Na opinião de muita gente, economia é um assunto muito complicado, razão pela qual muitos nem se preocupam em tentar entendê-la, alegando tratar-se de matéria para especialistas.
De fato, há um enorme volume de textos sobre o assunto escritos por e para especialistas. São, via de regra, publicados em veículos especializados e, nesses casos, a terminologia utilizada dificulta a compreensão dos leigos, uma vez que costumam conter expressões técnicas e, muitas vezes, fórmulas e gráficos. O uso de jargão próprio, característico desse tipo de publicação, não é, porém, um privilégio dos economistas, podendo ser verificado em publicações especializadas em muitas outras áreas do conhecimento.
Diante dessa dificuldade, surgiram recentemente alguns livros com o propósito de tentar tornar o tema mais acessível ao público em geral, destacando-se, nessa categoria, o best seller Freakonomics, de Steven Levitt e Stephen Dubner, já comentado neste espaço.
Embora reconhecendo a importância de publicações desse tipo, creio que é um equívoco ficar se esforçando para negar o elevado grau de dificuldade contida na ciência econômica. Trata-se, efetivamente, de uma área complexa do conhecimento e seu domínio requer muito empenho e razoável cultura geral de quem se propõe a estudá-la, uma vez que o curso está ancorado em três pilares bastante rígidos: um pilar de teoria econômica, um de história econômica e um de métodos quantitativos. Portanto, fazer um bom curso de economia é coisa para quem quer se dedicar com afinco, pois vai exigir um empenho maior do que o exigido em diversos outros cursos.
Outro fator que contribui para a complexidade da compreensão da economia é a estreita relação que ela possui com diversas outras áreas do conhecimento, algumas delas também muito complexas, possibilitando o aparecimento de uma série de ramificações, que se traduzem em novos campos de pesquisa que podem ser explorados em nível de especialização ou pós-graduação. Uma das áreas com a qual a economia pode se relacionar é a psicologia, e é exatamente sobre essa relação que versa o livro da Profª Vera Rita de Mello Ferreira, objeto deste artigo.
O campo da psicologia econômica, aliás, vem tendo sua importância crescentemente reconhecida, a ponto de alguns de seus expoentes terem sido agraciados com o Prêmio Nobel, a mais cobiçada e prestigiada láurea que um cientista pode obter.
Tratando de um tema que combina duas áreas complexas do conhecimento como a economia e a psicologia, o livro não é, evidentemente, de leitura fácil. O que não quer dizer que deva ser evitado por quem não tem interesse específico no assunto por motivos profissionais. Afinal, o livro se constitui num estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão, dizendo respeito, nesse sentido, a qualquer um de nós, obrigado a tomar decisões o tempo todo, em função da situação típica examinada pela economia, qual seja, compatibilizar o atendimento de necessidades ilimitadas dispondo apenas de recursos escassos. O subtítulo como o comportamento econômico influencia nossas decisões foi muito bem escolhido para mostrar como essa combinação de psicologia e economia faz parte do nosso dia-a-dia.
Dividido em seis partes e 29 capítulos, o livro cujo texto foi quase inteiramente adaptado a partir da tese de doutoramento da autora acrescido de comentários adicionais foi concebido para servir como guia introdutório à psicologia econômica, com orientação e referência ao seu estudo.
A Parte I, que compreende os capítulos 1, 2 e 3, tem o objetivo de situar o tema, delimitando, inicialmente, os conhecimentos envolvidos psicologia, economia, psicologia econômica e psicanálise , para, posteriormente, explorar as possibilidades de interseção entre eles. Além de oferecer uma visão geral sobre o assunto, esta parte do livro permite que o leitor conheça um pouco da história dessa área do conhecimento.
A Parte II descreve outros diálogos da psicologia econômica, identificando e apresentando uma breve caracterização de áreas (algumas das quais vêm ganhando recentemente acentuado destaque) que também estudam o comportamento econômico e suas associações científicas. Em seus nove capítulos, são examinadas: Economia Comportamental ou Economia Psicológica; Finanças Comportamentais: Socioeconomia; Psicologia do Consumidor; Pesquisa sobre Julgamento e Tomada de Decisão; Economia Experimental; Neuroeconomia; Economia Antropológica ou Antropologia Econômica; e Nova Economia Institucional.
