'Romaña' não voltará às armas"
Entrevista com Alfredo Molano Jimeno/ El Espectador
Molano: Que informação têm sobre o ocorrido há 15 dias em El Tandil, onde foram assassinados vários campesinos?
Romaña: Há suficientes elementos para entender o que ocorreu. Ademais, dos antecedentes da região. Quando arrancaram com a erradicação forçada, a gente se sentiu enganada, porque de 36 veredas que compõem o Alto e Baixo Mira e Fronteira, em 15 se fez assim. Os campesinos contribuíram com a Força Pública com o compromisso de que os vinculassem ao processo de erradicação voluntária, tal e como ficou no Acordo de Paz, porém passou o tempo e nunca se cumpriu a promessa. De forma que o restante de campesinos, aos quais lhes iam a arrancar seus cultivos, fizeram um cordão humanitário, que durou cinco ou seis dias, e logo a Polícia simulou um combate com bandos. O resultado foram 52 feridos e oito mortos, reconhecidos pelo Governo. A população diz que os mortos são 15, entre eles dois equatorianos que foram enterrados no cemitério de La Playa. Já há evidências contundentes sobre a responsabilidade da Força Pública. Tenho 70 gigas de vídeo que provam o que todos vimos. Inclusive, assim o reconheceu o general Naranjo quando se reuniu com as comunidades. A ele e às entidades que vieram lhes entregamos o material.
Molano: E como está o ambiente na região?
Romaña: A população de El Tandil, onde ocorreu o massacre, está vivendo dias de incerteza. A erradicação forçada continua e se incrementando a Força Pública. A gente não entende por que, depois de firmada a paz, a presença do Estado não chega em inversão social, senão que segue chegando mais Exército e Polícia.
Molano: O vice-presidente Naranjo disse que não está atuando contra os campesinos pobres mas sim contra os cultivadores industriais de coca...
Romaña: É um erro dizer isso. Ele mesmo se reuniu com 1.500 campesinos para conhecer suas realidades. Inclusive nos pediu que lhe ajudássemos para que o encontro ocorresse. Ele se deu conta de que aqui não há grandes cultivadores, e sim puros campesinos. Não sei de onde tiraram essa lenda dos cultivos industriais. Perguntei o que significava isso e disseram que eram cocaleiras de cinco ou seis hectares, e aqui o que há são cultivos de um ou dois hectares de muitíssimas famílias que, infelizmente, vivem dessa mata.
Molano: Diz que as Farc têm responsabilidade no aumento de cultivos ilícitos porque incentivaram a semeadura e povoaram áreas como Tumaco com o fim de negociar favoravelmente o ponto quatro do Acordo...
Romaña: Já ouvi esse comentário. O deslocamento em Colômbia, um forçado pela violência e outro forçado pela fome, tem sido histórico. A origem do problema em Tumaco tem a ver com o fracasso das estratégias contra os cultivos ilícitos desde há mais de 20 anos. Primeiro chegaram os deslocados do sul, de Putumayo e Guaviare, depois das marchas cocaleiras de fins dos anos 90. Em seguida, com a repressão do Plano Patriota e do Plano Colômbia no oriente colombiano, o povo se transferiu para a Costa Pacífica. Fiz o exercício com a população daqui e me surpreendeu a quantidade de gente de Caquetá, Casanare, Vichada e Putumayo. Não se esqueça de que este é um país com milhões de deslocados, assim que disso não se pode culpar as Farc. Quando não há oportunidades a gente se vai, funda povoados, se radica onde têm alguma possibilidade de sobreviver. E nisso um fator tem sido a coca, já não nas profundezas da selva, mas sim perto de centros povoados, especialmente da Costa Pacífica. Aqui se produz, se processa e a enviam para a América Central. E Tumaco vive essa realidade, em nada tem a ver com as Farc. A gente diz que chegou logo que lhe arrancaram a coca em 90, outra em 2000 e assim por diante. Eu convido o Governo a que faça um censo das populações daqui, para que se dê conta de que são deslocados por fome, não pelas Farc.
Molano: Que informação tem dos dois indígenas awás assassinados nesta semana?
Romaña: Não só os indígenas, este é um município com uma violência que jamais imaginei. Nesta semana mataram a esses dois que você menciona, porém também a Jair Cortés, um líder muito querido pela comunidade; na quinta-feira, em pleno centro de Tumaco, se apresentou um tiroteio com fuzil e há duas pessoas mortas. O índice de assassinatos neste ano é de 420. Dá vergonha. É uma tragédia e os mortos são os de sempre: os pobres. Temos elevado todo tipo de alarmes: à ONU, à OEA, ao CICV, ao Governo, porém nada. Seguem pensando que isto se soluciona com maior pé de força. Não se dão conta de que a única solução é a inversão social, o cumprimento da palavra empenhada. É com saúde, educação, moradia, vias. Assim se supera este drama, porque aqui se move muito dinheiro do narcotráfico, porém nem um peso fica no município. Levam tudo para as capitais.
