Dez juízes são condenados à pena máxima da magistratura brasileira

Cortando na própria carne, o Poder Judiciário Brasileiro, através do Conselho Nacional de Justiça, condenou sete juízes e três desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso à pena máxima da magistratura do País de “aposentadoria compulsória proporcional a bem do serviço público” por desvio de dinheiro do próprio tribunal para cobrir um rombo financeiro deixado por uma cooperativa falida da Maçonaria no Estado.

Os dez magistrados julgados e condenados são o presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador Mariano Alonso Ribeiro Travassos, e os desembargadores José Ferreira Leite (ex-presidente) e José Tadeu Cury. Os sete juízes são Marcelo Souza de Barros, Antônio Horácio da Silva Neto, Irênio Lima Fernandes, Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, Graciema Ribeiro de Caravellas e Maria Cristina Oliveira Simões.

A condenação foi por conduta antiética, corrupção ativa e passiva através do desvio de R1,4 Milhão para tapar um rombo deixado pela cooperativa maçônica de Mato Grosso.

O CNJ determinou, também, que o processo seja encaminhado ao Ministério Público para abertura de ação para a devolução do dinheiro desviado. "Aqueles que tiveram participação ativa nesse esquema poderão até ter cassada a aposentadoria em processo de perda de cargo", explicou o ministro Ives Gandra Martins da Silva Filho, conselheiro do CNJ e relator do processo administrativo contra os três desembargadores e sete juízes de Mato Grosso.

"O que estamos discutindo é a dignidade, o decoro e a honra no exercício da magistratura", disse o Ives Gandra, que ressaltou terem os acusados "encontrado um modo de resolver os problemas da Loja Maçônica usando dinheiro do tribunal".

Segundo o relator, os desembargadores e juízes receberam dinheiro do Tribunal, a título de pagamentos atrasados, que foram entregues à Loja Maçônica Grande Oriente, onde o desembargador José Ferreira Leite era Grão-Mestre, maior autoridade da Maçonaria.

Até o filho de Ferreira Leite, o juiz Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, foi beneficiado. As três juízas, Juanita, Graciema e Maria Cristina, que participaram do esquema, segundo Ives Gandra, foram utilizadas como laranjas. Receberam dinheiro do Tribunal para repassarem à Maçonaria.

"O que nos preocupa é a confusão que se faz entre o público e privado. Está claro nesse processo que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso se transformou em uma filial da Loja Maçônica do Estado", declarou o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcanti, que participou da sessão plenária do CNJ que, por unanimidade, condenou os três desembargadores e os sete juízes.

O conselheiro Jefferson Kravchychyn foi incisivo ao dizer que se trata de “uma quadrilha que assaltava do Tribunal de Mato Grosso”, e Jorge Hélio Chaves foi além, ao dizer que “é preciso investigar mais, pois há indícios de questões muito mais graves, como esposa de magistrado recebendo até R$ 900 mil a título de indenização infundada”.

O relatório de Ives Gandra revela o desvio de R$ 4,5 milhões destinados ao pagamento de atrasados aos magistrados, dinheiro que teria de ser distribuído paritariamente a todos os juízes do Tribunal. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, disse o relator ao explicar a conduta dos magistrados.

Segundo ele, a distribuição de atrasados aos magistrados de Mato Grosso daria uma média de R$ 13 mil para cada, mas o valor é imensamente menor do que os envolvidos se auto-concederam. “Pagaram migalhas para alguns para fazer cortina de fumaça”, disse Ives Gandra ao revelar que somente o então presidente do tribunal recebeu R$ 1,2 milhão.

“Usei a expressão laranja porque alguns receberam um dinheiro que não era para ficar, era para passar à maçonaria. Tive dúvidas em condenar, porque receberam pressão, pois o dinheiro que foi para a maçonaria foi muito grande. Para se defender, os magistrados contaram histórias inverídicas”, disse o relator.

Em agosto de 2003, a loja maçônica presidida pelo desembargador José Ferreira Leite criou uma cooperativa de crédito. Em dezembro de 2004, os maçons gestores da entidade desfalcaram a cooperativa em R$ 1,7 milhão.

A Maçonaria decidiu, então, ingressar com ação na Justiça para recuperar dinheiro, mas ainda não teve êxito. Por conta disso, foram feitos empréstimos da ordem de R$ 540 Mil para repassar à loja maçônica, mas não deu para cobrir a dívida.

O presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e Grão Mestre da Maçonaria, com colaboração de dois juízes, fez gestões junto aos membros do Judiciário local para cobrir o rombo. Então, foi determinado o pagamento de verbas atrasadas a eles próprios e a magistrados que participaram do esquema e o dinheiro foi pedido de volta.

Os pagamentos eram feitos sem contracheque e somente a juíza Maria Cristina Oliveira Simões devolveu R$ 177 mil a Marcelo Souza de Barros. R$ 200 mil foram pagos a Juanita, que emprestou tudo à Maçonaria. Graciema recebeu R$ 185 mil e emprestou R$ 160 mil à Maçonaria. Entendeu que dinheiro tinha sido posto por engano na sua conta. Depois disse que na verdade era empréstimo.

“O que mais chama atenção é que Dra. Graciema disse que não estava emprestando, era dinheiro depositado por engano”, disse o relator Ives Gandra, que afirmou: “magistrado não pode confundir estorno com empréstimo”.

Ainda no relatório, Ives Gandra realça: “me parece uma pessoa que confessa qualquer coisa quando está sob forte pressão. Houve tentativa de salvar aquilo que antes já havia se mostrado realidade. Com a ajuda das magistradas somou-se R$ 937 mil, que ainda eram insuficientes. Mas, como não queriam socorrer a cooperativa com dinheiro próprio, de dezembro de 2004 a fevereiro 2005, concederam a eles mesmos, a título de atrasados, valores que sobrepujavam largamente os empréstimos feitos para a loja maçônica”.

O montante pago, a título de atrasados, foi de R$ 4,5 milhões para 338 magistrados, média de R$ 13 mil para cada, valor muito menor do que os pagos aos juízes envolvidos no esquema. “Pagaram migalhas para alguns para fazer cortina de fumaça”, ressaltou Ives Gandra.

“São valores superlativamente altos em comparação com resto da magistratura”, disse o relator. O que mais recebeu foi José Ferreira Leite, R$ 1,2 milhão de atrasados. O então corregedor-geral de Justiça, desembargador Mariano Travassos, atual presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, recebeu R$ 906 mil e o desembargador José Tadeu Cury, R$ 757 mil. Já o juiz Marcos Aurélio dos Reis Ferreira, filho do desembargador José Ferreira Leite, então presidente do tribunal, com apenas quatro anos de carreira, recebeu R$ 624 mil a título de atrasados.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, classificou de "insuficiente" a pena de aposentadoria compulsória aos três desembargadores e sete juízes de Mato Grosso. "A aplicação da aposentadoria seria uma espécie de benefício, ao invés de uma punição", disse ele, ao propor uma reflexão sobre a Lei de Organização da Magistratura ao CNJ.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso "passou a funcionar como uma filial loja da Maçonaria, o que é muito grave e mostra indícios de corrupção e de transgressão à lei".

ANTONIO CARLOS LACERDA

PRAVDA Ru BRASIL

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