LÍDERES DAS GRANDES POTÊNCIAS RECONCILIAM-SE EM NOME DA SEGURANÇA INTERNACIONAL

Muita gente esperava o discurso de Vladimir Putin na Assembleia Geral da ONU, antes de mais nada porque a posição russa sobre a actual crise do sistema político internacional tem sido considerada como a mais indefinida entre as grandes potências. Surgiam as seguintes perguntas: apoiará Moscovo a nova resolução americana sobre o Iraque? Com quem está a Rússia: ainda continua com a França e a Alemanha ou já com os Estados Unidos?

Mas a crise internacional não se limita ao problema iraquiano. E o discurso de 16 minutos de Vladimir Putin nas Nações Unidas foi dedicado não tanto ao Iraque quanto aos princípios em que devem basear-se as relações internacionais, tendo, naturalmente, em vista a "experiência iraquiana".

O Presidente disse: "Os políticos, inclusive os representados na ONU e no seu Conselho de Segurança, nem sempre dispõem de instrumentos jurídicos suficientes e eficazes que permitam superar adequadamente as crises internacionais e regionais. E neste sentido, o direito internacional deve ser, naturalmente, uma 'matéria viva' e móvel que reflicta as realidades do mundo contemporâneo". Porém, "enquanto as normas do direito não forem alteradas, enquanto elas vigorarem temos de observá-las" - declarou o chefe de Estado russo.

Referia-se ele à crise iraquiana? Claro que sim e também a outras crises e desafios que são possíveis. E também à reforma básica que é necessário levar a cabo, inclusive na ONU. Segundo Putin, todos nós devemos estudar em conjunto e chegar à conclusão sobre quais as estruturas e mecanismos da ONU que são eficazes e úteis e quais já cumpriram a sua missão ou não são utilizadas. Mas, de um modo geral, está claro que a Rússia se manifesta pelo fortalecimento desta organização e está disposta a intensificar a sua participação nas operações sob a égide da ONU e nas operações da coligação sancionadas pelo Conselho de Segurança - declarou Vladimir Putin.

Isso também diz respeito ao Iraque? Claro que sim, mas não só. Tal como a seguinte declaração: "Temos o direito de contrapor às ameaças contemporâneas à civilização só respostas colectivas, cuja legitimidade não suscite dúvidas".

De um modo geral, o discurso do Presidente russo inscreveu-se na tendência que se sente actualmente no comportamento dos outros líderes mundiais, em particular, do Presidente da França, Jaques Chirac, do chanceler da Alemanha, Gerhard Schroeder, e também do Presidente dos EUA, George Bush. Todos falam sobre a reconciliação, dizendo que as divergências ficaram para trás (embora, na realidade, isso não aconteça). Todos contornam os problemas agudos e procuram chegar a acordo sobre as futuras relações.

Reflectir sobre se a Rússia ficará "com a França e a Alemanha contra os EUA" foi insensato anteriormente e tanto mais agora. Primeiro, não há nenhuma divisão na "troika europeia" tal como não existe a própria "troika". Só há uma centena e meia de países membros da ONU que tal como anteriormente, continuam a pensar de maneira aproximadamente igual. Todas as posições expressas por Vladimir Putin a propósito do direito internacional são compartilhadas por Chirac, Schroeder, pelo Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, e, em geral, por todos os oradores que até àquele momento discursaram da tribuna da sala de sessões da ONU.

Ao mesmo tempo, é evidente para todos que para conseguir este objectivo é necessário não "se manifestar contra os EUA" (e contra a Inglaterra), mas ajudá-los a restabelecer a capacidade de trabalho da comunidade internacional como um todo. Este objectivo é mais importante do que a reconstrução do Iraque e do que tudo o mais.

Por mais estranho que pareça, o factor que une actualmente a comunidade mundial não é apenas o terrorismo, que Vladimir Putin lembrou aos ouvintes na sala de sessões da Assembleia Geral: não menos forte é o medo de que se mantenha a actual divisão do sistema internacional e de que os EUA fiquem na situação pouco invejável em que hoje se encontram. Na realidade, todas as grandes e médias potências participam na operação de "resgate do soldado Bush".

No ano passado, todos os delegados reunidos na mesma sala da ONU viveram um choque pelo facto de a maior potência do mundo renunciar abertamente às normas do direito mencionadas pelo Presidente russo e ter sido impossível dissuadi-la. Este ano, os mesmos delegados sentiram outro tipo de choque, ou seja, em consequência do rápido fracasso da operação iraquiana de Bush. Este fracasso ameaça a comunidade internacional com males iguais aos que poderiam advir do seu êxito.

"O homem que se aproximou da tribuna da ONU - escreve o jornal 'Washington Post' referindo-se a Bush - parecia tão vazio como se tivesse perdido a anterior paixão e convicção. Os acontecimentos fizeram um conluio contra ele. Os seus assessores, tão impecáveis anteriormente, falharam...Eles deveriam ser demitidos, mas para isso Bush teria de confessar o seu erro, o que ele não pode fazer".

Um ano antes das eleições, o Presidente dos EUA tem de despender com o Iraque 87 biliões de dólares não planeados. Terá de convocar para o serviço militar reservistas e elementos da Guarda Nacional a fim de substituir os 144 mil soldados americanos no Iraque. Estes dias todos os interlocutores de Bush na ONU recusaram-se a enviar os seus soldados para este país se os seus contingentes forem subordinados ao comando americano e não à ONU. O general Wesley Clark, principal candidato dos democratas à presidência, diz que Bush "nos causou realmente prejuízos" e não pôde obter o apoio da comunidade mundial. Os republicanos, pelo contrário, pressionam do outro lado, impedindo o Presidente de abandonar o seu monopólio inicial no controlo dos EUA sobre o Iraque.

Isso pode ser qualificado como a mais séria crise da maior potência mundial que, pelas suas consequências, poderá ser mais terrível do que a iraquiana. No entanto, ninguém precisa de uns Estados Unidos isolados e exasperados. Os EUA são um país sem o qual não pode ser travada a luta comum contra o terrorismo, nem realizada a reforma da ONU tão necessária a todos, nem restabelecidos os mecanismos colectivos de solução das crises. E, como é natural, actualmente não é a hora para alegrias maldosas a propósito dos erros dos EUA. Agora todos em conjunto devem ajudar os Estados Unidos para, usando as palavras de Vladimir Putin, "assegurar a continuidade das garantias de segurança para os países e todo o planeta em geral".

Dmitri KOSSYREV, observador político da RIA "Novosti" Com autorização da RIA Novosti Agência de nformação da Federação Russa

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