Álvaro Pedreira de Cerqueira
Há limites para o bem que o Estado pode fazer à sociedade. Mas não ao mal que pode fazer. Ludwig von Mises
De acordo com Ludwig von Mises (1881-1973), da Escola Austríaca de Economia, o intervencionismo do Estado no mercado não realiza os seus fins pretendidos. Em vez disso, ele altera o mercado. E aquela distorção precisa de ajuste. O resultado é mais distorção, conduzindo a mais intervenção e a concomitante estagnação causadora muitas vezes de falência de negócios. Uma prova atual é a causa da presente crise econômica que assola a economia mundial.
Nos anos 20 o presidente Hoover, dos Estados Unidos, fez intervenções que resultaram na quebra da Bolsa de Nova York em 1929, em parte por inexperiência das autoridades monetárias, levando o mundo à maior depressão econômica da história. Eleito o presidente Roosevelt, este aplicou as idéias de Keynes, que recomendavam que o Estado gastasse para reanimar a atividade econômica e o emprego. Hayek, aluno de von Mises, avisou que os elevados gastos estatais trariam inflação, nova queda na atividade e novo surto de desemprego. Tal não ocorreu logo porque estourou a segunda Guerra mundial e os Estados Unidos passaram a fornecer à Europa não só armas, veículos e soldados, mas petróleo, alimentos e remédios. O PIB americano cresceu 6 vezes no período da guerra, escondendo a inflação.
Em 1938 Roosevelt criou duas empresas de financiamento da habitação a juros subsidiados (nova intervenção no mercado), a Fannie Mae e a Freddy Mac, para financiar hipotecas garantidas pela Federal Home Administration. Elas foram usadas por cada presidente que sucedeu a Roosevelt como um meio de realizar este estranho valor americano de que cada cidadão deve possuir uma casa, não importa quem. Assim, deram permissão legal a essas duas companhias de comprar hipotecas privadas e incorporá-las às suas carteiras, as subprime.
Mais tarde, nos governos dos presidentes Johnson e Nixon, elas foram transformadas em empresas públicas e venderam ações nas bolsas. As pessoas chamaram esta venda de ações de privatização, mas isto é falso. Elas tiveram acesso a uma linha garantida de crédito junto ao Tesouro dos Estados Unidos, com direito a taxas de juros mais baixas do que qualquer de suas concorrentes do setor privado.
Depois da crise do choque do petróleo dos anos 70, em que Nixon acabou com o padrão ouro e adotou o câmbio flutuante, os Estados Unidos tiveram inflação elevada e o Fed (Banco Central americano) subiu as taxas de juros para 6% para controlá-la. Mais tarde o Fed, sob a presidência de Alan Greenspan, abaixou a taxa de juros dos fundos federais de 6 % em janeiro de 2001 para 1 % até o junho de 2004, por cerca de 3 anos e meio, causando uma explosão inusitada dos empréstimos hipotecários. Sem a baixa agressiva das taxas de juros pelo Fed, os empréstimos hipotecários não poderiam ter explodido.
A frouxidão monetária adubou o terreno para várias atividades falsas que não teriam ocorrido sem aquela facilidade. Mesmo se as autoridades tivessem mantido controles fortes sobre os empréstimos hipotecários, enquanto ao mesmo tempo criavam dinheiro do ar rarefeito, como escreveu Frank Shostak em artigo de 29.09.2008 no site do Ludwig von Mises Institute, e os excessos teriam surgido em algum outro setor. Os bancos acabariam tendo ativos ruins não-hipotecários. A política frouxa do Fed é o ponto crucial do problema.
Assim, antes que culpar os sintomas, o que é necessário é deixar o mercado trabalhar e fechar todos os buracos que permitem a criação de dinheiro e crédito a partir do nada", como defende Shostak. Mas o presidente Bush decidiu emitir mais dinheiro falso, mais de 700 bilhões de dólares, para o resgate das hipotecas podres. É sempre assim, intervenção do governo traz problemas e as autoridades acham que o remédio é mais intervenção, como ensinou von Mises, jogando sempre a conta para os pagadores de impostos pagar. Eles juram que qualquer outra opção seria devastadora para o já sofredor mercado de habitação. A razão deste setor estar tão selvagemente inflado é que os bancos sabiam que a Fannie e a Freddie seriam capazes de comprar qualquer dívida de hipoteca criada pelo sistema bancário.
O resultado está no pânico que tomou conta dos mercados mundiais, e Lula acha que chegará ao Brasil apenas uma marolinha e não o tsunami que atingiu a Europa e a Ásia em 6 de outubro, a "segunda-feira negra" corno foi chamada. Mas veja o leitor que não estamos falando sobre o fracasso do mercado. A imprensa e o governo americano estão se esforçando para culpar desta calamidade os tomadores de empréstimo privados e os emprestadores. Mas a origem dessa tragédia é a legislação federal americana. Essas duas companhias, Fannie e Freddie, não são entidades de mercado. Elas foram por muito tempo garantidas pelo Tesouro, ou seja, pelos pagadores de impostos. Segundo Lew H. Rockwell, júnior, presidente do Ludwig von Mises Institute, do Alabama, EUA, elas também não são entidades socialistas, porque têm donos privados. "Elas ocupam um terceiro status para o qual há um nome: fascismo", diz ele em um artigo de 14.07.2008. Realmente, é sobre isto que estamos falando: a tendência inexorável do fascismo financeiro para transformar-se em socialismo financeiro na sua plenitude, que acaba em bancarrota, em falência.
Ainda para este mesmo autor, intervenção do governo no mercado parece-se com um frasco de veneno que se despejasse no sistema de distribuição de água potável de nossa cidade. Poderíamos sobreviver com ele durante um longo tempo e ninguém parece ficar envenenado. Um dia acontece que todo mundo fica doente, e a culpa não é do desconhecido veneno, mas da própria água. Assim aconteceu com a atual crise da habitação. Os emprestadores estão sendo culpados do fiasco inteiro, e o capitalismo está sendo submetido a uma surra corno de hábito, desde que a Freddie e a Fannie estão sendo vendidas em mercados públicos. Mas a causa real permanece, e há só uma razão para a crise que se agravou a esse ponto. A causa está naquele frasco de veneno do governo, chamado intervencionismo. Corno ensinou von Mises nos anos 20 do século passado.
O autor é Diretor do Conselho Nacional de Entidades CONNACEN (Objetiva trabalhar pelo aperfeiçoamento do Estado brasileiro). [email protected]
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