Não tendo conseguido superar a barreira dos 5 por cento, estes partidos não obtiveram representação parlamentar na câmara baixa. Ao longo de quase uma década, os liberais, patrocinados pelo Presidente Boris Yeltsin, desempenharam na Duma um papel de relevo e exerceram notória influência em toda a política russa.
Tendo perdido a tribuna parlamentar, os liberais perderam a sua estrutura estratégica de apoio. Agora os partidos liberais não têm praticamente possibilidade de exercer influência sobre o processo legislativo e os seus representantes são cada vez mais raramente convidados a intervir nos principais canais de televisão. O Kremlin e o Governo, que antes tinham sempre em conta as iniciativas destes partidos, hoje praticamente não têm quaisquer contactos com os seus líderes. Não obstante, quem teve a oportunidade de estar presente no último fim de semana no hotel Kosmos em Moscovo, onde os liberais levaram a cabo o Congresso Civil sob o lema "A Rússia pela democracia, contra a ditadura", ficou com a impressão que eles não perderam totalmente o espírito combativo. Os mais de mil delegados dos partidos liberais Yabloko (liderado por Grigori Yavlinski), "Nossa Escolha" (Irina Khakamada), Grupo de Helsínquia, observadores da União de Forças de Direita mostraram que estão decididos a recuperar as posições perdidas ou, pelos menos, a voltar ao Parlamento
De realçar que as "condições de partida" dos liberais são hoje muito piores do que eram há um ano, quando eles estavam representados no Parlamento, sem já falar do tempo em que os políticos liberais eram protegidos pelo presidente Ieltsin.
"Hoje estamos a perder aquilo que conquistámos nos anos 90" - afirma Víctor Cheinis, um veterano do movimento democrático, um dos autores da actual Constituição. "No país está a ter lugar a destruição da concorrência política e do multipartidarismo", diz-se na resolução final do congresso.
A triste ironia reside no facto de a maioria da população do país, à qual são dirigidos os apelos dos liberais, não ser receptiva às suas advertências e, mesmo que lhes dê alguma atenção, rapidamente lhes volta indiferentemente as costas - a maioria dos russos não considera que o que se passa no país seja perigoso
Há uma outra razão que leva as pessoas a não dar ouvidos aos políticos liberais. É que eles estiveram ligados à primeira etapa das reformas de mercado no país nos anos 90. Foi precisamente na altura em que os liberais Boris Nemtsov e Anatoli Tchubais eram vice-primeiros ministros e ocupavam outros altos postos que no país se verificou uma queda para metade do nível de vida na Rússia, a generalização da pobreza, o aumento exponencial da mortalidade (anualmente com mais de um milhão acima do número de nascimentos), a completa abdicação do Estado em realizar políticas sociais. O "default" de 1998, quando uma grande parte da população perdeu pela segunda vez desde 1991 as suas economias (na altura a liberalização dos preços resultou em hiperinflação) também ocorreu durante o Governo dos liberais. Para além disso, as privatizações ideadas por Tchubais (ele dirigia o Comité Nacional do Património do Estado e estabelecia a estratégia das privatizações) foram consideradas um verdadeiro roubo não só na Rússia mas até no Ocidente.
No entanto, mesmo estas circunstâncias não tornam as perspectivas das ideias liberais e dos seus defensores completamente desesperadas. De acordo com as sondagens de opinião, no país existe um determinado segmento da população (cerca de 10-15 por cento) que, seja qual for a situação, vota sempre nos liberais.
A fraqueza dos liberais reside no facto de os votos dos seus simpatizantes serem frequentemente pulverizados. Tal aconteceu nas últimas eleições parlamentares, quando dois partidos liberais - o Yabloko e a União das Forças de Direita - concorreram entre si embora tivessem um mesmo eleitorado e, como resultado, ambos perderam. Já há cinco anos que é discutida a questão da união dos liberais mas não se descortina qualquer variante aceitável para todos, em muito devido às más relações entre os líderes, às suas demasiadas ambições políticas e às ofensas que se acumularam entre eles.
No entanto, a estratégia geral de acções já é conhecida. O principal é o ataque ao poder "autoritário" (como consideram os liberais) com o apoio de todos os extractos da população que possam estar insatisfeitos com o poder actual. "Está a crescer o descontentamento entre as pessoas menos bem sucedidas, os jovens começam a compreender que não conseguirão fazer carreira na Rússia. A crise do poder é inevitável" - diz a líder no partido "Nossa Escolha", ex-vice-presidente da câmara baixa, Irina Khakamada. No entanto, antes de encabeçar o movimento de protesto dos "fracassados", os liberais terão ainda que conquistar a confiança daqueles que eles menosprezaram quando estavam no poder. Por outras palavras, há que reconhecer os erros e, de certa maneira, fazer um acto de contrição.
"Em 1991 as pessoas foram de facto enganadas, quando perderam todas as suas poupanças em resultado da hiperinflação", reconhece Irina Khakamada. "No entanto, o governo dos liberais nem sequer pôs a questão de pagar as dívidas /à população/. Ele não tinha nenhuma política social", prossegue.
Por enquanto é difícil dizer se tal tipo de reconhecimentos irá permitir estabelecer uma ponte de confiança entre as camadas mais humildes da população e os liberais, que definiram a política do Governo nos anos 90. Uma parte dos liberais, por exemplo o ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov, tem esperança que com o tempo na Rússia possa vir a ser realizada "a variante ucraniana" e a oposição liberal, com o apoio das manifestações de rua, consiga novamente chegar ao poder.
Para além dos manifestantes, os liberais russos têm ainda um outro aliado de peso: as democracias ocidentais. Os liberais sempre foram fortes no que respeita às relações com o Ocidente. A influência das democracias ocidentais é considerada um dos factores fundamentais das reformas liberais dos fins dos anos 80 - início dos 90. e a pressão consequente do Ocidente na Rússia será precisamente, segundo os liberais, o que lhes permitirá, senão recuperar o poder, pelo menos evitar que o país continue a deslizar para o autoritarismo.
No entanto, ninguém tem demasiadas ilusões a este respeito. A vitória do republicano George Bush nas eleições de Novembro nos EUA foi interpretada pela maioria dos liberais russos como a sua própria derrota. Eles conhecem bem as boas relações pessoais entre Bush e Putin, o interesse de Washington em que a Rússia apoie a coligação antiterrorista e a necessidade dos norte-americanos em produtos energéticos russos. Para os Estados Unidos todos estes factores juntos são mais importantes do que o apoio aos partidos liberais na Rússia.
A União Europeia, por seu lado, também está interessada na continuação dos fornecimentos de petróleo e gás por parte da Rússia, garantidos pelo Estado. Para além disso, os europeus estão actualmente a braços com os seus próprios problemas ligados ao último alargamento e não têm grande disponibilidade para acompanhar os problemas da democracia russa, embora em Bruxelas sejam bastante mais compreensivos do que em Washington.
Assim, surpreendentemente para si e para o mundo, o liberalismo russo - cosmopolita, observador desdenhoso das características nacionais do seu país e grande glorificador do Ocidente - viu-se perante a necessidade de elaborar a sua política nos fundamentos internos, isto é, face a face com uma população pobre, um Estado rígido, sem grande apoio dos aliados ocidentais.
As condições não são de facto as melhores. Mas na Rússia ainda por muito tempo não deverão haver outras. O futuro do liberalismo russo é uma questão que ele próprio deve responder.
Yuri Filippov observador político RIA "Novosti"
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