Sejamos radicais

Sejamos radicais

Estou escrevendo essa coluna ás vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais, torcendo para que o segundo turno possa ser decidido entre Haddad, em que vou votar, e Bolsonaro.

Isso, que uma parte da elite intelectual brasileira e mesmo aqueles que se intitulam da esquerda democrática, lamentam, é a única alternativa para que o Brasil se resolva como nação: o início da polarização entre dois grandes projetos, o que defende a submissão do país aos interesses econômicos internacionais  e o que luta por uma sociedade baseada na justiça social, integrada à comunidade latino-americana.

Não estou pregando nenhuma luta revolucionária - pelo menos não agora - mas sim uma divisão mais clara dos campos políticos do País.

O professor e filósofo Vladimir Saflate tem chamado a atenção para o fato de que a derrocada do projeto reformista do PT em 2013 aconteceu porque a direita foi a única força política que deve capacidade de mobilizar importantes segmentos da classe média para vir as ruas, enquanto a esquerda, principalmente aquela que se abriga sob o PT, se omitiu.

Saflate dá um exemplo histórico de que a radicalização em pólos opostos é a única maneira de equilibrar forças e estabelecer um espaço para que a vida política prospere: a chamada guerra fria, permitiu que os dois modelos em oposição tentassem conquistar seus adeptos pelo proselitismo político, tolerando apenas guerras localizadas e não um grande conflito um mundial que ameaçasse a própria existência da humanidade.

Se, após a Segunda Guerra, a União Soviética não tivesse surgido como uma formidável máquina militar, os Estados Unidos teriam estabelecido seu poder sobre o mundo inteiro, como fez sobre as áreas sobre a sua influência, como foi o caso da América Latina.

Hoje, essa política de contra pesos, que se fez no passado, principalmente pela força militar, hoje se traduz mais claramente na guerra comercial entre Estados Unidos e China, o que, apesar de tudo assegura a relativa paz em que vive o mundo.

O Brasil precisa se equilibrar também entre duas forças políticas opostas, até que uma delas tenha condições de se impor, rompendo a política de pactos que permeia nossa história.

Não tenho nenhuma certeza de que Haddad, se vencedor, terá condições políticas e mesmo vontade para avançar no projeto inacabado de Lula e Dilma  de conquistas sociais ou, como fez seu mestre, se curvará à necessidade de pactos de não agressão com o centro e a direita.

De qualquer maneira é uma nova oportunidade de oferecer ao povo brasileiro uma possibilidade de escolha, fugindo dos pactos que sempre deixaram por fazer a verdadeira revolução brasileira, seja a burguesa e nacionalista, seja a utópica revolução socialista.

Nossos grandes momentos históricos sempre foram obscurecidos por pactos impostos pelos mais fortes, para impedir que os processos de ruptura se consumassem.

A independência nasceu de um acordo entre Portugal e Inglaterra, pelo qual pagamos 2 milhões de libras esterlinas para que a corte de Lisboa aceitasse a independência,  dinheiro  que a Inglaterra emprestou.  Ou seja, um arremedo de independência, que transformou o Príncipe português em nosso Rei e fez com que o Brasil já nascesse endividado.

A libertação dos escravos, mesmo com todas as lutas dos negros, veio como uma graça da princesa branca.

Os 15 anos de governo de Vargas, de 30 a 45, que deveria significar uma ruptura com a República Velha, embora tenha avançado na formação de uma burguesia industrial, precisou de muitos acordos com as oligarquias, principalmente paulista para se manter e, mesmo assim foi derrubado a pretexto de uma democratização do País.

A única grande oportunidade de uma ruptura com o modelo entreguista vigente desde 1945, o movimento cívico-militar da Legalidade foi perdida novamente por um acordo envolvendo Tancredo, Jango e os militares fascistas.

O golpe de 64 e seus governos ditatoriais nunca tiveram a unidade ideológica que pretendiam. Segmentos nacionalistas e pró-americanos travaram uma luta surda durante quase 20 anos, sufocada por acordos e mais acordos.

O fim da ditadura escancarou outro pacto - a anistia - que colocou no mesmo saco torturados e torturadores.

Fomos incapazes de nos aproximarmos, ao menos do que fizeram com seu passado, a Argentina, o Chile e o Uruguai.

Depois disso, o grande e definitivo pacto sobre o qual ainda estamos, a Constituição de 88.

Dentro dela vivemos os últimos 30 anos com um razoável espaço democrático, que agora começa a mostrar sinais de cansaço.

É preciso reformá-la, todos os concordam.

O que nos divide hoje é o que reformar.

Os que, como nós, à esquerda, defendem o aprofundamento das conquistas sociais, precisam estar fortes para se impor, na luta contra a direita, cada vez mais organizada.

Por isso, vejo um futuro de lutas políticas e não mais de acordos.

 Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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