Milton Lourenço (*)
SÃO PAULO Em tempos de crise, não há empresa que não se preocupe em cortar custos. No comércio exterior, não é diferente. Atividade complexa, exige que aquele que dela participa esteja sempre correndo contra o tempo. Por isso, não é de estranhar que os armadores estejam preocupados com o tempo que os contêineres ficam parados em vários portos do mundo, o que acaba por causar grandes transtornos na alocação destas unidades nos portos que apresentam maior demanda de cargas.
Para evitar esse problema ou pelo menos reduzi-lo a níveis aceitáveis, os armadores criaram o demurrage, uma forma de punição pelo atraso na devolução de contêineres em embarques regulares bem como pelo atraso nas operações dos navios afretados, a também chamada sobrestadia, que é a multa paga pelo contratante quando a embarcação demora nos portos mais do que o prazo acordado.
Em juridiquês, o demurrage representa uma prestação pecuniária pelo descumprimento de cláusula do contrato de transporte marítimo Bill of Lading (B/L) paga ao possuidor do navio (ou do contêiner) por aquele que motiva a permanência da embarcação no porto ou atrasa a sua devolução além de prazo previamente pactuado (free time).
Para obrigar o importador a devolver o cofre de carga, os armadores estabeleceram um free time, que leva em consideração fatores como o tempo de desembaraço e a conseqüente liberação do contêiner pela alfândega, a média dos prazos de devolução e a eficiência de cada porto nas operações de carga e descarga dos navios. Os valores do free time são sempre aleatórios, pois levam em conta não só a média dos custos diários que os armadores têm com estes equipamentos como estabelecem um adicional para compensar o que deixam de ganhar pela falta de contêineres no porto. Não raro ultrapassam os limites do bom senso.
É claro que esses valores são sempre contestados por aqueles que sofrem as conseqüências do demurrage, até porque cada porto tem as suas peculiaridades e capacidade de operação. No Brasil, por exemplo, a média do tempo do desembaraço aduaneiro chega a superar o período de 15 dias, bem diferente do que ocorre, por exemplo, nos grandes portos asiáticos e europeus. Sem levar em conta as características dos portos brasileiros, o free time médio estabelecido pelos armadores é de cerca de 10 dias, o que, obviamente, prejudica o importador nacional e seus representantes.
Recentemente, o Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Carga e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) questionou e o fez muito bem o fato de os armadores não atualizarem os procedimentos burocráticos do funcionamento do porto a fim de que o free time e as diárias possam variar de acordo com a época, especialmente levando em conta o atual momento de crise internacional.
O Sindicomis também não concorda com o tratamento diferenciado que os armadores dão em relação aos armadores sem navio, os chamados Non Vessel Operating Common Carrier (NVOCC), na aplicação de pena de perdimento. Ou seja: quando a importação é direta com o armador, a cobrança do demurrage é, em geral, suspensa, mas, no caso do NVOCC, a cobrança é mantida. Dá-se, portanto, a aplicação de dois pesos e duas medidas.
Por isso, a proposta do Sindicomis é no sentido de que seja aplicado ao free time o mesmo que se aplica no afretamento de navios, no cálculo de dias em sobrestadia, quando não são contados os horários em que o porto ou os terminais não trabalham, e os domingos e feriados. Dessa maneira, a contagem do tempo não seria mais em dias corridos, mas em dias e horários efetivamente trabalhados. Nada mais justo.
Também não é aceitável que especialmente o médio e o pequeno importador, cujas compras ao exterior apresentam baixo valor agregado, sejam os mais prejudicados pela aplicação do demurrage, já que essas penalidades têm um impacto muito grande em seus custos de importação.
Até porque nunca são os únicos responsáveis pela demora na devolução do contêiner ou pela ocorrência de sobrestadia, já que também são vítimas dos chamados gargalos logísticos que ocorrem nos portos brasileiros, especialmente no porto de Santos. Sem contar que 97% das cargas movimentadas no comércio internacional brasileiro são transportadas por navios, o que, obviamente, só contribui para a ocorrência de demurrage.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Centro de Logística de Exportação (Celex), de São Paulo-SP. E-mail: [email protected] Site: www.fiorde.com.br
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