Quando você está a bordo de um veleiro de oceano, capaz de enfrentar mares e oceanos considerados duros, o famoso quarto de seis horas trabalhando, seis descansando e depois volta ao trabalho, é respeitado rigorosamente.
Mas em recreios pequenos, com Rio de Janeiro a Angra dos Reis, não existe esta necessidade.
E nada como durante a noite um bom papo entre os tripulantes.
Assim é que no Mercurius, um trinta pés, aproximadamente dez metros, vermelho como condizia o seu nome, estávamos no rumo da cidade famosa na Baía de Angra dos Reis.
Céu estrelado e noite escaldante na terra. No mar sempre existe um vento. Mas se é bafagem, termo que designa vento nenhum, a alegria não é tanta. Felizmente, naquela noite, os comandados do capitão Soares, Jacintho de Azeredo Soares, entusiasta da vela, médico que jamais desonrou Hipócrates, encontravam-se todos no convés do barco. Família, quase todos, exceto eu e o timoneiro Bochecha.
Conversa solta, muita água mineral e doses moderadas de uísque. O café que havia sido preparado para a noite estava em garrafas térmicas de superior qualidade.
A conversa era sobre o nosso teto, a abóboda celeste. Céu completamente estrelado, mostrando astros que a luminosidade das grandes cidades não permite ver.
Sirius, a mais brilhante estrela, irradiava luz esplendorosa. Tantas outras... Cansativo enumerar. Mas Betelgeuse, da constelação de Órion indicava naquela hora o rumo a ser tomado; bastava segui-la. É mais fácil do que ficar acompanhando o farol de Manguaratiba.
Conversa animada, participação de todos, e o barulho constante da água contra o casco do barco. Um pão de centeio feito por mim, em casa, era consumido com azeitonas gregas, o mar dá fome!
Aos poucos, os tripulantes vão para os seus beliches. Queria fazer o mesmo, antes das três horas, mas o timoneiro Bochecha não largava do assunto de estrelas. A experiência conta muito, e ele sabia do meu conhecimento, pequeno, mas capaz de levar um veleiro a qualquer parte do mundo. Com o GPS de hoje, levo o meu, na mesa do navegador existe outro, e para não perder o hábito e o longo estudo, tiro uma altura meridiana do Sol, anoto a posição encontrada, confiro com o GPS e ponto final. Passagem meridiana do Sol é quando ele se encontra na maior altura angular, a parti r do horizonte marítimo, até o astro.
Bochecha continua falando e sinto que não quer ficar sozinho no convés.
Pego umas almofadas, aleito-me no cockpit e tiro uma soneca, sem esquecer de passar um cabo na cintura e amarrar-me ao barco.
Estava esperando a claridade do crepúsculo matutino. Quando ele veio, acordei.
Em pouco tempo a Natureza presenteava-me com o nascer do Sol. Quem nunca viu, fica deslumbrado, sem palavras. O Sol começa a emergir, vermelho do seu horizonte. Pode ser observado sem proteção aos olhos. Vai subindo, subindo, até mostrar-se esplendoroso, quando não é mais recomendável sua mirada sem proteção.
É quando vejo que tinha a companhia de todos, no barco. O espetáculo é tamanho que batemos palmas, abraçamo-nos, rimos e vemos que a Vida tem sim, um sentido.
Jorge Cortás Sader Filho é escritor
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