Neste momento, apesar de que se fale muito de economia, existe outro fantasma que ronda o mundo e assusta mais os seus dirigentes: o fantasma das rebeliões. José Luís Fiori.
O alerta do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos mais fecundos intelectuais brasileiros foi publicado em novembro passado no jornal Valor. Para Fiori, o planeta tendia a viver dias explosivos, devido ao aumento das tensões entre as potências capitalistas e ao acelerado agravamento da crise econômica mundial. O mais provável é que voltem à ordem do dia as revoltas e as revoluções sociais. Elas não serão socialistas nem proletárias, mas adquirirão mais intensidade e violência nos territórios situados em zonas de fratura, prognosticou o co-autor do polêmico livro recém-lançado O mito do colapso do poder americano.
Não existe uma teoria da revolução, existem várias. Mas quase todas reconhecem a existência de um denominador comum nas experiências revolucionárias dos séculos XIX e XX: as revoltas acontecem, quase sempre, em sociedades fraturadas, com Estados enfraquecidos pelas guerras e por grandes crises econômicas, e situados em zonas de fratura, onde se concentra a pressão geopolítica da disputa entre as grandes potências, teoriza Fiori. Com base nesta tese central, ele apresentou um mapa mundial das rebeliões desenhado pelo crônico acirramento da competição geopolítica e econômica em várias regiões do planeta, inclusive na América do Sul.
Tensões na América do Sul
Durante os séculos XIX e XX, esta foi uma região sob influência anglo-americana sem grandes disputas imperialistas. Mas neste início do século XXI, o cenário e as perspectivas mudaram. De forma lenta, mas implacável, a pressão da nova corrida imperialista que começou na década de 90 está alcançando a América do Sul, e deve produzir os mesmos efeitos do resto do mundo.
As provas seriam visíveis: ingerência militar ianque na Colômbia, reativação da IV Frota Naval dos EUA, conflitos fronteiriços entre Venezuela, Colômbia e Equador, movimentos separatistas na Bolívia e Equador, etc. A criação da Unasul e do Conselho de Defesa da América do Sul e todas as outras medidas de integração soberana da região seriam a resposta positiva a este cenário.
É sob este pano de fundo da competição inter-imperialista que o autor analisa o impacto da crise econômica mundial.
Será prolongado e deverá atingir todas estas zonas de fratura, acentuando suas tendências mais perversas. Desde que escreveu este prognóstico, a componente econômica se avolumou de forma acelerada. No coração do sistema capitalista, não abordado neste texto por Fiori, a crise atingiu dimensão nunca vista. Somente em janeiro, 598 mil trabalhadores dos EUA perderam seus empregos, no maior corte de vagas mensal desde dezembro de 1974 uma média de 20 mil demissões por dia. O índice de desemprego subiu para 7,6%, o maior em 16 anos.
Desilusão no coração do sistema
Prestes a ser votado no Senado, o pacote de Barack Obama, que visa injetar US$ 780 bilhões na combalida economia dos EUA, até agora não convenceu que reverterá o grave declínio. Ele está mais destinado a salvar as grandes corporações financeiras e industriais, inclusive com a compra de papéis tóxicos. Demissões, arrocho salarial e cortes de direitos trabalhistas devem crescer, o que poderá abalar as ilusões criadas a partir da eleição do primeiro presidente negro dos EUA. A central sindical ianque (AFL-CIO), apesar de burocratizada e atrelada aos democratas, já insinua liderar protestos contra a crise. Em Detroit, fábricas falidas são ocupadas por operários.
No outro extremo, cresce a xenofobia contra os imigrantes, com a crise atiçando a divisão entre os explorados. A direitista Coalizão para o Futuro do Trabalhador Americano (CFAW) iniciou em janeiro forte campanha nas TVs associando o desemprego aos estrangeiros, principalmente contra os que possuem o visto H-1B (de trabalho qualificado temporário). No ano passado, 2,5 milhões de americanos perderam seus empregos. Ainda assim, o governo continua a trazer 1,5 milhão de estrangeiros por ano para pegar os postos de trabalho americanos. Será o seu emprego o próximo?, indaga o anúncio anti-imigração. Atos discriminatórios já se verificam no país.
Desafio às forças de esquerda
A tensão também aumenta em outros países atingidos pela crise mundial. Os violentos choques na Grécia, no final de 2008, foram o presságio do que pode ocorrer no planeta. Na França, uma poderosa greve geral paralisou o país no final de janeiro, desafiando os apologistas do fim da história e da luta de classes. Até na Islândia, encarada pelos neoliberais (inclusive pelos demos brasileiros) como exemplo de sucesso do neoliberalismo, ocorre a estridente búsáhal-dabytingin, revolução das panelas, que lembra o cacerolazo argentino. Pela primeira vez na história desde 1949, os islandeses são reprimidos nas ruas com bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes.
Na semana passada, uma série de bloqueios em estradas derrubou o ministro da Agricultura da Letônia, Martins Roze, acusado pelo desemprego rural e por corrupção; uma passeata nas ruas de Santiago exigiu da presidente Michelle Bachelet proteção ao trabalho; um protesto de estudantes filipinos em frente à embaixada ianque culpou os EUA pela onda de desemprego no país; greves paralisaram Hannover, na Alemanha; e choques violentos agitaram o Reino Unido, vários deles manipulados pela direita racista contra os trabalhadores estrangeiros. O fantasma das rebeliões ronda o mundo, o que deve assustar as elites burguesas e ativar as forças de esquerda no mundo.
Altamiro BORGES
http://altamiroborges.blogspot.com/2009/02/crise-mundial-e-o-fantasma-das.html
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