Carta Aberta ao Sr. Primeiro-Ministro Dr. António Costa pelo Presidente do Nós, Cidadãos!
Sr. Primeiro-Ministro Dr. António Costa
Os Portugueses sabem que 112 é o número de emergências de saúde. Agora sabem que 942 é o número das emergências da Educação. Não deixe que o seu governo, como na época de incêndios de 2017, só atue após a calamidade que já está a acontecer na educação.
97% dos professores - dizem as sondagens - estão revoltados com a falta de contagem do tempo de serviço e vão justamente recusar-se a implementar as políticas do ministério da Educação. Os Portugueses saberão quem foi o responsável dessa calamidade.
Permita-me que lhe diga porquê.
1. Autonomia e Flexibilidade Curricular, e Educação Inclusiva (DL 54 e 55 de 6 de julho de 2018), são documentos que introduzem uma nova visão da educação, e uma mudança de paradigma, para ir ao encontro dos desafios educativos do século XXI.
2. Esta legislação vem operacionalizar uma nova visão sobre o futuro da educação, e dando sentido a documentos que saíram no decorrer deste ano letivo, a saber; A Estratégia Nacional para a Cidadania; O perfil do aluno do século XXI e as Aprendizagens essenciais de todas as disciplinas de todos os anos de escolaridade.
3. Este conjunto de documentos pode mudar para melhor o futuro da educação em Portugal. Neste aspeto o seu Governo está de parabéns, pela visão, e capacidade de atualização resultante de um projeto-piloto implementado em escolas portuguesas que se voluntariaram e que foram acompanhadas no terreno.
4. Mas o que o Ministério da Educação faz bem, por outro lado desfaz. A política do seu Governo para as escolas e os professores está a inviabilizar os recursos humanos que deveriam aplicar os diplomas que acabam de ser promulgados. Numa palavra, o Ministério da educação está a destruir os professores que deveriam aplicar
5. A não contagem integral de quase uma década de tempo de serviço prestado - 9 anos, 4 meses e 2 dias - é um atentado à classe a quem é pedido um esforço para se apropriar do conteúdo dos novos diplomas, alterar as práticas e implementar novos normativos a partir do dia 1 de setembro.
6. Os professores estão desgastados, sem tempo nem condições. O seu governo está a minimizar problemas reais, como sejam a exaustão emocional (burnout) e o envelhecimento do corpo docente, o excesso de burocracia a que obrigam professores e diretores de escola, a sobrecarga de tarefas e horários. Acresce que nos últimos dez anos (2008-2018) os professores perderam poder de compra e ao serem "descongelados" nada de significativo mudou nas suas vidas.
7. Com a péssima política em recursos humanos, o seu Ministério da Educação está a inviabilizar as boas políticas de inovação pedagógica, trabalho colaborativo. Assume uma posição pública de desvalorização dos professores, optando por políticas de betão, sem perceber que apostar na educação é um investimento no país, o único com repercussões garantidas no desenvolvimento dos Portugueses.
8. Relembro-lhe os seguintes factos que se devem aos professores:
a) A história da escola pública democrática é uma história de sucesso; nas últimas quatro décadas Portugal recuperou de um atraso histórico. Em 1974 41 mil alunos estavam no ensino secundário e em 2017 tivemos 400 mil alunos. Em 1980 apenas 12% dos alunos concluía o ensino secundário. Em 2007 concluem cerca de 60%.
b) Desde 2000 até 2018 os resultados escolares de Portugal nas avaliações internacionais do PISA têm subido todos os anos. As competências dos estudantes portugueses testados nesses testes internacionais aproximam-se dos outros sistemas de ensino.
c) Os nossos estudantes que usufruem de programas Erasmus não têm dificuldades na integração nos sistemas de ensino de outros países.
9. Agora compare como o seu Governo está a tratar os professores:
a) Os professores são a única classe profissional deste país obrigada a efetuar formação contínua, anualmente, fora do seu horário de trabalho e a maior parte das vezes paga pelos próprios.
b) Os professores são a única classe profissional que em concursos precários tem de redefinir a sua vida de dois em dois anos, sendo que uma parte anda todos os anos com a casa às costas, pelo país, sem subsídio de deslocação e até aos 55 anos.
c) Os professores trabalham na escola em casa 2x ou 3x o número de horas do horário oficial. Segundo o relatório da OCDE: O volume de trabalho dos docentes portugueses é superior à média da OCDE (2014, p.4) .
