O Senado conseguiu uma proeza que nem o mais competente estelionatário imaginaria factível. Fazer viger durante vários anos centenas de atos administrativos com as mais variadas finalidades sem que fossem publicados é uma façanha de admirar qualquer ilusionista, porque na administração pública as sentenças, nomeações e demais providências só passam a produzir efeitos após oficialmente tornadas públicas.
Mas é exatamente a indecência dos magotes de atos administrativos que lotavam as gavetas do diretor-geral do Senado, Alexandre Gazineo, e de seus dois antecessores que os tornavam impublicáveis. Mas a necessidade é a mãe da invenção, e surgiu a novidade dos atos secretos, na verdade um disfarce para um crime definido no artigo 305 do Código Penal, a supressão de documentos: destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor. A pena prevista é de dois a seis anos de reclusão e multa, se o documento é público; e reclusão, de um a cinco anos e multa, se o documento é particular.
Recitando o princípio básico constitucional da publicidade, o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, fez suaves observações a respeito do tema Eu tenho a impressão que o Senado em breve vai esclarecer o que ocorreu, sem necessidade de investigação policial ou do Ministério Público.
A realidade, no entanto, passa a léguas do diplomático juízo do ministro, que logo, logo, poderá ter de julgar pedidos de busca e apreensão que a Polícia Federal e o Ministério Público deverão requisitar, após a PF ver ignorados três ofícios enviados à presidência do Senado solicitando documentos referentes às investigações sobre créditos consignados que teriam sido intermediados por uma empresa da ex-babá do ex-diretor João Carlos Zogbi.
Demitir o diretor Alexandre Gazineo poderia poupar Sarney que, afinal, nem sequer sabia que o neto, de meros 22 anos e sete mil reais de salário era funcionário do colega Epitácio Cafeteira (PTB-MA).
Mas as indecências cometidas na Casa, com a bênção da maioria dos senadores, são tantas, tão antigas e tão variadas, que é pura veleidade aventar a possibilidade da sua reconciliação com a opinião pública, com o eleitorado cujos votos suas excelências tão zelosamente desonram.
Contam-se nos dedos os senadores dignos de frequentar aquela Casa e merecedores dos generosos subsídios e recursos públicos postos à sua disposição.
Escudado numa falsa altivez, o Senado, mergulhado num mar de denúncias e desconfianças, recusa-se a ser investigado, a pôr na mesa as cartas da verdade, a aceitar a escandalosa obviedade que o público não tem de bancar-lhes horas extras imerecidas, convênio médico vitalício para ex-senadores e outras despesas que os trabalhadores comuns pagam do próprio bolso. Uma instituição que opera ao molde de uma sociedade secreta, regida pela omertà, não representa, absolutamente, a sociedade brasileira.
Luiz Leitão [email protected]
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