Sobre Palestinos

A Nakba é mais que uma data, é um longo processo de vitimização de um povo. É a aparência do fenômeno sionista que não ilude sua essência colonialista, racista e servil ao Império. A Nakba não é uma catástrofe, um incidente terrível, ao contrário, ela foi meticulosamente planejada e executada com todos os requintes de crueldade, uma síntese perfeita do pior desta Marcha europeia. Os carrascos esperavam que as vítimas tombassem ou se diluíssem entre os árabes dos países vizinhos, apostavam no esquecimento da Palestina pelo seu povo... mera ilusão. A Nakba é uma tragédia civilizacional não só palestina, mas de toda a humanidade.

YASSER JAMIL FAYAD *

JAMIL ABDALLA FAYAD **

 

A luta pela libertação da Palestina é obra de seu próprio povo, sendo o único interlocutor legítimo de si mesmo. Aquele sionista arrependido, o ex-assassino de crianças do exército sionista, o judeu humanista, o judeu defensor dos animais abandonados e das crianças palestinas e, mesmo, os indivíduos da esquerda dentro de Israel - não são e não serão os interlocutores da voz Palestina. A digna Causa Palestina não é uma questão interna da colônia-monstro Israel. Cabe a estes promoverem um único gesto verdadeiro que é construir um movimento de massa interno que contribua com fim da colonização.

As esquerdas em seu amplo leque pisam no terreno pantanoso dos pseudoconceitos de judeu, povo, diáspora, reino de Israel, hebreus, holocausto, essa verdadeira indústria que obstaculiza o movimento de entendimento do fenômeno e esquecem que essa é parte fundamental da imensa engenharia que inventou e mantém Israel. Também não cabe às esquerdas a posição pedante de quem quer ensinar o povo palestino, pois essa postura traduz miséria política-pedagógica.

Na sua práxis de libertação, o povo palestino desvendou, não sem traumas e dolorosas desilusões, o papel das forças políticas e sociais que o cercam e o permeiam. Foi assim com o papel do Império britânico e da colonização sionista, que inicialmente eram bem-vindos a "waqf" e mesmo festejados na Palestina, mas logo ficaram claras suas reais intenções de estabelecer ali uma colônia de substituição populacional a serviço do Império. O papel das elites árabes regionais que rifaram os palestinos em benefício próprio, mas não menos doloroso foi a descoberta de que a elite árabe palestina (a exemplo da regional) queria ser o interposto entre seu povo e o Império - não sabia essa que o sionismo era o interlocutor oficial e não queria nenhum palestino na Palestina, incluso a burguesia e aristocracia rural. Os palestinos aprenderam que só podem contar com sua própria força, força dos trabalhadores e daqueles que assumem essa perspectiva de classe.

 

A resistência palestina precisa fortalecer e ampliar o conceito de Palestina, não mais apenas o da terra que pertence ao povo palestino, comum a todos os crentes e não crentes, mas também:

  1. O conceito de território cerceado - da qual Gaza e os campos de refugiados são a ligação com todos os guetos, favelas, periferias do mundo.
  2. O conceito de limpeza étnica - comuns aos povos indígenas das Américas, África, Oceania e Ásia que sofreram e sofrem os reflexos da expansão europeia.
  3. A luta reivindicatória por moradia - que a liga as reivindicações de milhares de explorados da Terra.
  4. A luta reivindicatória por terra - que a liga a luta de resistência indígena nas Américas, a luta pela reforma agrária, luta da agricultura familiar pela produção de alimentos, do controle das fontes hídricas, de suas riquezas minerais, de suas florestas.
  5. A luta antirracista - elo importante com todas as etnias oprimidas da Terra.
  6. A luta pelos direitos humanos - ligação com todos os povos e grupos sociais que sofrem desumanização e outras violências, em especial, tortura e encarceramento sem direito à defesa.

Portanto dar ênfase ao conceito de Palestina com as lutas de todos os explorados e oprimidos, com a clara pretensão de que não exista nenhuma reivindicação justa que não tenha um paralelo com a Causa Palestina.

