Xi inicia "dolorosa reestruturação" do insano endividamento chinês
Comecemos por examinar o que o Dragão em pessoa - presidente Xi Jinping - tem a dizer sobre a China estar sendo tão frequentemente ridicularizada em influentes círculos do governo dos EUA em Washington, como em [capítulo de] House of Cards (port. lit., "Castelo de Cartas").
A dívida da China tem aparecido com muita frequência no noticiário. Em Zerohedge (17/5/2016)encontra-se quadro elucidativo. Aqui, Pepe Escobar oferece informações valiosas sobre o contexto.
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"Fato é que o golpe funcionou no Brasil - um elo frágil na corrente BRICS. A liderança do Partido Comunista Chinês aprendeu muito atentamente - e silenciosamente - a lição brasileira; a China está hoje mais alerta do que jamais à evidência de que nada deterá o Excepcionalistão, que tentará absolutamente tudo e qualquer coisa para deter o já espetacular avanço chinês em termos globais."
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Comecemos por examinar o que o Dragão em pessoa - presidente Xi Jinping - tem a dizer sobre a China estar sendo tão frequentemente ridicularizada em influentes círculos do governo dos EUA em Washington, como em [capítulo de] House of Cards (port. lit., "Castelo de Cartas").
Xi já desmentiu, é claro, a ideia de que estaria em curso alguma furiosa disputa pelo poder à moda de House of Cards nos píncaros serenos do Partido Comunista Chinês (PCC). Ao mesmo tempo, não para de repetir que "conspiradores", "carreiristas", "gangues" e "claques" obram para minar o PCC de dentro para fora.
Assim é que, por justiça poética e/ou pura ironia, está em produção um seriado, em 42 episódios, sobre a corrupção na China - intitulado "Em Nome do Povo" e financiado pela principal agência de fiscalização e justiça do Império do Meio -, que ganhará vida antes do final de 2016, mostrando, no papel de vilão, um alto figurão do PCC (primeira vez na história). Praticamente, um Frank Underwood chinês.
Significa que o que Xi diz - e faz - ao vivo será reproduzido em centenas de milhões de telas de televisão nos lares chineses, mostrando facções em luta dentro do Partido Comunista Chinês de 88 milhões de membros. A guerra de Xi contra a corrupção produziu um rompante de membros do PCC, todos gravemente preocupados e frenéticos - para dizer o mínimo.
Xi não é só o Comandante-em-chefe na luta contra a corrupção: é também o Comandante-em-chefe do centro de comando conjunto de duas batalhas: monitora um Sistema de Responsabilidade [a Comissão Militar Central] e, também o corpo central de segurança, dos guardas que monitoram a segurança de todos os demais pesos pesados do Partido Comunista da China.
Acrescente a tudo isso o status de Xi como secretário-geral do Partido Comunista Chinês, presidente da Comissão Militar Central, presidente da comissão de segurança nacional e presidente do alto comissariado que trabalha na reforma do sistema chinês; um intelectual de Harvard que se refere a ele como "presidente de tudo" não erra muito gravemente.
Mesmo assim, nem essa espantosa concentração de poder significa que Xi seja divindade inabordável. No enredo central do drama em curso - o estado da economia - já surgiu, numa recente entrevista que o jornal People's Daily fez com "alta autoridade do Estado", estampada em primeira página e na qual se expôs a profunda divergência no plano econômico entre membros da liderança do PCC, que a tal falante "alta autoridade do Estado" seria ninguém menos que o próprio Xi.
Xi teve de servir-se dos veículos de mídia lidos por todos que são alguém na China, para apresentar e reforçar sua posição, sobre como dar jeito na economia chinesa minada pela dívida; baixo crescimento, OK, é a nova normalidade; mas a expansão cega do crédito/alívio monetário, não, não está OK. Xi, mais uma vez, é firme e claro: é agora ou nunca; é absolutamente necessário iniciar uma dolorosa restruturação do sistema chinês.
Muito cuidado com os "ninhos de espiões estrangeiros"
Xi Jinping detém poder espantoso, sim. E nem poderia ser diferente. Imagine o homem que comanda uma civilização-estado que existe há 5.000 anos e que tenha, dentre incontáveis outras questões cruciais, de sacudir/gerir um sistema econômico bem-sucedido durante 30 anos, mas que, agora, precisa ser atualizado; mudar o sistema, de sistema exportador, para sistema orientado para o consumo interno; gerenciar as aspirações - e sonhos partidos - de vasta classe trabalhadora, inclusive de milhões de neodesempregados; reorganizar as empresas estatais [ing. state-owned enterprises (SOEs)] monstros; achar modos para se livrar dos Himalaias de empréstimos bancários que não serão pagos e de investimentos "não bem-sucedidos" [ing. "nonperforming"]; reduzir e simultaneamente revitalizar as forças armadas da China.
