Por ANTONIO CARLOS LACERDA
SÃO PAULO/BRASIL - Em Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo, Sudeste do Brasil, a dona-de-casa Sueli de Paula Viana, de 53 anos, divide a sua vida em duas etapas. Na primeira, até os 25 anos, ela foi uma ativa dona-de-casa, mãe de três filhos. Na segunda, ela é uma mulher doente, impedida de trabalhar e que sofre de dores crônicas nas costas e nas pernas e hemorragias.
A vida de Sueli foi transformada repentinamente por uma tesoura cirúrgica de 20 cm, esquecida entre o seu abdome e o baço pela equipe médica que fez a cesariana de seu terceiro filho, em 5 de maio de 1983.
Desde a cirurgia, Sueli passou a sentir fortes dores em todo o corpo e a ter um sangramento que a obrigava a trocar a roupa a cada 20 minutos. Em sua barriga havia uma ferida purulenta que não fechava e a impediu de ter uma vida normal.
Ela visitou mais de dez médicos do sistema público de saúde (SUS) da região, mas em nenhum teve um diagnóstico correto. "Os médicos detectaram como cólica menstrual", disse Sueli. Segundo ela, os médicos não pediam raio-x e não conseguiam explicar ou tratar suas incessantes dores.
Vários profissionais receitaram antibióticos, que Sueli tomou diariamente durante cerca de 15 anos. Como nada adiantava, ela parou de insistir na rede pública de saúde e disse: "Perdi a fé nos médicos."
Por causa de sua situação, Sueli não conseguiu mais trabalhar. "Sempre gostei de trabalhar, eu era independente. Mas não conseguia ficar em um emprego. Eu ficava dois dias em casa e o resto da semana internada por causa da hemorragia." Sueli não foi mais ao shopping, evitava sair de casa, e passou a ficar de cama a maior parte do tempo. "Esses 28 anos eu não vivi."
Em 8 de março de 2008, ao ser repetidamente barrada em um banco, o detector de metal da segurança constatou algum objeto metálico dentro de Sueli, na altura do abdome. Um advogado do bairro, Carlos Lucarefski, levou Sueli fazer um raio-x e, constatada a presença do instrumento cirúrgico, foi à delegacia para registrar a ocorrência contra a Casa de Saúde e Maternidade Santana, onde o parto fora feito em 1983.
Lucarefski entrou na Justiça com um pedido de indenização de 500 salários mínimos, além de 28 anos de salários mensais que Sueli deixou de receber por não poder mais trabalhar.
Ainda em 2008, a Justiça pediu que Sueli fizesse uma perícia no Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc), o que foi feito naquele mesmo ano. Mas até hoje o laudo não chegou ao juízo da 1ª Vara Cível de Mogi das Cruzes. "O Imesc alegou que precisaria de todos os prontuários do hospital para fazer o laudo, mas eles nunca entregaram", disse Lucarefski.
No começo do mês de junho, segundo Lucarefski, uma reportagem da TV Record levou Sueli e o advogado à diretoria do Imesc. "Quando nós chegamos lá, aí a diretora disse que os prontuários tinham aparecido", afirmou o advogado, cético.
Segundo o advogado, o Imesc comprometeu-se a enviar o laudo médico de Sueli ao Fórum de Mogi em um mês. Eu não acredito muito, mas, até lá, estamos esperando", disse.
Sueli também se demonstrou desacreditada. "Eu nunca vi um laudo demorar três anos para chegar! Tem uma arma dentro de mim, vou ter que esperar mais quanto tempo? Tem muita burocracia, muita manipulação."
Durante a tramitação do processo, Sueli chegou a consultar um médico particular que se solidarizou com sua causa e não cobrou pelo atendimento. Porém, ele não poupou a paciente. "Ele me disse que a tesoura já se colou no corpo, que vai ter que fazer muitos exames, que pra tirar vai ser uma operação muito complicada", disse.
Sueli tem poucos dentes na boca, consequência, segundo ela, do uso de antibióticos por cerca de 15 anos. Nessas condições, Sueli se surpreende que ainda esteja viva. "Não tenho medo de morrer. Mas na hora que Deus quiser, não quero ser morta por erro médico."
ANTONIO CARLOS LACERDA é correspondente internacional do PRAVDA.RU
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