A Parte III amplia a análise dos modelos, autores e obras de Psicologia Econômica, permitindo que o leitor trave contato com alguns dos seus maiores expoentes, entre os quais os laureados com o Nobel, Henry Simon (1978) e Daniel Khaneman (2002). Embora Vernon Smith, que dividiu o Nobel de Economia de 2002 com Daniel Khaneman, seja também considerado um expoente nesse campo, não é mencionado nessa parte do livro.
Depois dessas três primeiras partes, a abordagem do livro muda de foco, passando a enfatizar aspectos com os quais os economistas possuem maior familiaridade. A Parte IV, por exemplo, focaliza o problema da Tomada de Decisão e seus quatro capítulos abordam questões como escolha intertemporal, distorções de percepção e avaliação, e implicações para investimentos, concluindo com a apresentação de um modelo psicanalítico de tomada de decisão.
A Parte V, intitulada Comportamento Econômico, fornece informações mais detalhadas sobre itens específicos, tais como poupança, crédito e endividamento, decisões domésticas, socialização econômica, compras compulsivas, e meio ambiente.
A leitura dessas duas partes (IV e V) apresenta alto grau de complementaridade, abrindo ampla possibilidade de entendimento sobre o processo de tomada de decisão, no qual fatores cognitivos e emocionais podem criar importantes distorções na apreensão dos fatos, gerando, como decorrência, implicações para investimentos.
A Parte VI, por fim, examina as perspectivas da psicologia econômica no mundo e no Brasil, procurando visualizar alguns cenários futuros para o desenvolvimento teórico deste campo do conhecimento.
A autora, Vera Rita de Mello Ferreira, é psicanalista formada pelo Instituto Sedes Sapientiae, consultora e supervisora de projetos na área psico-econômica. Doutora pela PUC-SP e Mestre em Psicologia Social pela USP, leciona Psicanálise e Psicologia Econômica em cursos de extensão, especialização e grupos de estudos. Como pioneira na pesquisa desse tema no Brasil, tem sido muito requisitada para palestras e tem participado de inúmeros congressos e seminários no Brasil e no exterior, além de escrever artigos com certa freqüência para o jornal Valor Econômico.
Como assinalei no início do artigo, não se trata de um livro de leitura fácil. Mas não deixa de ser uma indicação muito oportuna em se considerando a grave crise que se abateu sobre a economia mundial na segunda metade de 2008. Pode, também, ajudar a compreender os mistérios de uma ciência capaz de laurear, num ano, um economista por suas contribuições no campo das expectativas racionais, que parte da premissa de que os agentes econômicos agem sempre racionalmente; e, poucos anos depois, economistas que afirmam exatamente o contrário, ou seja, que em momentos de euforia, os agentes econômicos esquecem totalmente a racionalidade e embarcam em apostas de alto risco na perspectiva de obterem polpudos e rápidos ganhos, de preferência sem terem de fazer muito esforço.
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências e indicações bibliográficas
DUBNER, Stephen J., e LEVITT, Steven D. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo o que nos afeta: as revelações de um economista original e politicamente incorreto. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
FERREIRA, Vera Rita de Mello. Psicologia econômica: como o comportamento econômico influencia nas nossas decisões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
______________ Decisões econômicas você já parou para pensar? São Paulo: Saraiva, 2007.
______________ O componente emocional funcionamento mental e ilusão à luz das transformações econômicas no Brasil desde 1985. Rio de Janeiro: Papel e Virtual, 2000.
KATONA, George. Psychological Economics. New York: Elsevier, 1975.
LEA, Stephen E. G., TARPY, Roger M. e WEBLEY, Paul. The individual in the economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
Referências e indicações webgráficas
Journal of Behavioral Economics, depois Journal of Socio-Economics. Disponível em http://www.sciencedirect.com/science?_ob=JournalURL&_cdi=7249&_auth=y&_acct=C000050221&_version=1&_userid=10&md5=82be6d2a3c8614feb8b94841d3813853&chunk=1#1
Journal of Behavioral Finance. Disponível em http://psychologyandmarkets.org/journals/journals_main.html.
LEIA declaração que justifica Prêmio Nobel de Economia de 2002. Folha de S. Paulo. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u226.shtml.
MACHADO, Luiz Alberto. Leitura imperdível Freakonomics. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3631.
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Este texto foi publicado originalmente em http://www.lucianopires.com.br.
A publicação deste artigo no site do COFECON foi autorizada pelo autor.
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(*) Economista, formado pela Universidade Mackenzie em 1977. É Vice-Diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP, na qual é Professor Titular das disciplinas de História do Pensamento Econômico e História Econômica Geral.
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