Assassinato de Khashoggi: "Dupla Moral na Política dos EUA", Diz Kiriakou
Em 26 de fevereiro, o governo Biden divulgou relatório da CIA em que a agência de inteligência concluiu, em 2018, que Mohammed bin Salman (MBS) aprovou o assassinato do colunista Jamal Khashoggi do Washington Post, naquele ano.
Jamais revelado pelo ex-presidente Donald Trump, o documento cita o "poder absoluto" do príncipe herdeiro MBS sobre as forças de segurança e inteligência sauditas desde 2017. "O príncipe herdeiro via em Khashoggi uma ameaça ao Reino e, amplamente apoiado, aplicava medidas violentas se necessário para silenciá-lo", denunciou o relatório.
O príncipe, que poderá governar um dos maiores exportadores de petróleo do mundo aos EUA por várias décadas além de aliado contra o Irã, negou qualquer envolvimento no assassinato: o governo saudita emitiu uma declaração rejeitando as conclusões do relatório americano.
Em entrevista exclusiva o ex-agente da CIA, denunciante e premiado autor John Kiriakou comenta suas percepções sobre o relatório da inteligência dos Estados Unidos, a resposta do presidente Biden e de MBS a ele, e a omissão do ex-presidente Trump em liberar o documento.
"Se um país é amigo dos EUA e tem problemas de direitos humanos, não há punição", observa Kiriakou na conversa a seguir em sua residência na Virgínia, Estados Unidos.
Edu Montesanti: John, gostaria muito de agradecer a grande honra de, mais uma vez, entrevistá-lo.
O documento de inteligência dos EUA, culpando Mohammed bin Salman (MBS) pelo assassinato de Jamal Khashoggi, cita o "poder absoluto" do príncipe saudita sobre as forças de inteligência e segurança sauditas desde 2017. Rejeitando as acusações, o regime saudita disse que havia tomado "todas as medidas possíveis dentro de nosso sistema legal para garantir que esses indivíduos [envolvidos no assassinato] fossem devidamente investigados e para garantir que a justiça fosse feita ", já que cinco pessoas foram condenadas a 20 anos de prisão cada pelo assassinato do jornalista.
Tem sido uma visão comum em todo o mundo o papel do Príncipe no Reino Saudita, coincidindo com as informações da inteligência dos EUA agora, bem como o envolvimento direto de Bin Salman no assassinato de Khashoggi, crime hediondo.
Como você vê a questão, considerando os dois lados? O relatório da CIA também confirmou suas percepções? Não é impensável que Bin Salman pudesse ter estado fora do crime, John?
John Kiriakou: Não quero parecer pouco diplomático, mas o governo saudita está mentindo.
Em primeiro lugar, há evidências muito claras de que o príncipe herdeiro saudita Muhammad bin Salman foi diretamente responsável pelo assassinato e carnificina de Jamal Khashoggi. Foi o MBS quem ordenou o assassinato, quem providenciou o financiamento e a logística para o assassinato, e quem escolheu a equipe de assassinos.
Khashoggi está longe de ser o único dissidente saudita silenciado por MBS. Dissidentes sauditas de todo o mundo - ainda na semana passada no Canadá - foram sequestrados e devolvidos à Arábia Saudita, onde ninguém mais ouviu falar deles.
Os sauditas também mentem quando afirmam que os autores do assassinato foram levados à justiça. Não é verdade.
Houve pessoas designadas para "assumir a responsabilidade" pelos que mataram Khashoggi, e os filhos de Khashoggi foram forçados, na televisão saudita, a perdoar os assassinos.
Do lado americano, o que vimos na semana passada foi um fracasso total da liderança dos EUA. Joe Biden teve a oportunidade de "recalibrar" a relação Estados Unidos-Arábia Saudita.
Ele teve a oportunidade de punir a Arábia Saudita. Ele teve a oportunidade de dizer ao rei Salman que os Estados Unidos não negociariam com seu filho. Ele teve a oportunidade de exigir mudanças na política saudita. E ele não fez nada.
Aponte-se a mensagem enviada pelos Estados Unidos: um governo estrangeiro pode assassinar um residente nos EUA e um jornalista a sangue frio, e não pagar nenhum preço por isso.
Como você vê o fato de o ex-presidente Donald Trump ter se recusado a divulgar esta descoberta de inteligência?
Donald Trump estava totalmente nas mãos da família real saudita. Os sauditas investiram em propriedadesd e Trump, e a família Trump investiu na Arábia Saudita.
Trump tentou convencer o povo americano de que era do nosso interesse atender aos sauditas. Ele estava errado, e a política serviu para enfraquecer os Estados Unidos.
O presidente Biden, até agora, não impôs sanções diretamente ao príncipe enquanto os EUA e, principalmente, os democratas costumam alardear direitos humanos, usando-os como arma política contra alguns em todo o mundo ao mesmo tempo em que cegam os olhos quando é do interesse do regime de Washington.
Não se trata de outra contradição, John, para não dizer hipocrisia desavergonhada diante de um crime hediondo - e um crime hediondo não apenas contra um jornalista que costumava criticar fortemente a consolidação autoritária do poder do príncipe, mas também contra um residente permanente dos EUA como Khashoggi?
A falha de Biden em tomar qualquer medida após a violação dos direitos humanos de Khashoggi mostra a dupla moral na política dos EUA. Se um país é amigo dos EUA e tem problemas de direitos humanos, não há punição.
Se o país for hostil, como o Irã, estará constantemente em perigo de sofrer sanções de ação militar.
Kiriakou é uma das vozes mais importantes dos Estados Unidos. Gostaríamos de agradecê-lo imensamente por conceder-nos esta entrevista, sobre um assunto da mais extrema gravidade. Quanto aos sauditas, por muito tempo violam gravemente os direitos humanos, sendo um dos regimes mais criminosos do mundo jamais minimamente advertido pelo regime de Washington.
Foto: https://en.wikipedia.org/wiki/Jamal_Khashoggi#/media/File:Mohammed_bin_Salman's_Saudi_Arabia_A_Deeper_Look_(40917729462).jpg
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