Yanomami respondem a Bolsonaro: "Não somos pobres e não queremos garimpo"
ISA
Em carta e vídeo, lideranças Yanomami contestam presidente, que defendeu a mineração na Terra Indígena Yanomami em live publicada no Facebook.
Na última quarta-feira (17/4), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu que as Terras Indígenas devem ser abertas à mineração e à monocultura extensiva, alegando que os índios são pobres em território rico.
Na sexta-feira (19/4), lideranças Yanomami e Yek'wana responderam aos ataques em vídeo e carta, assinada pelas principais associações desses povos. Em sua resposta, os indígenas reafirmam sua posição contra o garimpo e a mineração em seu território, e reforçam que, ao contrário do que Bolsonaro diz, os Yanomami não são pobres, mas tem uma vida rica em meio à floresta. "O senhor fala que o Yanomami está passando fome e sofrendo. Nós, Yanomami, ninguém está sofrendo. Ninguém está passando fome", afirma Davi Yanomami, liderança histórica desse povo.
As lideranças também desautorizam as falas de Timóteo Yanomami, indígena do povo Yanomami que participou da live de Bolsonaro sem, no entanto, ter legitimidade para falar em nome do seu povo. "Timóteo não representa nenhuma organização que existe no Estado de Roraima", afirma Eliseu, da Associação Texoli do Baixo Mucajaí.
Além disso, Bolsonaro fala que defende uma relação com os indígenas sem intermediários. Mas quem levou os indígenas até o presidente foi o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), que aparece na live e já foi denunciado pelos índios no MPF por ser proprietário de um avião que abastece o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
Roberval, da diretoria da Ayrca, Maturacá Terra Yanomami reafirma: "Nós povos Yanomami e Yekawna, ninguém é pobre. É um povo que não precisa vender a sua terra, a sua riqueza. Nós queremos manter ela viva e com saúde, isso é muito importante".
E lembra que para manter a terra viva, o ouro tem que ficar embaixo da terra. "O ouro tem que manter lá embaixo. Nós queremos renda, mas de acordo com projetos já pensados. Não queremos vender a nossa terra para prejudicar a nossa vida, a nossa cultura e o nosso povo. Você precisa observar o futuro do povo Yanomami, você precisa estar vivo conforme ela sempre viveu", diz.
Na live, Bolsonaro defende o garimpo, dizendo inclusive que ele próprio já foi garimpeiro. Sua mensagem soa como música aos ouvidos dos mais de 7 mil garimpeiros que atualmente invadem a Terra Indígena Yanomami, contaminando o solo, os peixes e a água com mercúrio. Esta é a maior invasão da Terra Indígena Yanomami depois da grande corrida do ouro nas décadas de 1980 e 1990, quando mais de 40 mil garimpeiros invadiram a floresta yanomami e 20% da população yanomami morreu em decorrência de epidemias e conflitos. Hoje a situação dos Rios Uraricoera e Mucajaí é preocupante. A turbidez (redução da transparência) desses rios teve um aumento no primeiro trimestre de 2019, quando comparado ao mesmo período de anos anteriores (veja aqui).
Davi responde: "Nós Yanomami queremos falar como o senhor atacou nós. Nosso povo, nosso nome. Não pode usar o nome do Povo Yanomami não. Por faltar respeito. Nós estamos respeitando. O senhor é presidente do país. O senhor não tá mostrando o caminho bom. O trabalho de qualidade. O senhor está mostrando trabalho sujo, garimpagem, botar mineração na Terra Indígena. Botar gado na nossa terra. Não precisamos criar boi não. Já temos nossa alimentação. Usufruto da nossa mãe. Usufruto da floresta, onde nascemos e vivemos", diz ele.
E conclui: "Meu grupo, nós somos guerreiros para defender nosso direito, para proteger nossas terras boas. Não queremos que as autoridades estraguem a nossa floresta. Vamos pensar primeiro antes de destruir e maltratar o meu povo Yanomami. Não é assim que homem fala não. Isso que eu queria falar para o senhor".
Já Floriza da Cruz, liderança de Maturacá respondeu as falas de Bolsonaro sobre a Fundação Nacional do Índio (Funai). Na live, Bolsonaro ataca a Funai. "Vou ser direta. Presidente, hoje em dia a nossa Funai não nos ajuda porque o governo brasileiro não dá ajuda a Funai, e não dá recurso. É uma obrigação do governo do Estado brasileiro ajudar a Funai para que ela não seja extinta. Falo pelos Yanomami", diz ela.
Julio Yek'wana, liderança do povo Yek'wana, esclarece: "Nós queremos que o governo federal cumpra seu dever referente à saúde, território e educação, conforme a Constitutição Federal de 1988", afirmou.
Leia a íntegra da carta:
Posicionamento das lideranças, Xamãs, Pajés e associações da Terra Indígena Yanomami sobre vídeo divulgado na página oficial do presidente Jair Bolsonaro.
Boa Vista, Roraima, 18 de abril de 2019
No dia 17 de abril, o presidente Bolsonaro recebeu indígenas em Brasília. Nós Yanomami e Ye'kwana assistimos ao vídeo divulgado na página oficial do presidente das redes sociais e viemos responder o que foi dito em nome do povo Yanomami.
O Yanomami que aparece falando com o presidente não representa o povo Yanomami. Estamos reunidas 06 associações da Terra Indígena Yanomami, pajés, xamãs e lideranças Yanomami e Ye'kwana. Nós sim representamos o povo Yanomami e Ye'kwana, escolhidos por nossas comunidades para falar em nome delas. Somos mais de 26 mil Yanomami e Ye'kwana, que vivemos na Terra Indígena Yanomami.
Nós aqui sabemos os nossos direitos. Não somos crianças, somos lideranças e representantes do povo e não estamos sendo manipulados pelas ONGs, como foi falado. Sabemos quem são nossos parceiros. Desde antes da terra ser demarcada eles estavam do nosso lado e continuam defendendo nossos direitos.
O Governo Federal precisa cumprir com seus deveres Constitucionais e garantir os direitos indígenas escritos no artigo 231 dessa Carta Magna: é dever do Estado cuidar da saúde, da educação e proteger nosso território. O Governo deve fortalecer a Funai para que ela tenha condições de trabalhar pelos direitos dos povos indígenas.
Os povos Yanomami e Ye'kwana não vivem pobres, como também foi dito. Nossa riqueza não é poder vender a terra, tirar o ouro. Nossa riqueza é viver bem na nossa terra, a floresta, ter os rios limpos, a saúde do povo. Somos contra legalizar o garimpo no nosso território. O ouro para nós deve ficar embaixo da terra. Queremos renda que vem dos nossos próprios projetos que respeitam nossa floresta, como estamos fazendo em nossas comunidades. Nós somos os legítimos brasileiros, originários da terra, onde nascemos e onde vamos morrer. Não queremos ser igual aos não indígenas. Falando português, podemos virar dentista, advogado, mas o nosso sangue continua Yanomami e Ye'kwana.
Hutukara Associação Yanomami- HAY
Associação Wanasseduume Ye'kwana - SEDUUME
Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes- AYRCA
Associação das Mulheres Yanomami Kumirãyõma- AMYK
Associação Kurikama Yanomami- KURIKAMA
Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima- TANER
https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-rio-negro/yanomami-respondem-bolsonaro-nao-somos-pobres-e-nao-queremos-garimpo
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