziam parte até de uma chocante coleção de orientações escritas. Cito um exemplo: havia o costume de se amarrar os presos a uma cadeira cujo encosto era fortemente inclinado. Aí, enfiavam um pedaço de pano na boca do preso e ficavam derramando água, dificultando ou mesmo inviabilizando a respiração. Acredite: as autoridades governamentais norte-americanas estabeleceram que não se poderia jogar água por mais de 40 segundos a cada vez.
Outros torturadores eram menos sutis - gostavam de arremessar os presos contra paredes. Mas não eram paredes comuns: eram de um tipo especial que desabava sob o choque violento de um corpo. De forma a evitar que a coluna vertebral dos presos se quebrasse, os policiais foram orientados pelo governo, por escrito, a colocar pedaços de pano ao redor do pescoço deles.
Nem bem o mundo havia se recuperado das notícias desta barbárie oficializada, outra surgiu. Trata-se dos Manuais de Interrogatório das forças armadas do Reino Unido, objeto de recente divulgação pela própria imprensa daquele país.
Lê-se, neles, que os interrogadores deveriam provocar humilhação, insegurança, desorientação, exaustão, ansiedade e medo nos prisioneiros que questionavam. Assim, uma apresentação em PowerPoint, datada de setembro de 2005, ensinava que a primeira coisa a se fazer era retirar a roupa dos presos. Um outro manual orientava a colocar vendas sobre os olhos dos presos. Um terceiro, datado de 2008, sugeria que os presos fossem colocados em situação de desconforto físico isto incluía não permitir que dormissem mais de quatro horas contínuas.
Um grupo de advogados britânicos colecionou diversos casos nos quais foram aplicadas estas orientações. Chegaram a 11 de tortura por choques elétricos, 52 de privação do sono e até 39 nos quais os presos foram mantidos nus e humilhados por longos períodos.
Aliás, sobre este último caso, a orientação era fazer uma revista detalhada no preso tão logo suas roupas fossem retiradas esta revista seria parte de um processo de condicionamento, nada tendo a ver com segurança.
O mais chocante nisto tudo é que uma das apresentações em PowerPoint dizia que estas técnicas haviam sido desenvolvidas durante décadas por interrogadores militares servindo em Bornéu, Malásia, Arábia, Palestina, Chipre e Irlanda do Norte.
É diante da banalização do horror e da crueldade simbolizada por estas lições de barbarismo institucionalizado, objeto de inspiração de tantos monstros pelo planeta afora, que ficamos a recordar as palavras de Auguste Rodin: a civilização não é, em suma, senão uma camada de pintura que qualquer chuvinha lava.
PEDRO VALLS FEU ROSA é Desembargador do Poder Judiciário Brasileiro, Presidente do Tribunal Eleitoral do Estado do Espírito Santo.
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter