Tarso Genro é hoje, sem dúvida alguma, o único político da nossa esquerda, que se expõe semanalmente ao debate sobre o futuro do País, fora do discurso partidário quase sempre redutor das lideranças petistas.
Em resposta, porém, o que se vê, é um silêncio constrangedor daqueles que, por suas funções de dirigentes políticos, deveriam assumir o aplauso às posições de Tarso ou o contraditório à sua versão da realidade brasileira.
Será o temor em contrariar o que ele escreve por falta de argumentos mais sólidos?
Ou devemos todos assinar embaixo quando ele diz, no artigo que assinou no Sul21, com o título de "Daniel Blake encontra Antonio Gramsci', como se fosse uma verdade definitiva, que:"a esquerda ficou atada nas análises da contradição clássica da sociedade industrial, entre uma "burguesia", que não é mais a mesma - pois é mera caudatária do capital financeiro globalizado - e o "proletariado", que não é mais o mesmo, pois foi levado a ser indiferente à "escória" desempregada, que se marginalizou ou veio de & ldquo;fora", disputar seus empregos
A pergunta fundamental no caso é se essa nova sociedade em que vivemos, descrita por Tarso, não se divide mais, fundamentalmente, entre as pessoas que vivem do seu trabalho (seja em tempo integral, em casa, temporários, terceirizados ou seja lá qual for suas condições) e os que vivem do trabalho dos outros (exploradores diretos do trabalho alheio, como banqueiros, industrialistas, comerciantes ou aqueles que indiretamente se beneficiam desse sistema, como diretores, gerentes e altos funcionários integrantes de uma nova elite econômica)?
Outra questão: Seria viável, a construção de uma sociedade mais humana dentro do sistema capitalista?
No seu artigo, Tarso inicialmente admite que isso seja possível:
"Com estes meios de produção e esta experiência acumulada na organização do trabalho, poderíamos ter uma sociedade humana, não só reconciliada com uma exploração racional da natureza, mas também uma organização social e estatal transparente, onde ninguém passasse fome, frio, dormisse ao relento, onde todos tivessem um sistema de proteção à velhice e à saúde à disposição, com uma boa educação pública".
Mais adiante, ele põe em dúvida essa possibilidade:
"Mas toda esta riqueza material e da inteligência humana -acumulada pela ciência e pela técnica- possibilitou, não a emancipação, mas um sistema produtivo e social gerador de mais desigualdades, que no seu próprio sócio-metabolismo gera mais riqueza concentrada, consumo suntuário, privilégios de poder e territórios arrasados pela guerra e pela morte. A vitória da contra-revolução neoliberal é uma vitória política, que soube combinar a força da espontaneidade do mercado, com o convencimento político de que a solidariedade e a igualdade são improdutivas e opressivas".
Então, por que Tarso insiste em se colocar como um reformista de esquerda e não um revolucionário?
Serão seus compromissos com uma ordem social estabelecida, que ele considera injusta, mas que não pretende destruir, admitindo que possa ser humanizada, como quando diz ".Nesta época de crise da acumulação privada devotada aos bancos, todavia, - nesta mesma época - já foram criadas todas as condições materiais e pressupostos técnicos e tecnológicos para, pela primeira vez na história da humanidade, eliminar a carência?
Itsván Mészáros, que está entre as leituras de Tarso, pensa exatamente o contrário , quando lembra o célebre aforismo de Rosa Luxemburgo "Socialismo ou barbárie", com este complemento, "barbárie, se tivermos sorte".
Diz Mészaros: "A maior e mais perigosa ironia da história moderna é que a outrora tão incensada "destruição produtiva" se converteu, na fase descendente de desenvolvimento sistêmico do capital, em uma produção destrutiva ainda mais insustentável, tanto no campo da produção de mercadorias quanto no domínio da natureza, complementada pela ameaça definitiva de destruição militar em defesa da ordem estabelecida. É por isso que a alternativa socialista não só é possível - no sentido já mencionado de sua sustentabilidade histórica -, mas também é necessária, no interesse da sobrevivência da humanidade".
Hoje, se tornou comum se falar no capital financeiro globalizado como se fosse algo abstrato, que dispensa instituições concretas para se realizar e que na fase atual do capitalismo, as relações de trabalho analisadas por Marx e Lenin desapareceram ou perderam toda a importância.
O que ocorre na realidade parece contrariar essas teses. O que vemos é o Estado, cada vez mais forte, monopolizado pelo capital, agir como guarda pretoriana dos seus interesses no mundo inteiro, financiando indústrias que operam com métodos escravagistas que já pareciam ter sido abandonados há muito.
Isso sem falar na mais gigantesca operação industrial, que cada vez capta mais recursos públicos para o seu desenvolvimento, o complexo político-militar, denunciado por Eisenhower há mais de 50 anos, mas cada vez mais ativo, como se viu agora quando o Presidente Trump anunciou que ele receberá investimentos ainda maiores nos próximos anos.
As velhas relações de trabalho estão visíveis também nas grandes indústrias de produção de bens de consumo, do automóvel ao smartphone, dos cosméticos aos alimentos.
A divisão fundamental, que separa os homens, entre os que vivem do seu trabalho e os que vivem do trabalho dos outros, mesmo que disfarçada sobre formas modernas de relacionamentos, ainda persiste e é ela que precisa ser atacada.
Slavoj Zizek diz com ironia que os que mais atrasam uma hipotética revolução socialista, são os políticos socialistas.
Mészaros não vê garantia histórica alguma de que algum grande evento revolucionário ocorrerá, "mas estou certo de que, se nada ocorrer, vamos nos aproximar, pouco a pouco, talvez não de uma catástrofe global, mas de uma sociedade extremamente triste".
Mészaro, diz ainda que essa revolução, se ocorrer, não virá de um lugar específico. "Vejo espaços potenciais de tensão. Por exemplo, há literalmente centenas de milhares, talvez milhões, de estudantes na Europa em meio a seus cursos. Eles estão cientes de que, em inúmeros casos, não terão chance alguma de um empreguinho"
Outros pensam na ação de um partido político com um novo perfil.
Citando Antonio Negri, Zizek, diz que existe uma diferença fundamental entre um partido político que assume inteiramente a função representativa e que é legitimado pelas eleições e um Partido (com P maiúsculo) que considera secundário o procedimento formal das eleições democráticas e age revolucionariamente.
Em outubro de 1917, quando os mencheviques não cansavam de dizer que não era possível se fazer uma revolução socialista, Lenin estimulou os bolcheviques, não a construir o socialismo diretamente, mas "errar melhor que o Estado burguês normal", talvez se antecipando à famosa frase de Derrida de que "a condição de impossibilidade é a condição de possibilidade".
Alain Badiou na sua obra A Hipótese Comunista, não acredita nos velhos partidos para a instauração do socialismo, mas em algum tipo de ação direta das massas:
"Houve na França, há muito tempo, dois tipos de manifestações: as sob a bandeira vermelha e as sob a bandeira tricolor. Acredite em mim: no que concerne a reduzir a nada os pequenos grupos fascistas identitários e assassinos - aqueles que apelam para formas sectárias do Islã, a identidade nacional francesa ou a superioridade Ocidental -, não são as tricolores, controladas e utilizadas pelos poderosos, que são eficientes. Estas bandeiras são outras, as vermelhas, e que precisam voltar."
Noves fora Mészaros, Zizek . Negri, Badiou e outros citados, os caminhos que se abrem para os leitores de esquerda do artigo do Tarso Genro são: seguir sua linha de pensamento e se engajar na sua luta pela redemocratização do País ou mesmo, concordando que essa possa ser a tática adequada ao momento, não abrir mão da estratégia de uma solução revolucionária e lutar por ela, mesmo que ela possa ser considerada apenas uma utopia.
O que não pode mais continuar ocorrendo é o que diz Tarso Genro com a sua longa vivência do mundo político brasileiro: "Não é de pasmar que os debates internos e os Congressos dos partidos políticos do campo da esquerda, despertem pouca atenção, fora de um círculo restrito dos seus militantes e dirigentes e se tornem, mais ajustes entre já convencidos, do que propriamente respostas amplas a questões políticas e econômicas de fundo, que já estão no cotidiano das classes populares".
Marino Boeira é jornalista, formado em História.
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