E, como se não bastasse, Pequim tem de se manter absolutamente alerta, 24 horas/dia, sete dias/semana, contra as provocações do Pentágono operante em tempo integral - sejam reais, sejam só retóricas -, centradas no Mar do Sul da China.
É preciso viver em alerta total. Tempo integral. Sem relaxar nunca. E manter-se alerta contra "forças estrangeiras hostis" ou, mais claramente, "ninhos de espiões estrangeiros" que querem ver você afogado no mais profundo caos.
Daí a nova lei contra ONGs operantes na China. Há ONGs demais - acima de 7 mil. E a agenda (oculta) de muitas delas - da NED até a gangue de Soros - é promover pura, não adulterada, sem mistura "revolução colorida"... por difícil que seja nessa China ultra arregimentada.
Fato é que funcionou no Brasil - um elo frágil na corrente BRICS. A liderança do Partido Comunista Chinês aprendeu muito atentamente - e silenciosamente - a lição brasileira; a China está mais alerta do que jamais à evidência de que nada deterá o Excepcionalistão, o qual tentará absolutamente tudo e qualquer coisa para deter o já espetacular avanço chinês em termos globais. Significa dizer que, se você é uma ONG operante na China, trate de ver se encontra patrocinador estatal chinês, e faça seu registro como agente estrangeiro na delegacia de polícia mais próxima.
Mas, voltando à economia chinesa, o mantra que rola entre muitas poderosas facções dentro do governo dos EUA é que o crash chinês está(ria) próximo. Mais uma vez: é o tema do castelo de cartas.
A dívida total da China alcança hoje vertiginosos 280% do PIB. Aí se incluem os 115% correspondentes às dívidas das empresas estatais; no Japão, por exemplo, o número correspondente às dívidas de estatais é apenas 31%. Seja como for, o que realmente importa é que apenas 25%, no máximo, das dívidas das estatais chinesas terão de ser restruturadas.
A estratégia de Xi é que a Deusa do Mercado super turbinará essas estatais chinesas, não as matará. Assim, esqueçam de vez o delírio de que o Partido Comunista Chinês entregará o controle a economia da China a empresas que o próprio Partido Comunista Chinês não controle. Não surpreende que o que restou aos porta-vozes do Big Capital dos EUA seja chorar e ranger de dentes sobre o castelo de cartas lá deles [ing. House of Cards].
Todos os olhos estão em 2021
Nunca será demais recordar a todos que absolutamente tudo que acontece agora na China é subordinado à meta oficial de Xi, de ter alcançado "uma sociedade moderadamente próspera" (xiaokang shehui), quando o país festejar o aniversário de 100 anos da fundação do Partido Comunista da China, em 2021.
Faltam só cinco anos. Com mais longo prazo, para 2049, a meta é ter alcançado "uma sociedade socialista modernizada" (shehuizhuyi xiandaihua shehui) com PIB de $30.000 per capita. Já deverá ser realidade, quando o país festejar o aniversário de 100 anos da fundação da República Popular da China.
O exército de planejadores estrategistas que trabalha em Pequim estima que essa meta maior é alcançável, se o Império do Meio conseguir produzir mais de 30% do PIB glonal, à altura de 2049; para efeito de comparação, é coisa como 1-1,5% acima da proporção atualmente produzida pelos EUA (e os EUA pouco produzem além de armas e infotech.)
O projeto é, sim, espantoso, de tirar o fôlego, e é sempre reduzido pelos velhos "especialistas" catastrofistas do ocidente, a frases que se resumem sempre a variações de um mesmo refrão: Xi seria o novo Mao Tse Tung. É tolice. Os homens - e os contextos históricos - são radicalmente diferentes. Mao decidia só as questões essenciais - o resto sempre deixou para a 'equipe'. O Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping foi homem de consensos.
Mas Xi decide pessoalmente sobre virtualmente tudo - mas ouve muito atentamente alguns poucos conselheiros seletos. Por exemplo, o Ministro do Comércio - o mesmo que lhe apresentou o conceito que depois foi desenvolvido como "Novas Rotas da Seda" -, e Liu He, conselheiro que conceptualizou a atual estratégia econômica de Xi.
O fato de Xi estar sendo designado como "o núcleo" (hexin) da liderança em Pequim não é grande coisa (maoistamente considerada). Diz-se em Pequim que uma linha de montagem de editores trabalha para compilar um livro do pensamento (sixiang) de Xi, que o tornará pensador tão crucialmente importante quanto Mao, para a teoria do marxismo chinês. Sim. E daí? Xi voa contra o tempo, não pode descansar e tem uma missão. E 2021 está aí. Castelo de Cartas? Não. Tem mais cara de Xi baixando na mesa um Full House.*****
18/5/2016, Pepe Escobar, Russia Insider
http://russia-insider.com/en/china-house-cards/ri14400
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