Molano: Quem matou a Jair Cortés?
Romaña: Isso é o que nos têm que dizer as autoridades. Para isso há uma Promotoria, a Inteligência militar, a Polícia.
Molano: Porque se está dizendo que foram as dissidências das Farc...
Romaña: A gente está muito preocupada. E não só em Alto Mira e Fronteras como também em toda a Costa Pacífica. Há uma semana mataram nove companheiros nossos muito queridos. Eles pertenciam à Frente 29, fizeram deixação de armas, estavam comprometidos com a paz e os massacraram. Todo mundo sabe quem os matou, porém falar desses temas é muito complexo para quem está no território. Isso corresponde à Força Pública, eles sabe monde estão, onde dormem, e como atuam. À Força Alternativa Revolucionária do Comum não lhe corresponde fazer essas acusações. Nós entregamos as armas, agora somos cidadãos. As autoridades são as que nos devem dar explicações, porém o mais grave é que a gente não confia na Força Pública pela violência com que trata as comunidades e a benevolência com que atua contra os criminosos.
Molano: Quando você menciona aos nove ex-combatentes assassinados, se refere ao ocorrido em El Charco, no fim de semana passado? Porque nesse caso ninguém explicou o que foi que ocorreu. Se disse que eram da dissidência e vocês os reconhecem como membros das Farc...
Romaña: A verdade é que eram companheiros muito queridos, que pertenceram à Frente 29, que estavam pela região de El Charco e os assassinaram grupos comprometidos com o paramilitarismo e o narcotráfico. Segundo nos informaram, estavam recrutando-os e eles se negaram, então os massacraram.
Molano: Desde o espaço territorial que você dirige denunciaram que "Tito Aldemar" foi capturado injustificadamente. Como é isso?
Romaña: É lamentável que todos os fatos que semeiam incerteza em [nós] que deixamos as armas venham de parte da Força Pública e do Governo. É atroz, porque a pessoa não vê solução. Enquanto siga nos tratando com a teoria do inimigo interno não vamos poder encerrar este capítulo. Na quinta-feira apareceram helicópteros sobre o Espaço Territorial de Capacitação e Reintegração "Ariel Aldana". Por um momento pareceu que havíamos voltado à guerra. Desembarcaram por terra e ar e levaram um companheiro que estava há 20 anos na Aldana. Não seis meses nem um ano, dura duas décadas nas Farc. Estava comprometido com o processo de paz, inclusive foi um dos primeiros em fazer deixação de armas. Tinha credenciamento da ONU, do Alto comissionado, carteira de identidade, bancarização, e nunca o Governo, que esteve todos estes dias reunido comigo, disse que isto ia acontecer. E, num ato de vingança, sevícia e covardia, fazem esta operação militar. Estão ganhando aplausos com operações contra pessoal desarmado, que apostou na paz. É uma punhalada ao processo de paz e à implementação dos acordos, que estão numa crise muito aguda. Alguém se pergunta se essa vai ser a estratégia para romper nossa unidade, porque esta é uma das zonas com maior número de ex-combatentes, com os projetos mais avançados, e parece que o que se busca é empurrar nossa gente novamente para a montanha e as armas.
Molano: Porém "Tito Aldemar" figura como excluído pelo Escritório do Comissionado para a Paz, que diz que não pertence às Farc e que tem vínculos com o narcotráfico...
Romaña: O Comissionado de Paz não pode decidir isso. Há uma Comissão de Seguimento à implementação onde se pode discutir essas coisas. O doutor Rivera não pode sair pela mídia a dizer que tal ou qual não lhe agradou, e então não pertence às Farc. Não pode dizer quem vai ser extraditado ou quem é narcotraficante. Se aceitamos isso, queria dizer que amanhã vêm por mim e passado por alguém do Secretariado ou dos comandantes que estão nos espaços territoriais. Me parece muito complicado que agora o Governo diga quem é ou não das Farc. Dizem que nessas listas há narcotraficantes; bem, pois demonstrem-no, para isso se criou uma Jurisdição Especial de Paz. O que têm é medo da verdade. Tito leva 20 anos na Coluna "Daniel Aldana". A gente o conhece como das Farc, os guerrilheiros o reconhecemos, e o Governo não.
Molano: Dizem que este episódio produziu uma debandada de ex-combatentes do espaço territorial. Quantos fizeram deixação de armas e quantos há hoje?
