Há um mês, escrevi que o Estado Islâmico (EI ou ISIL) é agora o único jogo na cidade, no que tenha a ver com insurgentes lutando contra o estado sírio (e, agora, também contra o estado iraquiano):
Dentro de poucos meses a Frente Islâmica já não existirá. Sumirá no ar como essa outra fantasia chamada Exército Sírio Livre. Partes da FI jurarão lealdade ao ISIL, partes desistirão da luta e partes se bandearão para o lado do governo. Então começará a verdadeira guerra contra o ISIL.
Os "rebeldes moderados" que Washington procura há anos, são um unicórnio. Todos os grupos aos quais os EUA enviaram armas ou deram treinamento na Jordânia já são hoje parte do ISIL.
O ISIL consolida-se (leitura recomendada) no oeste do Iraque e em todo o leste e norte da Síria:
"As fronteiras do novo califato declarado dia 29/6/2014 pelo ISIL estão crescendo dia a dia e já cobrem superfície maior que a Grã-Bretanha e habitada por pelo menos 6 milhões de pessoas, população maior que da Dinamarca, Finlândia ou Irlanda. Em poucas semanas de combates na Síria o ISIL já se estabeleceu como força dominante da oposição síria (...)."
Hoje, o ISIL gera dinheiro suficiente, de vendas de petróleo e de chantagens, para se autossustentar. Capturou quantidade imensa de armas de quatro divisões do exército do Iraque e agora também da Brigada 93 da Síria que o ISIL derrotou há uma semana:
"Além dos howitzers 5+ 122mm D-30, o ISIL capturou cerca de 20 tanques T-55 & 1 ZSU-23-4 Shilka SPAAG."
O ISIL já tem soldados experientes em número suficiente para usar essas armas. Como são organizadas e comandadas as suas logísticas, isso, já são outras perguntas, ainda em aberto. É possível que aí esteja o ponto fraco deles.
O ISIL também ganhou em números. Até o mais ardente propagandista e promotor do inexistente Exército Sírio Livre, Hassan Hassan, já admite que todo aquele pessoal está sob controle do ISIL. Forças internacionais até o momento alinhadas com a Al-Qaeda estão-se 'mudando' para o ISIL. Tribos nas áreas capturadas juram fidelidade ao ISIL e somam exércitos.
Um especialista militar avalia que:
O ISIL evoluiu agora, de vitórias locais, para uma estratégia regional. Moveram-se do que se chama, em guerra de contrainsurgência, de operações de Fase II, para operações de Fase III, ou transformação de insurgência fixa encoberta, em guerra de mobilidade aberta. Acontece quando um grupo terrorista cresce o suficiente para sair das sombras e converter-se num "exército de libertação" móvel.
O coronel Pat Lang observa:
Disseram-me hoje que o Departamento de Defesa decidiu que o ISIL é o mais capaz exército não israelense no Oriente Médio.
O ISIL tem muito armamento leve e pesado, tem dinheiro, é comandado por oficiais experientes do velho exército de Saddam e tem enorme força de soldados em solo. O que fará com todas essas capacidades?
No discurso em que declarou estabelecido o Califato, Abu Bakr Al-Baghdadi prometeu fazer algo grande. Precisa de um grande evento para consolidar sua posição. Os ex-oficiais de Saddam alinhados com o ISIL querem capturar Bagdá e reconquistar o status que tiveram. O ataque em curso contra a capital curda Erbil não é o grande ataque: é show de intervalo. Baghdadi quer eliminar o que haja ali como posição dos EUA e possa ser usada para atacá-lo na retaguarda.
Para Pat Lang:
Quando tiverem acabado no norte, retornarão ao problema de eliminar o atual governo iraquiano. Duvido que planejem ocupar o sul xiita do Iraque, mas destruir o que resta da autoridade do governo central do Iraque, sim, é com certeza possível.
Se forem bem-sucedidos nessa parte, depois virão a Jordânia, o Líbano e o Golfo, fácil como estalar os dedos.
Mas ao longo das últimas semanas, o ISIL também consolidou sua posição na Síria e conectou os dois campos de batalha num só.
Elijah J Magnier, a jornalista e analista do Oriente Médio, com fontes excelentes, sugere um alvo diferente para o grande ataque, sugestão exposta aqui [Storyfied]. Excertos:
Centenas de tanques e artilharia antiaérea sofisticada ganhos de #Iraque & #Síria estão-se reunindo para um ataque espetacular que Baghdadi prometeu.
...
