Projeto de Lei para regulamentar exploração de recursos genéticos

Projeto de Lei para regulamentar exploração de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais gera carta de repúdio

 

Povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares repudiam projeto de lei que vende e destrói a biodiversidade nacional

Os Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e os Agricultores Familiares do Brasil, representados por suas entidades e organizações parceiras abaixo assinadas, vêm expor o seu posicionamento sobre o Projeto de Lei n.º 7.735/2014 (atual PLC n.º 02/2015), que pretende regulamentar o acesso e a exploração econômica da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras, bem como dos conhecimentos tradicionais associados.

De início, registramos que os Povos e Comunidades acima mencionados estão plenamente cientes da atual ofensiva verificada no Brasil contra seus direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Federal, pela legislação ordinária e por Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, contexto no qual se insere o PL n.º 7.735/2014, apresentado ao Congresso Nacional pelo governo federal em regime de urgência. Em razão desse cenário, que ameaça a própria existência dos Povos e Comunidades Tradicionais, informamos que as entidades representativas encontram-se unidas e mobilizadas com a determinação de lutar conjuntamente na defesa de seus direitos historicamente conquistados, os quais constituem a base da soberania e democracia constitucional do País.

Especificamente em relação ao PL n.º 7.735/2014, que pretende anular e restringir nossos direitos, repudiamos a decisão deliberada do Poder Executivo de nos excluir do processo de sua elaboração, sem qualquer debate ou consulta, em violação à Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), à Convenção da Diversidade Biológica (CDB), ao Tratado Internacional dos Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura/FAO (TIRFAA) e à Constituição Federal. Em contraste a isso, denunciamos o amplo favorecimento dos setores farmacêutico, de cosméticos e do agronegócio (principalmente sementeiros), a ponto de ameaçar a biodiversidade, os conhecimentos tradicionais associados e programas estruturantes para a segurança e soberania alimentares, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com a possibilidade inclusive de legalização da biopirataria.

Tal cenário, reconhecido pelo próprio Governo, resultou em grave desequilíbrio no conteúdo do Projeto de Lei em questão. Além de anistiar as irregularidades e violações históricas e excluir qualquer fiscalização do Poder Público sobre as atividades de acesso e exploração econômica, o PL n.º 7.735/2014 viola direitos já consagrados na legislação brasileira, o que pode ser claramente verificado nos seguintes pontos principais:

1)       Em relação ao acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais:

a)       Deixa de prever e inviabiliza a negativa de consentimento prévio dos povos e comunidades tradicionais;

b)      Flexibiliza a comprovação do consentimento livre, prévio e informado, em detrimento da proteção de conhecimentos coletivos;

c)       Dispensa o consentimento livre, prévio e informado, para o acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura; e

d)      Permite que empresas nacionais e internacionais acessem e explorem, sem controle e fiscalização, o patrimônio genético brasileiro e os conhecimentos tradicionais associados, permitindo, por exemplo, o acesso de empresas estrangeiras a bancos de sementes.

2)       No que tange à repartição de benefícios:

a)       Prevê que apenas produtos acabados serão objeto de repartição de benefícios, excluindo os produtos intermediários;

b)      Restringe a repartição de benefícios aos casos em que o patrimônio genético ou conhecimento tradicional for qualificado como elemento principal de agregação de valor ao produto;

c)       Isenta de repartição de benefícios todos os inúmeros casos de acessos realizados anteriormente ao ano de 2000, e mantém explorações econômicas até hoje;

d)      Condiciona a repartição de benefícios apenas aos produtos previstos em Lista de Classificação a ser elaborada em ato conjunto por seis Ministérios;

e)       Estabelece teto, ao invés de base, para o valor a ser pago a título de repartição de benefícios;

f)        Deixa a critério exclusivo das empresas nacionais e internacionais a escolha da modalidade de repartição de benefícios nos casos de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional de origem não identificável;

g)      Isenta microempresas, empresas de pequeno porte e micro empreendedores individuais de repartir benefícios; e

h)       Exclui de repartição de benefícios a exploração econômica do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura.

3)       No que se refere às definições:

a)       Substitui o termo "povos" por "população" ao tratar de povos indígenas;

b)      Substitui o termo "agricultor familiar" por "agricultor tradicional", em afronta à Lei 11.326/2006;

c)       Descaracteriza a definição de "sementes crioulas" contida na Lei n.º 10.711/2003;

d)      Deixa de prever que o atestado de regularidade de acesso seja prévio e com debates participativos sobre seus termos ao início das atividades; e

e)       Enfim, adotou conceitos à revelia dos detentores dos conhecimentos tradicionais.

Diante do exposto, os Povos Indígenas, os Povos e Comunidades Tradicionais e os Agricultores Familiares do Brasil exigem o comprometimento do Governo Federal com a reversão do cenário acima denunciado, mediante a correção dos graves equívocos contidos no Projeto de Lei n.º 7.735/2014, de forma a assegurar o respeito e a efetivação dos seus direitos legal e constitucionalmente garantidos.

Declaramos que não mais admitiremos a postura antidemocrática e o engajamento político do Governo Federal, associado aos interesses empresariais e outros, em direção à expropriação da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras e dos conhecimentos tradicionais associados.

Reafirmamos, por fim, a nossa determinação de continuar unidos, mobilizados e dispostos a manter-nos em permanente luta na defesa de justiça e de nossos direitos.

Carta Circular Aberta - Brasília, 27 de fevereiro de 2015.

Assinam a presente carta: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=8001

 

 

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