Milton Lourenço
Depois de ter contribuído de maneira decisiva para o fracasso das negociações com vistas à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o governo brasileiro acaba de descobrir as vantagens desse tipo de tratado, ao anunciar que quer se beneficiar do Acordo de Livre Comércio entre EUA e América Central (Cafta) para exportar mais etanol para o mercado norte-americano. O objetivo é negociar a transferência de tecnologia brasileira para a produção de cana-de-açúcar e de máquinas e equipamentos para a produção de etanol.
A estratégia é produzir álcool hidratado no Brasil e exportá-lo para a América Central, onde o produto será transformado em álcool anidro e, depois, reexportado para os EUA e utilizado também nos demais países da região. É claro que o que menos importa aqui é esse adendo demais países da região porque o fundamental é vender para a maior economia do planeta cujo PIB anda ao redor de US$ 12,4 trilhões.
Diante disso, não há como deixar de recordar que essa triangulação comercial não é nova na história do País. Aliás, é velha de mais de dois séculos. Fazia parte do funcionamento do antigo sistema colonial do mercantilismo, como se pode constatar num livro já clássico de nossa História, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808), do professor Fernando A. Novais (São Paulo, Hucitec, 5ª ed., 1989).
Ali, à página 72, pode-se ler que as metrópoles européias, reservando-se a exclusividade do comércio com o Ultramar, organizavam um quadro institucional de relações tendentes a promover necessariamente um estímulo à acumulação primitiva de capital na economia metropolitana a expensas das economias periféricas coloniais.
Esse regime de monopólio colonial, ou usando um termo da época, de exclusivo metropolitano, constituía um mecanismo por excelência do sistema, pois através dele é que se processava o ajustamento da expansão colonizadora aos processos da economia e da sociedade européias em transição para o capitalismo integral.
Quer dizer: tanto fizemos que vamos acabar por reeditar o antigo sistema colonial, pois, desta vez, em vez de os produtos passarem obrigatoriamente pelo Reino para engordar os bolsos dos comerciantes metropolitanos, terão de passar por países periféricos para, então, chegar à metrópole do século XXI.
Como não temos tratado de livre comércio com os EUA nem o Mercosul com os países que integram o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o setor privado brasileiro foi levado a investir numa parceria com El Salvador para construir uma usina. Os brasileiros foram responsáveis pelo projeto e pelo fornecimento de equipamentos.
Como há outros projetos semelhantes na região, isso significa que os empregos que esses empreendimentos produzirão serão criados na América Central. Nada como viver num país rico cujo governo se preocupa com o desemprego no mundo é o que se pode pensar.
Hoje, o Brasil fornece 28% do álcool combustível importado pelos EUA, 12% do comprado por El Salvador e 19% do adquirido pela Jamaica. Como não há termo de comparação entre a economia norte-americana e as dos outros dois países, o que está em jogo é a venda do produto para os EUA. Afinal, embora o imposto de importação aplicado pelo governo norte-americano ao etanol seja de apenas 2,5%, o país coloca também uma barreira tarifária de US% 0,54 por galão, o que inviabiliza muitas vezes as exportações brasileiras.
Como a Alca não saiu do papel e o Brasil, na ótica do governo brasileiro, não precisa de acordo de livre comércio com os EUA, o País teve de encontrar uma maneira de atender à demanda da Costa Oeste americana por meio do Canal do Panamá. Isso significa que, para vender mais etanol para os EUA com menos gravames tarifários, o Brasil terá de dar uma parte de seus possíveis lucros às nações da América Central.
Também indústrias têxteis brasileiras começam a instalar filiais de produção nos países da América Central para atender aos reduzidos mercados locais e, obviamente, exportar para os EUA. Com que, então, voltamos, aos tempos coloniais: no lugar de Portugal, quem vai ganhar sem produzir, desta vez, são os países da América Central.
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Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]
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