10. Face a isto que lhe pedem os professores? Os professores não estão a pedir retroativos. Os professores não estão a pedir aumentos. Os professores não estão a pedir subidas automáticas na carreira. Estão apenas a pedir que lhes seja contado o tempo que trabalharam: 9 anos 4 meses e 2 dias. 9-4-2
11. Nas últimas décadas o país ganhou a batalha da massificação da educação. Uma vez resolvidos os problemas de alargamento do sistema educativo português, dando acesso universal, está na hora do aprofundamento, de apostar na qualidade, permitindo o acesso de todos ao sucesso. Apostar na qualidade não se resolve apenas por mudanças legislativas. É preciso cuidar das condições humanas, é preciso assegurar a disponibilidade e o envolvimento de todos, dignificar o processo educativo, o único elevador social que permite sair da pobreza. É preciso cuidar dos agentes educativos, valorizá-los para que em conjunto o país tenha futuro.
12. Há problemas graves ainda por resolver no nosso sistema educativo. As elevadas taxas de retenção e de abandono, por exemplo, só serão superadas com um trabalho no terreno que dê condições práticas para uma diferenciação pedagógica real, metodologias ativas e processos de trabalho que conduzam a uma aprendizagem dos nossos alunos; tudo isso é incompatível com o excesso de burocracia e a falta de reconhecimento profissional do nosso corpo docente ou a não contagem integral do tempo de serviço público prestado com qualidade e que contribuiu para o reconhecimento da OCDE em matéria de educação.
13. É importante que a aposta na educação não seja apenas no papel. A produção de diagnóstico, e a mudança de legislação não é difícil. O mais difícil é o que falta fazer: a implementação, a execução, a mudança prática, a apropriação e interiorização de um novo paradigma educativo. Nenhuma mudança significativa na escola portuguesa irá ocorrer se o seu Governo continuar a menorizar os professores agentes educativos, tratando-os "abaixo do betão".
Sr. Primeiro-Ministro António Costa
14. Os Portugueses sabem que 112 é o número de emergências de saúde. Agora sabem que 942 é o número das emergências da Educação. Não deixe que o seu governo, como na época de incêndios de 2017, só atue após a calamidade que já está a acontecer na educação. 97% dos professores - dizem as sondagens - estão revoltados com a falta de contagem do tempo de serviço e vão justamente recusar-se a implementar as políticas do ministério da Educação. Os Portugueses saberão quem foi o responsável dessa calamidade.
15. Os professores não exigem que o Ministério da Educação contabilize o tempo de serviço todo de uma vez só. Há várias soluções possíveis relacionadas com a idade de reforma, com a contagem progressiva de tempo de serviço, etc. Só não é aceitável apagar dez anos da vida de ninguém. Não pode dizer a um estudante do 10º ano que agora tem de voltar para o 1º ano, pois não trabalhou nesses anos. Não pode dizer a uma mãe que elogia os professores que levaram o seu filho desde o 1º ao 10º ano que os professores não trabalharam esse tempo.
16. É altura de os dinheiros públicos serem investidos nas áreas fundamentais como educação, saúde e justiça. É tempo de parar de injetar dinheiros públicos prioritariamente nos bancos e no betão.
17. Acreditamos que o seu Governo ainda vá a tempo de ter bom senso. Manter esta intransigência de recusar a contagem integral do tempo de serviço dos professores, fará cair por terra as mudanças pedagógicas que urgem. O país sabe que a aposta na educação pública é um bem maior. O nosso atraso histórico na educação é grave demais para continuarmos a perder tempo. Para o desenvolvimento e futuro do nosso país, precisamos de qualificar e apaziguar os agentes educativos.
Lisboa, 7 de Julho de 2018
Mendo Henriques, Presidente do Nós, Cidadãos!
Nós, Cidadãos!
Rua Gonçalves Crespo, 16A
1150-185 - Lisboa
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