Apesar do dito popular afirmar que a montanha pariu um rato, preferimos, neste caso, inverter os termos, para melhor significar o absurdo que o Referendo ao aborto representou, que, pelas suas consequências, graves, parece constituir uma montanha de enganos
Várias podem ser as leituras sobre as razões da abstenção registada no Referendo do último dia 11 de Fevereiro. Uma que não tem sido referida e que terá estado no espírito de um número significativo de portugueses, foi o de se considerar ilegítimo o escrutínio popular sobre uma matéria de tão grande melindre e responsabilidade, como é o aborto. Sabemos de pessoas que não o fizeram por essa razão. Mesmo nós, que nos batemos pela defesa da Vida intra-uterina, estivemos para não votar.
A abstenção é uma das opções possíveis e representa uma escolha tão democrática como qualquer outra, ainda que o sistema político vigente a despreze, e compreende-se Representa uma reacção de descontentamento popular, um mal-estar geral com a política e uma desconfiança generalizada em relação aos políticos. A superação deste problema, que é um problema do regime, deveria ser uma preocupação prioritária do nosso establishment, invés de continuar a meter a cabeça na areia... Porém ao que parece, há quem já esteja a pensar numa forma de tornar vinculativo qualquer que seja o universo de eleitores participantes num referendo.
Já agora, porque não fazer como no tempo do Tio António, a abstenção contava como um apoio implícito ao regime Quem cala consente, era a justificativa. No caso em pauta, os promotores do Referendo parecem pensar da mesma forma o que é comprometedor para quem se afirma historicamente antifascista. Se não foi vinculativo, porque a abstenção foi superior a 50% e mais 1, não se deveria evocar legitimidade democrática para alterar o Artigo 140º. do Código Penal, como insistentemente se afirma.
Por outro lado, o facto da hierarquia da Igreja ter salientado em vésperas do Referendo que a Vida não é referendável e não é, tal terá pesado no espírito de muitos católicos que optaram por não ir às urnas. Diga-se de passagem que os católicos constituem a maioria dos eleitores. Nesse sentido, a sua abstenção reflectiu uma posição de princípio, que deveria ser respeitada no momento da euforia despropositada dos apoiantes do SIM ao aborto, que tiveram apenas uma vitória aparente.
Houve também quem achasse inútil o seu voto porque a decisão sobre o aborto até dez semanas pela vontade unívoca da mulher já estava tomada pelos promotores do Referendo. Os factos posteriores confirmam esta tese. O Regimento Legislativo permite que propostas de alteração ao Código Penal, possam ser discutidas e aprovadas na Assembleia da República. Tanto assim, que o Partido Comunista defendia que o assunto deveria ser decidido no âmbito parlamentar.
Por certo não ignorava o êxito de uma tal decisão em razão da maioria absoluta de esquerda que nela existe. No fundo é o que vai acontecer, havendo inclusive uma proposta de lei aprovada na generalidade para esse efeito. Diga-se que o 1º. Ministro, José Sócrates, grande timoneiro do barco do aborto, nem precisa dos votos dos comunistas, nem de quaisquer outros, para a fazer aprovar na especialidade. O grupo parlamentar socialista tem só por si a maioria absoluta. Falta saber se nesta matéria o eleitorado efectivamente deu o seu aval quando elegeu o Partido Socialista. Parece-nos que não. De certo modo, com o Referendo perdeu-se tempo e dinheiro Apenas serviu para dividir ainda mais os portugueses, uma arte em que os Iluminados do Poder são habilíssimos.
A determinação dos promotores da liberação do aborto até dez semanas é tão obstinada que chega ao ponto de transformar o voto de um quarto dos eleitores possíveis, uma minoria portanto no universo dos eleitores possíveis, numa maioria absoluta a favor do SIM. E o 1º. Ministro, no entusiasmo de uma vitória pessoal (aparente), chega a declarar que os portugueses deram com seu voto um sinal claro de "modernidade" (SIC), um chavão agora muito em voga por tudo e por nada. É caso para dizer, e então os restantes 75% dos eleitores, não são portugueses?
Entretanto, os interesses económicos à volta do lucrativo mercado do aborto já deram sinal de vida. É um negócio que irá gerar 9 milhões de Euros por ano! Mundo cão este! Los Arcos e a El Bosque, clínicas privadas estrangeiras, já manifestaram junto da Direcção-geral de Saúde o seu interesse em instalar-se em Portugal. O Governo, face à provável incapacidade do SNS de atender à demanda de pedidos de aborto, admite acordos com clínicas privadas. Claro que o que vai acontecer é que estas vão receber de duas mãos, do Estado e da mulher abortiva. Talvez por isso, José Sócrates, já anunciou duas medidas que vão no sentido de criar entropias positivas ao mercado do aborto. Declarou que o aconselhamento às grávidas para prosseguir a gestação, não será obrigatório, posição contrária à manifestada logo após a euforia despropositada do SIM. E acrescentou que será adoptado o modelo alemão. Ora, na Alemanha são as grávidas que pagam do seu bolso o aborto. Só o aborto terapêutico é gratuito. Será por esta via que vai mesmo acabar com o ignóbil mercado clandestino do aborto, como tantas vezes tem sido referido? É preciso ter lata!
Artur Rosa Teixeira
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