As notícias sobre o atual processo de paz nos meios massivos de comunicação são bastante efêmeras. Uma nova crise surge sem que as reflexões e análises sobre a anterior crise tenham sido decantadas.
A reincorporação das FARC-EP à vida civil: as limitações do modelo DDR [desarme, desmobilização e reintegração]
As notícias sobre o atual processo de paz nos meios massivos de comunicação são bastante efêmeras. Uma nova crise surge sem que as reflexões e análises sobre a anterior crise tenham sido decantadas. Ademais de evidenciar a função social que cumprem os meios de comunicação em nossa sociedade, o debate surgido a partir das referidas notícias é um reflexo das principais características do cenário político colombiano: sua pugnacidade e polarização extrema. Não poderia ser de outra forma, dadas a natureza e particularidades do conflito social e armado em Colômbia.
Por Sofia Morantes
Neste sentido, me proponho abrir um espaço de mais reflexão que convide a desescalar a linguagem e a debater de forma mais argumentada; um exercício que pode ser entendido como parte do plano de Pedagogia de paz cuja primeira etapa se concluiu recentemente, segundo pronunciamento recente da Delegação de Paz das FARC-EP.
Nesta coluna retomaremos alguns dos pontos do debate que foram impulsados no marco da discussão do Ponto 3, Fim do conflito, do Acordo Geral para a terminação do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura. Se trata de oferecer ao povo colombiano e à opinião pública em geral alguns elementos adicionais para entender o que verdadeiramente se está negociando em Havana, os avanços na negociação e as principais discrepâncias com o governo na Mesa de conversações.
Para iniciar este exercício pedagógico, quisera retomar a mais recente "crise" desmentida pelo Comandante Carlos Antonio Lozada na rodada de imprensa do dia 14 de março de 2016. Na referida ocasião, o governo, depois de vários meses de conversações desde a instalação da Subcomissão Técnica para o Fim do Conflito -encarregada do projeto do cessar-fogo e de hostilidades bilateral e definitivo-, apresentou uma proposta que eliminava de uma tacada o que tinha sido elaborado mancomunadamente pela Subcomissão durante 12 meses de trabalho. Isso levou a que o Comandante-Chefe das FARC-EP, Timoleón Jiménez, emitisse uma circular interna alertando as suas tropas sobre o sucedido e a tomar as medidas pertinentes.
Pelo acima exposto, considero que o governo colombiano ainda não aceitou que estamos frente a um processo de paz que busca pôr fim a uma longa confrontação na qual não houve um vencedor. O governo deveria reconhecer que a derrota militar das FARC-EP não foi possível por várias razões, entre elas a coesão e o enraizamento no território desta organização guerrilheira. Do anterior se depreende a seguinte conclusão: um programa de DDR convencional [Desarme, Desmobilização e Reintegração], como quisera o governo, não é aplicável ao conflito social e armado colombiano.
Alguns centros de pensamento, como a Fundação Ideias para a Paz, reconheceram recentemente que o referido modelo pode não ser efetivo no curto prazo, pelo que propõe, na segunda entrega da Série Fim do Conflito, pensar em Medidas de Estabilização Provisória ou holding patterns para garantir as condições suficientes de segurança nas primeiras etapas do pós acordo, isto é, na fase correspondente à estabilização -os três primeiros anos posteriores à firma do acordo final-, fase na qual é mais factível o surgimento de novos ciclos de violência. Assim, segundo, este informe, as Medidas de Estabilização Provisória são mecanismos que consistem em manter temporariamente aos ex-combatentes em estruturas "militares" ou "civis" para evitar os vazios de poder que se geram entre a fase posterior ao acordo final e a implementação de medidas de médio e longo alento. A estabilização provisória permitiria manter a coesão da organização, aproveitando sua estrutura de mando e controle, assim como seus conhecimentos e capacidades militares.
O acima exposto é um primeiro reconhecimento das limitações e insuficiências do modelo DDR proposto pelo governo. No entanto, os exemplos ali recolhidos por sua pertinência e viabilidade para a Colômbia continuam sem dar conta de uma das importantes particularidades das FARC-EP.
Uma das principais características da reincorporação das FARC-EP à vida civil será a de manter sua coesão através de sua organização política. Assim, não se trata de impossibilitar o exercício comparativo e desconsiderar a importância de retomar experiências nacionais e internacionais relacionadas com o fim de um conflito armado. Do que se trata é de reconhecer que as FARC-EP são também uma organização política, que seus conhecimentos práticos não derivam somente de aspectos militares. Têm um profundo acumulado político que lhes permitiu constituir-se num partido em armas e que sua reincorporação, ademais de ter um evidente componente econômico e material, também tem um componente político, conformado por mais de 50 anos de luta pela ampliação da democracia colombiana e a construção de uma sociedade mais justa.
No entanto, o governo e alguns setores da sociedade colombiana consideram impossível que, deixadas as armas para o lado, o povo colombiano considere ao movimento político que surja do trânsito das FARC-EP à vida política legal como uma alternativa real de poder. Creio que ali também as FARC-EP têm muito com que contribuir, ainda que o governo e sua política de desprestígio tenha feito o mundo acreditar em todo o contrário.
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