No mês passado recebi a visita do Emanuel. Não aquele da Bíblia, mas o grande Emanuel Medeiros, escritor catarinense, revolucionário, combatente da ditadura.
Não que esteja desprezando o bíblico. Reinterpretação hebréia de milenar mito solar ou factual, não deixou de também ter seu significado de reação à opressão. Mas o que importa aqui é o escritor Medeiros Vieira que mora em Brasília e veio para o lançamento de seu livro: Olhos Azuis Ao sul do efêmero.
Só para que se tenha uma prévia do livro desse autor de extensa obra publicada, reproduzo um parágrafo de Anderson Braga Horta comentando o Emanuel na orelha dos Olhos Azuis: ... é a história de uma consciência. O repassar de uma vida, numa espécie de Juízo. O fluxo de uma consciência que se retrata. Autocrítica. Catarse. Pois é também tudo isso, e comporta mais. Por exemplo (meio de raspão, embora), a orfandade do escritor brasileiro em face de uma imprensa e de um parque editorial alienados
Por aí já se pode ter alguma dimensão da densidade dos escritos do Emanuel, portanto isso de efêmero deve ser figura de linguagem a ser conferida na leitura que, confesso, ainda não procedi. Mas adianto que tampouco a constituição física do autor passa despercebida: um baita homem da cara grande e sorriso abrangente, a desfiar memórias que encantam e roubam, ciumentas, a atenção à Célia, sua bela e baiana esposa com quem troquei impressões das lamentáveis degradações sofridas pelo amado estado, ao longo dos 40 anos de ditadura Carlista. É o demo!
Ou foi... Fiquei ali dividido entre a Célia e nossos otimismos por melhores tempos baianos com o despacho de ACM a Exu Marawô, e as gostosas reminiscências do Emanuel que fala de todo o Brasil no jeitão daqueles que onde estiverem estão em casa, por serem filhos do mundo. E, por trás de uma câmara fotográfica, o amigo e vizinho, jornalista e historiador Celso Martins, ia registrando em imagens a conversa gostosa de uma manhã em que as louças jaziam abandonadas na pia. Devem ter resmungado suas sujidades, mas com um Emanuel Medeiros Viera daqueles em minha frente, eu ia lá dar ouvidos a pratos, talheres e panelas?
Fui degustando tudo o que falava o Emanuel e não vou tentar reproduzir aqui porque, como diz o Braga Horta, é de uma fluidez e catarse tão densa e caudalosa que quando o casal se foi a casa ficou meio que vazia e sem sentido. Olhei ali pras louças me esperando e me vinguei do incômodo da tarefa matutina: - Querem saber? Amanhã! Hoje vou só curtindo o rastro de simpatia que se deixou no ar.
Chega hoje o Emanuel me escreve lá de Portugal, para onde partiu a convite por umas palestras em colégios, universidades, entidades culturais e consulados. Daí lembrei-me de quando a imprensa brasileira fez o maior alarde pelo Fernando Henrique Cardoso, ainda presidente, ter recebido o título de doutor-honoris causa da Universidade de Coimbra.
Quem pesquisar no Google encontrará que Lula já recebeu o mesmo título de universidades de tudo quanto é lugar do mundo, afora outras tantas Grã Cruzes, medalhas e honrarias diversas; mas que não reclame nem estranhe pela ausência de qualquer referência no jornalismo diário, hebdomadário ou mensal. Acontece que o chique no caso do Efeagá, era aquele barrete com pingentes de pompons vermelhos - talvez grená, nos falares coimbrãs - igualzinho a um abajur que vi ao lado da cabeceira de uma grande amiga prostituta.
- Prostituta é doença. Eu sou é Puta mesmo! diz quando toma umas e outras, esta figura de quem algum dia preciso contar. Na época, telefonei a ela assim que vi seu abajur na cabeça do Fernando Henrique. Respondeu lacônica, lá do outro lado da linha: - A cor é a mesma, mas no meu a iluminação funciona!
Nessa lembrança (do Efeagá, não da amiga puta e doutora honoris causa da Conselheiro Mafra), novamente se reproduz os agradáveis momentos da visita do Emanuel, relembrando os difíceis tempos de quando liderava, com outros companheiros, a reação à ditadura militar aqui no estado. Isso provavelmente foi antes de ser exilado, mas o ponto do relato era o de uma visita à Florianópolis do Fernando Henrique Cardoso, quando reclamou ao Emanuel durante um jantar da falta de contundência dos combatentes de Santa Catarina com os representantes locais do regime. O radical Efeagá considerou faltar consistência na luta dos companheiros barriga-verde.
A revelação do escritor me espantou e contei que na campanha de 2002, vi pela TV o mesmo Efeagá abraçado à Bornhausen e dizendo que viera pedir voto ao Senador não por ser seu aliado político, mas, sim, por serem amigos de longa data.
O Celso Martins saiu lá de trás de sua câmara (não de TV, mas uma Nikon digital toda preparada). A Célia sorriu. O Emanuel meneou e nenhum de nós quatro dizemos nada. Não precisava! Mas na efemeridade de nossos olhares havia uma densidade que só as estúpidas das minhas louças não se aperceberam.
Raul Longo
[email protected]
[email protected]
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter