Causou-me certo desconforto o silêncio de Minas sobre o centenário de nascimento do professor Clóvis Salgado da Gama, o imortal cidadão mineiro cuja trajetória de vida sempre foi assinalada pelo mais intenso patriotismo, honradez pessoal e competência profissional.
Apenas breves referências sobre o 20 de janeiro de 2006, data em que comemoraria 100 anos se vivo fosse. Fui seu auxiliar no Palácio da Liberdade quando assumiu o governo com o afastamento de Juscelino para disputar a Presidência da República e ainda guardo seu honroso despacho encaminhando-me para a tarefa de ajudar na redação da Mensagem Governamental daquele já longínquo 1955. Já ouvira falar de seu nome bem antes, quando escutei o notável professor Osvaldo Mello Campos se referir à técnica de Clóvis Salgado como verdadeira obra de arte na realização de uma cirurgia.
Notável médico, vencedor do concurso para a cátedra de Clínica Ginecológica da Faculdade de Medicina, transferiu-se do Rio para Belo Horizonte e aqui conquistou com sua multiforme cultura e apreço às coisas do espírito lugar destacado na vida mineira. Cedeu às tentações da política ao filiar-se ao velho PRM de Arthur Bernardes, de quem foi íntimo amigo, mantendo-se no velho Partido Republicano até seus últimos dias.
Ligado às artes, casado com Lia Salgado, soprano de voz maviosa, Clóvis participou intensamente do movimento musical de Belo Horizonte, colaborando decisivamente para a criação da Universidade Mineira de Arte, resultado da fusão da Sociedade Coral de Belo Horizonte, Cultura Artística de Minas Gerais e Sociedade Mineira de Concertos Sinfônicos. Poucas vezes a cultura musical terá se desenvolvido tanto em Minas Gerais quanto no tempo da atuação de Clóvis Salgado.
Se como professor universitário já granjeara justa fama e não menor reputação profissional, foi sua participação política que colocou seu honrado nome no panteão da história. Marcou sua gestão administrativa como governador criando o Departamento de Saúde Pública, o Departamento Social do Menor, inúmeros colégios estaduais, iniciando a construção do Hospital do Câncer e instalando postos de saúde em centenas de municípios. Foi o mesmo dinamismo e criatividade quando Ministro da Educação no governo Kubitschek, imaginando plano educacional voltado para o atendimento ao vigoroso Programa de Metas, transformando a educação em suporte do vasto programa desenvolvimentista de Juscelino.
Criou 14 institutos de ensino e pesquisa e mais nove universidades federais e teve a glória de propor ao Congresso a criação da famosa Universidade de Brasília. O que mais me atraia na personalidade fascinante de Clóvis Salgado era sua coragem pessoal e cívica. Doce e suave no trato, atrás daquele jeito delicado e bondoso ocultava-se homem voluntarioso, cheio de energia e capacidade de decisão nos momentos mais difíceis. Quando assumiu o Governo de Minas preparou a Polícia Militar para o enfrentamento em face das resistências golpistas à posse de Kubitschek, atuando decisivamente no movimento de 11 de novembro.
Juscelino elevou-o ao Ministério da Educação, onde realizou admirável trabalho em favor de uma educação séria e voltada à preparação da juventude para o novo país desenvolvido que surgia. Eleito novamente vice-governador na chapa de Magalhães Pinto em 1961, teve intensa presença no movimento militar de 1964, sempre com sua atuação assinalada pela coragem, prudência e lealdade a Minas Gerais. No Governo Israel Pinheiro foi chamado a colaborar como Secretário de Saúde, ao lado de suas atividades como membro do Conselho Federal de Educação e Diretor da Faculdade de Medicina da UFMG. Figura humana admirável, patriota intimorato, culto, honrado, o povo mineiro está lhe devendo maiores homenagens. A lembrança de seu nome, em hora de tantas incertezas e vacilações, servirá como modelo de dignidade e capacidade de servir ao interesse público.
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