Milton Lourenço (*)
Atraídos por promessas quiméricas que desenhavam grandes ganhos comerciais, os governos do Brasil e Argentina, de maneira açodada, reconheceram em 2004 a China como economia de mercado, abrindo mão dos mecanismos de defesa contra práticas comerciais abusivas e desleais. Dessa maneira, abriram caminho para que aquele país fosse reconhecido como membro da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Até agora, porém, em troca de tantas gentilezas, nada receberam, além de promessas. O Brasil, por exemplo, imaginou que o crescimento chinês a taxas tão altas exigiria o consumo de matérias-primas, mas a China está comprando cada vez mais nos EUA, já que aquele país absorve também 20% de todas as suas exportações.
Com moeda desvalorizada e preços irrisórios, que resultam em boa parte de salários aviltantes, os chineses conseguem competir com êxito com países emergentes como o Brasil até mesmo dentro de seus próprios mercados. Não é à toa que muitas fábricas brasileiras começam a se transformar em montadoras de produtos. Hoje, as exportações chinesas para o mundo já passam de US$ 1 trilhão e o superávit comercial do país chegou de janeiro a outubro de 2007 chegou a US$ 212 bilhões.
Até 2004 a China era não só uma potência exportadora como importadora. Mas, desde o final de 2004, os chineses vêm reduzindo as compras de outros países, enquanto as exportações cresceram a taxas assustadoras. Explica-se: as empresas chinesas passaram a produzir muitos produtos que antes importavam. E de importadora a China se transformou em exportadora de produtos como aço, contêineres e outros.
É de lembrar que, ao final da década de 1970, a China, praticamente, nada exportava para os EUA, enquanto o Brasil exportava US$ 1 bilhão. Mas àquela época a China assinou um acordo comercial com os EUA e passou a exportar para aquele país sem barreiras tarifárias. Resultado: em 1985, tanto a China como o Brasil exportaram US$ 7 bilhões para os EUA. Duas décadas mais tarde, enquanto o Brasil exportou US$ 16 bilhões para os EUA, a China vendeu US$ 480 bilhões.
Isso, é claro, estimulou o significativo crescimento que a China vem registrando nos últimos tempos, criando, em contrapartida, uma dependência que agora começa a ser ameaçada, em razão das conseqüências da crise imobiliária e de um menor crescimento da economia norte-americana. Hoje, as exportações chinesas para o mercado norte-americano representam mais de 33% do crescimento chinês e 10% do Produto Interno Bruto (PIB).
Além disso, a União Européia vem articulando ações restritivas contra a China. Isso significa que a China não deverá tão cedo fazer a contrapartida esperada por Brasil e Argentina desde 2004, ou seja, o aumento das importações chinesas de produtos fabricados pelos seus parceiros latino-americanos e investimentos em infra-estrutura, que, se ocorreram, foram em nível bem inferior ao aguardado.
Para piorar, as restrições européias não se limitam a China. O Brasil também é visto como um "ladrão" de empregos agrícolas, o que tem estimulado uma política agrícola comum entre os europeus com vistas a barrar os produtos brasileiros. Quem já pôde comparar a robustez de atleta olímpico do frango brasileiro com o raquitismo do frango europeu dependurado na montra de um talho português, por exemplo, conhece bem as diferenças e a potencialidade desse produto brasileiro para dominar o mercado.
Mesmo com todas essas dificuldades desenhadas no horizonte, o governo brasileiro acaba de anunciar que, para 2008, as empresas brasileiras venderão US$ 172 bilhões ao mercado internacional, o que representaria um crescimento de quase 10% sobre os US$ 157 bilhões previstos para este ano. Desse modo, até 2010, o governo espera que o País atinja 1,25% do mercado mundial, o que equivaleria hoje a exportações no valor de US$ 208,8 bilhões.
Hoje, o Brasil está entre os 25 maiores exportadores mundiais, de acordo com a OMC. E, se até 2010, essas previsões forem confirmadas, estará entre os 20 maiores.
De fato, a tendência é crescer, mas o Brasil teria crescido muito mais se, a exemplo da China, tivesse feito um acordo comercial amplo com os EUA. E se exigisse dos chineses a retribuição que nunca veio. E que, dificilmente, virá agora que o governo chinês saiu de seu mutismo habitual para declarar, em reunião da OMC, que não abrirá seu mercado para importações de produtos industriais e que não aceitará qualquer acordo que venha a sair das negociações da Rodada Doha.
Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP Site: www.fiorde.com.br. E-mail: [email protected]
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