P'rá mim, #ISIL está desviando as atenções na direção do #Iraque, p'r'atacar + pesado na #Síria, sabendo que o #SAA [Exército Árabe Sírio] & #Assad atrairão menos ajuda internacional.
Magnier sugere que o ISIL pode lançar ataque espetacular contra Aleppo e provavelmente capturará a cidade. Acerta, ao crer que se o ISIL toda sua força renovada, o depauperado exército sírio terá pouca chance de defender a importante cidade de Aleppo. O resultado pode vir a ser um terrível imenso banho de sangue.
Enquanto os EUA tentarão provavelmente deter qualquer ataque contra Bagdá, mesmo que com alguns poucos ataques aéreos, é improvável que apareça qualquer tipo de ajuda internacional para ajudar a defender Aleppo. Patrick Cockburn concorda:
É possível que ISIL decida avançar sobre Aleppo, em vez de avançar para Bagdá: é alvo mais vulnerável e com menos probabilidade de desencadear intervenção internacional. Assim se criará um dilema para o ocidente e seus aliados regionais - Arábia Saudita e Turquia: sua política oficial visa a derrubar Assad, mas o ISIL vai-se convertendo na segunda mais poderosa força militar na Síria. Se Assad cair, o Califato estará em boa posição para ocupar o lugar dele. Como os líderes xiitas em Bagdá, os EUA e aliados responderam com mergulho num universo de fantasia, ao crescimento do ISIL.
Minha opinião é que o ISIL é, na essência, uma força genocida e extremamente perigosa que deve ser derrotada por todos os meios e o mais depressa possível. Há hoje denúncias confiáveis de que o ISIL matou ou queimou vivos cerca de 500 yazidis. Não é o primeiro nem será o último massacre que o grupo comete. O ISIL tem portanto, como se pode ver, dimensões bem diferentes da cômica 'ameaça' da Al-Qaeda que nos disseram para temermos muito, ao longo das últimas décadas. Se tiver mais tempo para acumular recursos adicionais, será cada dia mais difícil de derrotar.
Infelizmente, porque a ameaça da velha Al-Qaeda foi super exagerada, essa nova força tem pouco a temer cá do 'ocidente'. Obama só prometeu proteger Erbil por causa do petróleo que há lá e porque é base da inteligência dos EUA [de fato, para muitos, os EUA temem que se repita ali ataque semelhante ao que se viu em Benghazi (NTs, com informações do Twitter)]. Mas uns poucos ataques aéreos disparados de porta-aviões distante não podem defender uma cidade contra força local determinada e capaz. É possível que Erbil caia em poucos dias.
Obama não usará todo o armamento possível e não ajudará o governo do Iraque, porque ainda sonha com chantageá-lo para obter alguma fantasia-delírio de "governo de unidade nacional":
Os ataques em curso, que começaram na 6ª-feira, têm a ver com a preocupação "imediata" de proteger norte-americanos, minorias sitiadas e infraestrutura crítica no norte - disse Obama. Mas ajuda ampla para fazer reverter os avanços dos extremistas muçulmanos sunitas nos últimos dois meses no país... só com novo governo no Iraque, disse ele.
Pela primeira vez na minha vida acho que - nesse caso - posso pensar em concordar com o neoconservador fazedor de guerras, John McCain:
O Sr. McCain disse que é favorável a enviar controladores de combate aéreo para o Iraque para ajudar a identificar alvos para ataques aéreos. É preciso mandar equipamento militar pesado para Erbil, capital curda, disse o senador. E disse que acha que os ataques aéreos devem incluir o território da Síria controlado pelo ISIL.
Ataques aéreos não vencem guerras e não resgatam território que esteja sob controle do ISIL. Só forças locais fazem tal coisa. Mas ataques aéreos podem destruir armamento pesado e depósitos de munição. A força aérea síria é pequena demais para essa missão. Não há força aérea no Iraque. Turquia e Jordânia têm alguma coisa, mas ou são aliadas não oficiais do ISIL ou temem a represália. Os EUA, sim, poderiam cuidar disso. Bastariam algumas semanas para a força aérea dos EUA, apoiada por grupos de operações especiais em solo, para reduzir o ISIL a uma força de infantaria incapaz de operações geográficas mais amplas.
Mas Obama e o pessoal que o abastece com informação continua a acreditar que o ISIL - que eles próprios ajudaram em parte a crescer - seria alguma espécie de Al-Qaeda amamentada ali mesmo, que eles poderão usar no futuro para uma ou outras daquelas fantasias políticas que enchem os dias de ócio daquela gente. Estão errados. *****
10/8/2014, Moon of Alabama - http://goo.gl/qZRiiv
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