O bitcoin e as tulipas digitais

A ideia de uma moeda gerada directa e descentralizadamente pelos utilizadores, sem a intervenção do sistema bancário, soa interessante. Para começar, não estaria sujeita ao processo de endividamento que caracteriza a moeda emitida pelos bancos comerciais privados quando concedem um crédito. Além disso, não dependeria de um respaldo por parte de um banco central, único emissor de moeda de alto poder. Essas são as principais virtudes de uma moeda cujo papel de meio de troca facilitaria as transacções e as desembaraçaria do jugo que o sistema financeiro mantém sobre a criação monetária. 

por Alejandro Nadal [*]

Actualmente existem várias moedas que pretendem ter essas qualidades e cuja distribuição é efectuada por meio da rede. Trata-se de moedas digitais e denominam-se cripto-moeda porque o controle dos pagamentos e transacções efectua-se mediante um sistema encriptado que impede a violação e, por assim dizer, a falsificação da moeda. A mais importante é o bitcoin, que foi introduzida em 2009 e já ganhou aceitação institucional em escala internacional. O governo do Japão, por exemplo, recentemente eliminou o imposto sobre as transacções que utilizam esta moeda digital, o que provocou um incremento da utilização do bitcoin e um auge no mercado de cripto-moedas. Por outro lado, as transacções com esta moeda digital não precisam de intermediários e portanto não é preciso pagar as avultadas comissões normalmente cobradas pelos bancos e pelos grandes operadores de cartões de crédito. 

Esta moeda digital foi considerada por muito como o instrumento de troca do futuro. Na actualidade é utilizada para todo tipo de transacções, desde uma pizza ao domicílio até um pacote de matérias-primas no mercado de futuros. O bitcoin pretende alcançar uma aceitação e utilização internacionais, quase a par do dólar estado-unidense ou do euro. Contudo, apesar do auge que experimentou o emprego desta cripto-moeda, há indicadores de que o sistema bitcoin está a funcionar próximo da sua capacidade de operação que é determinada pelo número de transacções que tolera. Isso provocou maior volatilidade no valor do bitcoin e até um aumento do custo de cada transacção, assim como demoras em confirmar que o pagamento foi efectuado de maneira correcta. 

Mas tudo o que foi dito nada é em comparação com o aumento explosivo no valor do bitcoin. Hoje um bitcoin cota-se no mercado de cripto-moedas em mais de 4 mil dólares. Ou seja, desde Maio até à data o bitcoin duplicou o seu valor. Convém recordar que o valor original do bitcoin quando teve início o seu emprego em transacções comerciais, em 2010, era de uns humildes centavos de dólar. 

A evolução das cotações do bitcoin indica com toda clareza que esta cripto-moeda converteu-se num activo como qualquer outro e é objecto de uma feroz actividade especulativa. Ou seja, estamos frente a uma bolha especulativa que poderia rebentar a qualquer momento. 

A explicação deste fenómeno repousa no duplo papel desta moeda. Por um lado é um simples meio de troca que pode ser usado para comprar qualquer artigo no mercado. Mas também é uma reserva de valor para enfrentar compromissos futuros. E por esta característica, um bitcoin converteu-se num activo no qual qualquer operador pode decidir colocar uma certa quantidade de riqueza. E aqui é onde tudo começa a comportar-se de uma maneira singular: ao aumentar o preço do bitcoin, a procura não só não se reduz como também aumenta. A expectativa de comprar algo hoje a um certo preço e vendê-lo amanhã a um preço mais alto é o motor de um comportamento especulativo que levou o bitcoin a níveis que não têm nada a ver com o seu emprego em transacções comerciais. 

Os utilizadores de bitcoin estão a adquirir esta moeda digital não porque seja útil como meio de troca. Estão a comprá-la porque o seu preço está a aumentar. É o mesmo fenómeno que se apresentou com todo tipo de activos nos mercados financeiros e recorda a febre das tulipas que invadiu os Países Baixos no século XVII. O estudo clássico de Peter Garber sobre a mania das tulipas (publicado em 1989 no Journal of Political Economy) revela que no momento de máximo auge desse mercado ninguém estava a comprar tulipas pelas suas qualidades ornamentais. Por isso o preço de um exemplar da variedade Semper Augustus passou de uns mil florins a mais de 5,5 mil florins entre 1623 e 1637. A loucura durou anos até que rebentou a bolha, deixando muitos na ruína. 

As virtudes que teria uma moeda não emitida pelo sistema de bancos comerciais privados são consideráveis. Mas enquanto não se puder controlar o seu papel de reserva de valor, as cripto-moedas não poderão separar-se do mundo da especulação. O bitcoin converteu-se numa colecção de tulipas digitais e o protagonista de uma bolha que logo terá de rebentar. 

23/Agosto/2017

 

O original encontra-se em 


[*] Economista, mexicano. 


Este artigo encontra-se em 

http://resistir.info/financas/bitcoin_23ago17.html

 

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