Falar de Gaza poderia ser apenas falar da Palestina que vemos em nossos sonhos, da Palestina de nossos amigos oriundos daquele lugar, da Palestina de mulheres falantes, fortes, inteligentes e generosas, da comida que desperta o paladar, do chá, das inúmeras histórias contadas aos visitantes, enfim, de tudo que pode ser idealizado e vivido através da imaginação.
Mas vamos à Gaza atual, massacrada, sofrida, invadida, vamos à triste realidade de um povo, realidade esta que não cabe em sonhos porque já é um pesadelo. Em Gaza, 40% da população é de mulheres em idade reprodutiva e crianças menores que cinco anos, os homens e idosos compõem os restantes 60%. Após o cruel boicote imposto por alguns países seguido às eleições de 2006, as condições de vida vinham piorando consideravelmente. Pobreza em Gaza é uma condição real, e mais de um terço da população é considerada como ''food insecure'', não tem segurança quanto à alimentação.
Em Gaza, há restrições absurdas e indecentes ao acesso da população aos serviços médicos, restrições tais que são cruciais nas situações de emergência, como as emergências maternas, perinatais, infantis e da população idosa.
As condições de vida das mulheres, homens, idosos, jovens e crianças felizmente são protegidas, mesmo diante da barbárie imposta pelo Estado Sionista de Israel, graças à coesa união e solidariedade dos moradores de Gaza. No entanto, apesar desse fator positivo, pobreza, desnutrição com prejuízo da função cognitiva das crianças, aumento de infecções, depressão em homens, mulheres e idosos e estresse pós-traumático vêm apresentando uma progressão alarmante.
Após o último bombardeio de Israel sobre Gaza, que deixou mais de 1300 mortos e milhares de feridos, muitos dos quais com sequelas permanentes, temos um cenário mais que desolador com a quase completa deterioração das condições socioeconômicas, um desemprego sem precedentes e o aumento absurdo nos preços dos alimentos, precárias condições sanitárias com 300.000 m2 de esgoto sem tratamento, contaminação da terra e da água, deficiência de abrigos e sensação de desamparo quase generalizada.
Em Gaza, 56% da população não tem como se alimentar de forma adequada, pois dependem de ajuda humanitária. Muitos habitantes não têm itens básicos de higiene, somando-se a isso o número elevado de pessoas que não tem mais suas casas e vivem agora em tendas de plástico.
A ausência de eletricidade faz parte do dia-dia dos moradores. Cerca de 63% dela vem de Israel, que como punição à população impede o fornecimento adequado de energia.
A humilhação sofrida em Gaza é um ultraje a todos que acreditam na dignidade humana, pois é impossível não perceber a opressão constante e a insegurança de um povo, principalmente entre os jovens do sexo masculino, que têm consciência do enorme risco que correm de serem assassinados em plena luz do dia.
Nos hospitais, o cenário é desolador ao se deparar com os inúmeros feridos, grande parte com queimaduras de segundo e terceiro graus, e amputações devido às inúmeras bombas. Muitos pacientes já apresentam consequências dos traumas físicos e psicológicos sofridos, como alterações emocionais importantes, principalmente entre as crianças, dores por lesões e necessidade de cuidados de reabilitação, o que é extremamente difícil numa situação de bloqueio, já que Israel dificulta a chegada dos equipamentos necessários, bem como de medicamentos, analgésicos, antibióticos e próteses, e do modo mais vil se recusa a respeitar às solicitações quanto à entrada de ajuda humanitária. A dificuldade também é presente na fronteira com o Egito, em Rafah, pois encontra-se fechada a maior parte do tempo, aberta apenas um ou dois dias por semana, não muito diferente do que acontecia no período do bombardeio, detalhe que explica o pequeno número de pessoas que puderam sair para tratamento no Egito, apenas 266 pacientes.
Graças à ação dos grupos de ajuda humanitária, como da UNRWA, UM Relief and Works Agency, e UK Charity Medical Aid for Palestine, e muitos outros, como médicos voluntários de várias partes do mundo, os moradores de Gaza podem receber algum tratamento e apoio. No entanto, é necessário que se divulgue o sofrimento de toda uma população e que haja pressão suficiente para se alcançar uma ação concreta capaz de promover justiça.
Cláudia Palmeira, médica anestesiologista
Fonte: www.icarabe.org ─ Instituto da Cultura Árabe
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