Romaña: Isto teve um impacto muito complexo. Aqui fizemos deixação 260 guerrilheiros, incluindo milicianos. Depois chegaram pouco mais de 100 companheiros de zonas do bloco Oriental, onde eu atuava, e mais alguns que saíram dos cárceres. No total éramos 400. Desses, na quinta-feira, éramos 300, e na sexta-feira, depois do ocorrido de Aldemar, ficamos 250. Numa noite se foram 50 pessoas com medo de que o Estado não ia lhes cumprir e podiam ser capturados, extraditados. Se levaram a um companheiro tão reconhecido como era ele, então, que pode a gente pensar? Há muita incerteza no acampamento. O descumprimento do Estado está causando algo muito complicado. Não moveram uma agulha para a reincorporação. Não temos assegurado terras, nem saúde, nem educação. Não temos garantias jurídicas nem físicas. O Estado não se dá conta de que está brincando com fogo.
Molano: A propósito, como vai o tema de reincorporação neste espaço?
Romaña: O que temos feito aqui tem sido com nosso próprio esforço, com a vontade da gente humilde. Há uns dias o doutor Rivera veio nos dizer que tinha uns recursos para reincorporação, que eram $28 milhões para todos. Nos surpreendemos. Pensei que a cifra estava mal, que havia um erro, porém não. Fizemos somas e subtrações, e a cada ex-combatente lhe tocavam $17 mil. Creem que nós estávamos na montanha, entre as árvores e que iam nos enganar com espelhinhos. A pessoa não entende.
Molano: Com esse panorama, cresceu o rumor de que você vai para a dissidência, que regressará à montanha e às armas; que responde?
Romaña: Foram 40 anos em armas e hoje digo que é melhor a paz que a guerra. A paz não dói, a paz deixa dormir, não adoece. A guerra é uma tragédia. Aqueles que pensam que regressarei à montanha é porque não sabem o que a pessoa vive na guerra. Porém isso não quer dizer que esteja de acordo com este descumprimento do pactuado em Havana, nem com a maneira como o promotor trata de sabotá-lo ou a dilação nas leis. É normal, o instinto de qualquer ser ao ser atacado é se defender. Porém que fique claro: a Força Revolucionária Alternativa do Comum persistirá na paz apesar de que nos descumpram. E Romaña não voltará às armas, está apostando na paz.
Molano: Como as Farc estão ajudando no tema dos cultivos ilícitos?
Romaña: Em fevereiro houve uma paralisação grande de cultivadores de coca. A situação se repetiu em março com maior violência, e ao final as comunidades fizeram um acordo com o Governo, que posteriormente lhes descumpriu. Temos ajudado com a socialização do pactuado em matéria de substituição voluntária, e 20.000 pessoas firmaram a ata de compromisso. Há famílias que já arrancaram suas matas. Porém o Governo não está cumprindo com eles. Lhes erradica seus cultivos. Há seis meses a gente está aguentando fome. Isso é o que explica a tensão e o desespero das comunidades. O Estado insiste em atacar o elo mais frágil da cadeia do narcotráfico. Enquanto todo mundo sabe quais são as rotas, onde estão os cristalizadores, os nomes dos patrões do negócio, que por demais se move nos bancos, no exterior, na capital. Definitivamente, o problema é o de sempre: o Estado não é capaz de perseguir aos donos dos negócios, mas sim aos trabalhadores pobres. Esses que sobrevivem com as migalhas que esta milionária atividade deixa. Como querem que a gente não se meta nisso se não há investimento social, nem oportunidades, nem vias... nada. Ataca o problema pelos pés e não pela cabeça. Os precursores químicos vêm de Bogotá, Cali ou Medellín. As rotas ao exterior são os grandes portos da Colômbia. E o dinheiro entra pelo sistema bancário, por empresários, companhias.
Molano: Qual é o conflito entre afros e campesinos?
Romaña: Estive nas 36 veredas desta região. Desde La Playa até El Arroz, e são povos que vivem da coca. A gente de Asominuma, associação que integra a população flutuante que chegou de outras regiões, diz que a primeira coisa que há que solucionar aqui é o tema do território. Os afros venderam terrenos aos campesinos e agora os reclamam por serem parte dos conselhos comunitários. Em qualquer momento se pode converter numa nova tragédia. O Governo deve assumir este assunto, resolvendo o problema da terra. Porém, como não avança a reforma rural... No Yarí há umas savanas imensas nas quais muitos queriam viver, há propriedades expropriadas à máfia. Se se as dessem, muitos abandonariam a coca. No Acordo ficou claro que a solução ao problema dos cultivos ilícitos tem uma relação direta com a reforma rural.
Tradução > Joaquim Lisboa Net
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