Enquanto os palestinos estão fadados a lutar pela sua liberdade e sua terra, carregam consigo todos os valores nobres e belos desse tipo de luta como coragem, solidariedade, justiça e amor. Ao sionista resta o mísero papel do explorador e opressor com todos os valores e feiuras que esse tipo exige como covardia, arrogância, belicismo e assassinato. O que ironicamente é a reafirmação prática das acusações do antijudaísmo secular europeu, ou seja, o sionismo é a verdade do antijudaísmo secular europeu.

Oslo é um reflexo da acomodação de classes onde a burguesia árabe-palestina, a aristocracia rural religiosa e os setores das camadas médias (em especial, as expulsas que perderam suas posses) se veem inicialmente dentro da grande luta de resistência do povo palestino e depois recuam durante a evolução dos enfrentamentos. O recuo vinculou-se também às mudanças de cenários como a destruição do Pan-Arabismo, o enfraquecimento do Movimento dos Não Alinhados e a queda do Bloco Socialista. Essas acomodações levaram até mesmo a negócios comuns, acertos e diálogos com os sionistas. Notoriamente, na burguesia não expulsa (que não perdeu suas posses) da Cisjordânia e Jordânia palestina - forçaram também o deslocamento político conciliatório da sua principal organização o Fatah. Olso é o acabamento desse processo de esvaziamento do teor de luta da burguesia árabe-palestina, da antiga aristocracia e de setores das camadas médias - rifando, abandonando elementos poderosos da Causa Palestina, como por exemplo, a questão do retorno de refugiados e do reconhecimento de Israel.

Por outro lado, Oslo também é a demonstração cabal de que o sionismo não pretende ceder nem sequer a um "Estado palestino" controlado, fraco, debilitado, raquítico. Nesse sentido, revela que todas as formas de diálogo, incluso o submisso e humilhante, foram fechados pelos sionistas - a partilha mostrou-se ilusão.

O que é Israel senão uma cópia sem graça, sem sabor e tempero dessa face do mundo europeu, algo completamente fora do lugar! Nada tem a ver com o mundo que o cerca, permanentemente fechada em sua fantasia de superioridade. Sem o muro, quem é essa gente? O subproduto desse ocidente falido e fútil, que os árabes com sua cultura milenar podem engolir facilmente como já fizeram com povos muito mais interessantes - o muro lhes serve de garantia de não se transformarem em árabes. Israel é simplesmente o muro!

Os palestinos são aqueles que não foram derrotados pelo sionismo. A potência acumulada em quase 70 anos de uma riquíssima resistência política e imensa práxis libertadora (armada, poética, de greves, de passeatas, não violenta, literária, artística, diplomática, etc.) tornou o povo o mais politizado e organizado entre os árabes. Seu processo de luta anticolonial o colocou em contato com a luta de Argélia, de Vietnam, de África do Sul, de Cuba, do Bloco Socialista, dos Não alinhados, transformando radicalmente o conteúdo de negação do estado colonialista de Israel em um conteúdo de superação dialética deste. Os palestinos não querem ser Israel (racista, belicista, colônia, filhote do Império, etc.), mas sua antítese. Nesse sentido, o socialismo aparece no horizonte como resposta adequada a fusão do melhor da tradição árabe com o melhor da tradição europeia... os palestinos estão abertos a essa possibilidade histórica. Esse socialismo não será uma cópia das experiências europeias, como tal, será incorporado num salto qualitativo (o 3º Grande salto). A Palestina socialista será a vanguarda e a pedagogia do exemplo para todos os árabes e além... será o esplendor de um novo "momentum" civilizacional da humanidade.


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 YASSER JAMIL FAYAD é graduado em Medicina (UFSC), residências médicas em Pediatria (HU/UFSC) e Infectologia pediátrica (HCRP/USP), militante do Movimento pela Libertação da Palestina - Ghassan Kanafani.

** JAMIL ABDALLA FAYAD é graduação em Agronomia (UPF), mestrado em Fitotecnia (UFV), militante do Movimento pela Libertação da Palestina - Ghassan Kanafani.

 

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