Tem muita gente torcendo contra. Mas é inevitável, assim como a chuva cai. Os setores mais atrasados da economia são os mais relutantes. Querem preservar privilégios. E tem os que de fato perdem. Porém, é a dinâmica do próprio modelo econômico que empurra o troço adiante. E a política externa do governo Lula vem trabalhando com perícia, sem fazer diplomacia de microfone e sem cair na armadilha dos que querem detonar o bloco.
O mapa acima mostra a rodovia que ligará portos brasileiros aos do Chile, cortando a Bolívia. É mais um passo da integração. O Mercosul fechou acordo com Israel, a crise entre a Argentina e o Uruguai está sendo resolvida, o Brasil se deu conta de que deve pagar a parte maior da conta. Uma Bolívia dividida em alguns pedaços, bem na fronteira do Brasil, interessa a quem? Com certeza não interessa à indústria brasileira, que importa gás boliviano. Aquele papo de trazer gás da Argélia ou de tirá-lo da bacia de Santos a gente sabe que é conversa mole, papo de negociador. O gás boliviano ainda é o mais barato, ainda que tenha encarecido.
Para quem pensa a médio prazo, o que é muito exigir da elite jurássica do Brasil, a ascensão de uma classe média em toda a América Latina interessa a quem? Principalmente ao Brasil, que tem indústria para calçá-la, alimentá-la e transportá-la. A alternativa é deixar tudo como está: a minoria controlando a maior parte da renda, a grande maioria na miséria. Há mais de 200 milhões de latinoamericanos vivendo abaixo da linha da pobreza.
O que eles fazem? Saem em busca de oportunidades. Assim como os brasileiros foram para os Estados Unidos - agora estão voltando em massa -, os guatemaltecos, salvadorenhos e mexicanos estão fazendo qualquer coisa para entrar nos Estados Unidos. Se o Brasil crescer muito mais que a Bolívia e o Paraguai, é inevitável que bolivianos e paraguaios venham procurar oportunidades de trabalho no Brasil.
Assim como o crescimento econômico tirou milhões de brasileiros da classe "D", o mesmo está acontecendo na Venezuela e na Argentina. Se a Bolívia tiver estabilidade e a elite branca e rascista de Santa Cruz tiver juízo, o país também está destinado a crescer. Brasil, Argentina e Chile precisam do gás boliviano para sustentar seu crescimento econômico.
Tenho viajado bastante pela América Latina, que já consome cerca de 25% das exportações brasileiras. México, Colômbia, Cuba, Venezuela e em alguns dias estarei na Costa Rica. A presença de empresas brasileiras, muitas vezes associadas a grupos locais, está crescendo rapidamente. Quando se fala em "segurança energética" todo mundo se joga sob a cama, com medo do Hugo Chávez.
Esta é a chave. A América do Sul tem tudo para se tornar uma União Européia tropical: água, terra, mão-de-obra relativamente barata e energia. Faltam escolas e hospitais. Tem papel para o estado, sim, na economia. Ou vocês acham que o estado não interferiu na economia americana, quando foi preciso? Essa história de estado mínimo é o que eles pregam para os outros. Quanto menos estado dos outros, mais fácil de manobrar os interesses políticos e econômicos alheios.
Porém, a diplomacia americana sob George Bush é tão inepta que eles conseguiram juntar do outro lado aqueles que pretendiam dividir: Brasil, Uruguai, Argentina, Venezuela, Bolívia e até mesmo o Paraguai. A não ser que uma recessão americana das bravas detone o crescimento da China, da Índia, da Rússia e do Brasil, tudo indica que o quadro atual será mantido: pressão sobre recursos energéticos findáveis, como o gás natural e o petróleo.
Mais um motivo para que a região desenvolva um sistema interdependente de troca de energia, com a eletricidade do Paraguai sendo vendida ao Brasil, o gás boliviano abastecendo os vizinhos e a Venezuela, com suas gigantescas reservas, ajudando a regular o preço do petróleo - o que passou a interessar muito mais ao Brasil desde que foi descoberto o campo de Tupi e, a longo prazo, tornou-se factível pensar no país como modesto exportador de petróleo.
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